terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Lição de Gaza

Nesta semana, a Faixa de Gaza, que é uma tripinha de território encravado entre o Egito e Israel, voltou às cenas pela violência. De um lado, o Hamas, partido sunita do Movimento de Resistência Islâmica, que assumiu o poder em 2006, após ter vencido as eleições parlamentares e que vem disputando, com o Fatah, o poder na Palestina. Do outro, Israel, país formado majoritariamente por judeus e que declarou independência em 1947, derrotando, de uma só vez o Egito, a Síria, a Jordânia e o Líbano.

Até o término desse artigo, o saldo dos confrontos entre o Hamas e Israel estava em 366 mortos. Sendo 364 palestinos e 2 israelitas. Não contando os feridos, esse saldo impressiona pela desproporção e impacta o mundo (menos os Estados Unidos) pela violência aplicada por Israel, após o rompimento da trégua pelos palestinos do Hamas.

Como todos sabem, Israel, apesar de pequeno, é uma potência militar. Além de armas nucleares, o país conta com um sofisticado sistema de defesa e, também, de ataque baseado, sobretudo, no poderio aéreo. Foi a partir da superioridade aérea que Israel derrotou o Egito e a Síria em 1967 e, novamente, em 1973, configurando o seu território no que conhecemos hoje em dia.

Quanto aos palestinos, além de brigarem internamente pelo controle do poder, são militarmente debilitados. Ficam jogando foguetinhos para o outro lado da fronteira na esperança de fazer algum estrago. A estratégia antiga de se explodir num ataque terrorista suicida aparentemente não está sendo empregada ou possível de ser empregada, uma vez que Israel eficazmente bloqueia a entrada de qualquer suspeito. Além do mais, a palestina está quase que totalmente cercada por Israel, reduzindo a possibilidade de ressuprimento de armas.

Mas, o que isso tudo tem a ver conosco, brasileiros? Além da defesa da paz e interesse de nossos conterrâneos com origem palestina ou israelita – pois as suas colônias no Brasil não são pequenas – e da inevitável tendência de querer tomar as dores do mais fraco (os palestinos), podemos aprender muito com esse conflito que, aparentemente, nunca vai acabar.

A lição que tiro é nunca se acostumar com a ocupação/invasão do outro. Lá por volta do séc. III, os judeus foram expulsos da Terra Santa pelos romanos, vagarosamente retornaram, ocuparam terras, guerrearam e nunca desistiram de brigar por aquele solo árido (ainda bem que não descobriram a caatinga). Os palestinos e, de certa forma, os mulçumanos também. Foram invadidos pelos romanos e sofreram diversas cruzadas, resistindo a tudo isso. Ocupavam reinados, eram derrotados, iam e vinham. Mas, nunca desistiram. Uma hora um está por cima, noutra outro.

Não defendo aqui uma posição xenófoba. Não é isso. A não ocupação pelo outro é uma condição de não aceitar o que está errado, guerrear contra o que lhe ofende. Em nossa sociedade já estamos bastante acostumados a aceitar o que nos faz mal. É só olhar para as grades das casas, para as cercas elétricas, para as contas do plano de saúde e da escola privados. Se há roubo, assalto e seqüestro, nos acostumamos a isso. Se há má educação, péssimo saneamento e muita dengue, nos acostumamos a isso. Nossa solução nunca é a luta, nunca é a guerra. Nossa solução é alternativa, contemplatória, pacífica.

Uma maluca-beleza de 24 aninhos picha o muro da Bienal de São Paulo e, numa das poucas lições que vai receber na vida, passa dois meses em cana. A imprensa nacional cai de pau no Governo Paulista, como se Serra pudesse mandar soltá-la. Nossos intelectuais pregavam em alto e bom som que a maluquete só queria se expressar e o muro da Bienal, branco, era um convite. Sabe-se muito bem que pichação não é certo. Existem estudos comprovando que cidades pichadas têm maior nível de sujeira nas ruas e roubos. Quer se expressar, compre um quadro branco e piche ou fique nu na praça central, como fazem os ingleses. Pronto. Ter pena da pichadora e aceitar a sua arte é, mais uma vez, acostumar-se com o invasor. Lembro-me bem do americano (dos Estados Unidos) que pichou alguns muros lá em Pequim e, como punição, levou 100 chibatadas de bambu. Alguém teve outra notícia de pichação em Pequim depois disso?

Acostumamos-nos a pagar 14º salário para parlamentar que não trabalha; a aceitar que promotores e jornalistas matem e saiam impunes; a banqueiros que são condenados e não são presos; a juizes lalaus; a traficante que manda bala de cima para baixo; a policiais que fuzilam todo mundo; a pedinte de rua quando há Bolsa Família; a invasão de sem terras em terras produtivas; a calote de nossos vizinhos internacionais; a prédios que caem e navios que afundam sem nenhum culpado. A tantas coisas nós nos acostumamos sempre com a falsa impressão que não é conosco. Só que um dia, a casa cai.

No condomínio onde moro, tenho que conviver com a idéia de que já houve um seqüestro seguido de morte e a suspeita de tráfico de drogas por alguns marginalzinhos, filhos de alguns vizinhos. Os assassinos do seqüestrado estão, até o momento, presos. Quanto ao tráfico, colocamos câmeras de vídeo para não enfrenta um conflito direto com nossos condôminos, que também não enfrentam seus filhos.

Até quando nossa guerra será evitável?

Sites pesquisados:
www.g1.com.br
www.estadao.com.br
www.nytimes.com

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Será o urubu um deus orixá?

Diariamente, em nossas longas horas no trajeto entre Lauro de Freitas e a Federação (Salvador), eu e Lys sempre ocupávamos nosso tempo com as mais diversas bobagens. Algumas vezes compartilhávamos com outros caronas as nossas idéias e reflexões e logo percebíamos como estávamos, de fato, pirando com aquele tráfego. Ao menos, esse tráfego infernal nos deu chance de muitos diálogos frutíferos e inteligentes. Pedindo licença à Lys e, aproveitando para incentivá-la a escrever um livro, quero discorre sobre o urubu.

O urubu, como vocês sabem, é uma ave que nós não damos muito valor. É visualmente feia, além de ser sinônimo de sujeira e subdesenvolvimento. Rapidamente associamos esta ave às imagens de lixão, pobreza, menino de pés descalços e outros flagelos. Quando um urubu aparece, significa morte ou alguma coisa apodrecendo. Perto de aeroportos ele é rapidamente banido com tiros, rojões e outros métodos mais sofisticados. Nos desenhos animados, o urubu é o carrasco do Pica Pau. Sem dúvida, em nossa sociedade, os urubus estão lá no fundo do poço, perto dos ratos e das baratas.

Como tudo no mundo tem dois lados, o urubu não é só uma carinha feia na multidão de aves bonitinha. Ele cumpre uma função importante na natureza, sendo responsável pela limpeza de bichos mortos. É uma bactéria enorme! Portanto, auxilia no combate à disseminação de doenças. Entretanto, se não acha uma carniçazinha, ele é capaz de caçar roedores (ratos), sapos e lagartos, controlando também essas populações. Tem a qualidade de poder voar até 1400 metros. Um outro aspecto do urubu é que, por não possuir siringe, ele não pode cantar como outras aves. Ainda bem! Imaginem os urubus cantando ao seu redor.

Mas, o que chamou a atenção de Lys para os urubus e, depois, a minha, foi o fato de, ao longo de um ano de idas e vindas para Salvador, a população desse bichinho estava aumentando. Notávamos isso pela quantidade de urubus empoleirados nos topos dos postes de iluminação da Paralela. A Paralela é uma avenida enorme, em torno de 27 km. Nela, foram instalados postes de iluminação bastante altos e imponentes. Pois bem, no topo deles estavam os urubus. Estes, cada dia mais numerosos e, de certa forma, cada vez melhor nutridos (gordinhos).

O que levava àquela situação? Por que os urubus estavam cada vez mais numerosos? Por que estavam bem gordinhos? O que faziam lá em cima dos postos da Paralela? O que olhavam? O que controlavam? Essas e muitas outras perguntas tomaram nossas cabeças. Ficamos muito intrigados com essa situação. Passávamos dia após dia pela avenida e eles a nos olhar, controlar, vigiar, contar. Não descobrimos as respostas para tudo, mas Lys me apresentou uma hipótese bastante plausível.

Na Bahia e, principalmente, em Salvador, cada esquina e encruzilhada é utilizada para fazer alguma oferenda ao orixá que se quer prestigiar. É tanto pedido de oferenda que existe um serviço “disque oferenda”. É só ligar, encomendar o pedido e fazer o pagamento via cartão de crédito que a sua oferenda é despachada no ponto certo e na hora exata. Não direi o telefone, pois não quero fazer propaganda gratuita.

Como, quanto maior a graça a ser alcançada ou a homenagem a ser prestada, melhor deve ser a oferenda, esta se transforma num verdadeiro banquete. Uma oferenda para Oxum (protetora das crianças), por exemplo, deve ter canjica amarela cozida, doces de massa, maçã verde partida em 4 pedaços, balas, bombons, pirulitos e quindins. Para Xangô (Deus do raio, do trovão, da justiça e do fogo), pirão de farinha de mandioca, ensopado de carne de peito bem picada e cozida, temperada com alho, cebola e mostarda cozida, bananas da terra, maçã vermelha partida em 4 partes, morango, caqui, bombons, mil folhas, doces de massa e mariolas.

Toda essa pajelança é posta nas ruas de Salvador todos os dias. A Paralela, por se enorme, deve concentrar toneladas desses quitutes. E o que se faz com a oferenda? Quem come?

Excluindo fatos isolados de larápios atrevidos, quem come a oferenda é o urubu. Não raras vezes presenciei urubus banqueteando fartos despachos. São tantos os despachos que eles nem precisam disputar as iguarias. Isso explica o fato de estarem gordos e a sua população em franco crescimento. Mas, o que explicaria a atitude de ficar nos observado em cima dos postes da Paralela?

Em Los Angeles (Cidade dos Anjos) os anjos ficam nos topos dos prédios, nos telhados das casas e nos beirais das pontes observando e tomando conta das pessoas. Aqui em Salvador (Cidade dos Orixás) os orixás são quem nos governam. Para eles, ofertamos deliciosos quitutes em troca de graças, por homenagem ou respeito. Entretanto, quem aparece para receber a oferenda são os urubus. Depois de se banquetearem, os urubus sobem aos postes e ficam nos observando e tomando conta de nossas vidas.

Essa conclusão nos levou à seguinte pergunta ainda não concluída: será o urubu um deus orixá?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Fui eu...

Lendo o resumo do trabalho de Will Schutz, no blog de meu amigo Jorge, fique intrigado com as seguintes passagens que reproduzo abaixo:
(...) Schutz apresenta uma inquietante visão integrativa de ciência e experiência, alertando enfaticamente para a responsabilidade de nossas escolhas na perspectiva da Revolução da Tomada de Consciência e da Autopercepção, trabalhando magistralmente o Princípio da Escolha num conceito de responsabilidade do indivíduo sobre a sua evolução pessoal.
(...) ele diz: "Escolho tudo o que faz parte de minha vida e sempre o fiz. Escolho meu
comportamento, meus sentimentos, meus pensamentos, minhas enfermidades, meu corpo, minhas reações, minha espontaneidade, minha morte. De algumas dessas escolhas, escolho tomar consciência, e de algumas outras, escolho não tomar consciência. Geralmente opto por não perceber sentimentos com os quais não quero me confrontar. (...) Os acontecimentos ocorrem porque escolhemos sua ocorrência. Nem sempre estamos conscientes de os estarmos escolhendo. Uma vez que aceitamos a responsabilidade pela escolha de nossas vidas, tudo fica diferente. Temos poder. Decidimos. Estamos no controle de nós mesmos. Se eu aceitar o conceito de escolha, devo dar uma interpretação diferente a muitos dos principais conceitos vigentes, tais como, pressão de grupo, manipulação, bode expiatório, lavagem cerebral, etc. (...)”.
http://amaraljorge.blogspot.com/

Estamos muito longe dessa tomada de consciência e autopercepção, assim como não aceitamos muito bem o princípio da escolha. Apesar de não científica, minha conclusão é reflexo da observação do dia-a-dia. Retrato a seguir três episódios que contrastam com o pensamento de Schutz.

1) Numa das disciplinas optativas do doutorado de educação, resolvemos fazer um seminário sobre avaliação (
http://br.geocities.com/seminarioavaliacao/) como forma de conclusão das aulas. O seminário foi estruturado para haver apresentações e debates acerca de três dimensões da avaliação: competência, institucional e social. Particularmente, na apresentação sobre avaliação institucional, foi apresentada a experiência da auto-avaliação da UFBA. No final de sua apresentação, o palestrante confessou que os resultados da auto-avaliação realizada não surtiram efeito, pois todas as ações de melhoria identificadas dependiam do MEC.

2) Mudando de canal, durante minha jornada para casa após um dia de trabalho, sintonizei na Metrópole FM (não é propaganda), quando Mário Kertész estava entrevistando o jornalista Ricaro Lessa. O assunto da entrevista era o livro deste jornalista sobre a diferença histórica no desenvolvimento entre o Brasil e os EUA (Brasil e Estados Unidos - O que Fez a Diferença). Como eu estava interessado em saber o porquê somos o que somos, comprei e li o livro. Agora sei que somos fracassados por causa de situações que ocorreram na nossa formação enquanto nação. As principais foram a influência católica, o domínio português e a escravatura. O que tanto nos diferencia dos Estados Unidos é que eles foram colonizados, em principio, por famílias que buscavam uma terra livre para trabalhar e cultuar e que, mais tarde, na Guerra Civil, o Norte, industrializado, venceu o Sul, agrícola e escravagista. Outras diferenças foram apontadas, mas essas são as principais que nos amarram longe do progresso.

3) Ao término de um semestre letivo, como de costume, alguns alunos passam por média e outros vão fazer prova final. E, como de costume, os alunos que vão para final começam a chorar por míseros pontos. Décimos, até. Neste semestre, tenho duas alunas “cara de paisagem”. Aquelas que você olha e saber que nada do que você está falando está entrando naqueles neurônios. Por mais que você tente, elas não querem nada com a hora do Brasil. Estão ali só para não levar falta. Aprender, discutir, perguntar... Para quê? Nenhuma surpresa aconteceu com essas alunas e, como de costume (mais uma vez), elas inutilmente choraram muito para não ir para a final.

Vocês já sacaram que o que têm esses três episódios em comum com Schultz é a total negação do Princípio da Escolha. As alunas simplesmente negam e apagam da memória tudo ocorrido durante o semestre. Querem simplesmente que a outra pessoa resolva a situação delas. Não querem ser responsáveis pelos seus atos e, pior, não fazem mais nada para alterar o rumo da situação. Você estudou para fazer a minha prova final? Não! Nem elas.

Já o notável Ricaro Lessa nos impede de progredir porque amarra nossa deficiência em situações que não nos competem mais, como a escravidão, o culto à pobreza pela Igreja Católica e a limitação imposta pelo domínio português. Isso está na nossa história e, por um período, nos impossibilitou de maiores avanços. Só que hoje a situação é outra. Não avançamos porque somos muito incompetentes e corruptos. Não coloquemos a culpa nos outros ou no passado que não dá para mudar. O meu pensamento é que, no fim, o Brasil será fadado ao sucesso, pois é o celeiro do mundo. Se não fosse por isso, se estivéssemos em outro local mais inóspito, estaríamos ferrados.

Quanto à UFBA, a “auto-avaliação” deveria ser chamada de “outro-avaliação”, pois coloca nas costas do MEC toda a possibilidade de solução dos problemas detectados. Não sou paladino do MEC. Tampouco recebo bolsa do CNPQ. Mas, espere ai. Absolutamente nenhuma situação pode ser resolvida internamente? E quando à distribuição das aulas, o currículo, a distribuição de recursos, a segurança, a situação dos campi e tantas outras? A solução para isto também precisa ser ditada pelo MEC?

Sei que trabalhar na perspectiva do Princípio da Escolha é uma tarefa difícil. Árdua. É “bizarro” para as alunas aceitar que são preguiçosas, que não estudaram ou que não têm base o suficiente para estar numa faculdade, é “legal” dizer que o professor é um carrasco. É muito complicado encontrar uma solução para nosso país, melhor é colocar a culpa em alguém e, de preferência, alguém que já morreu. É muito penoso para a UFBA encarar o corporativismo e proporcionar o melhor possível para seus alunos, mais fácil é deixar como está, ficar de bem com todos e jogar a batata quente para o MEC. Eu mesmo não assumo muitas coisas que fiz e, constantemente, flagro-me colocando a culpa de meus problemas nos outros. É mais fácil, só que não resolve nada.

Mas, como reverter isso? Como dar o passo adiante e encarar os problemas de peito aberto? Não tem solução simples. Entretanto, existe iniciativa. Tentando colocar a teoria em prática, resolvi testar o Princípio da Escolha na primeira oportunidade que tive.

Pitorescamente, a primeira oportunidade surgiu num elevador. Precisamente entre o G1 e o 23º andar. Estava eu e mais duas belas moças (desconhecidas que trabalhavam em algum daqueles escritórios) subindo os andares. Eu não sabia onde elas iam parar, mais o meu andar era o último. No meio da caminhada, surgiu um odor desagradável, vindo das mais terríveis profundezas do ser humano. Controlei meus reflexos e tentei agüentar o máximo possível a situação. Mas, fiquei curioso em saber quem havia feito tamanha poluição e resolvi olhar as meninas. Neste momento, todos tiveram a mesma atitude e se olharam, ficando visível o constrangimento geral. Para resolver o impasse, resolvi dizer: fui eu!

domingo, 14 de dezembro de 2008

Pai

Se alguém te pedisse para escrever sobre teu pai, de uma penada só o que você escreveria? Bem... Não muito precisa, aumentando e diminuindo em alguns pontos, segue a minha versão:
Lembro-me bem do enterro do meu pai. Fui chamado às pressas e peguei o primeiro vôo de Salvador para Fortaleza. Era o dia da final da Copa do Mundo. Jogamos as últimas pás de terra enquanto a Seleção Brasileira perdia para a França. Infeliz coincidência! Todos estavam tristes e as ruas bem desertas. O céu estava mais cinza do que o normal e o cemitério se estendeu ao país inteiro.
Dois anos separaram o seu nascimento do final da Segunda Guerra Mundial. Particularmente não viu nenhuma granada ou bala perdida na pequena e pacata Deurne, mas sofreu os reflexos de uma Holanda que estava bem destruída. Hitler não quis conversa, foi retirado à força e deixou profundos estragos. Sua família era agricultora, plantavam batata e tinham algumas vaquinhas com tetas enormes.
Não tive oportunidade de aprender muita coisa com meu pai. Ele saiu de casa quando eu era muito pequeno. Acho que geneticamente tenho alguns traços de personalidade, lógica e organização. Nada comparado ao meu irmão, mas, alguns traços, eu tenho sim. Meu pai gostava muito de futebol, torcia pelo Treze e tinha uma cachorra chamada Trezina. Isso eu peguei dele. Só não aprendei a escolher o time certo. Gostaria de ter absorvido seu jeito de lidar com as pessoas. Não deu tempo.
Foi o filho estudioso e recebeu apoio da família, não tendo que enfrentar, no rigoroso inverno, as tarefas de uma via rural. As aspirações de sua mãe eram para que se tornasse padre. Não deu, continuou estudando e entrou na faculdade. Mas, a vida não era só estudo, não. Participou de algumas festinhas, viu os Rolling Stones quebrando todas as cadeiras do teatro e, pela proximidade de Amsterdam, acho que curtiu bastante.
Meu pai era muito sociável e talvez por isso tenha se desviado na vida. Tudo ganhou, tudo conquistou e tudo perdeu. A companhia dos amigos, em princípio. A companhia da cachaça, por fim. Na minha família todo mundo bebe, mas só meu pai não foi bamba. Não soube parar. Perdeu emprego, casa, mulher, amigo, filhos e tudo ao seu redor. Terminou aposentado, pendurando conta de bar em bar. Para ele a vida foi cíclica: voltou para onde veio.
Já formado, teve uma opção que mudaria completamente o sentido de sua vida. Ou ia servir o exército ou ia ajudar algum país do terceiros mundo. Muito corajoso, quis ajudar o Brasil. Chegou aqui em São Paulo. O primeiro carro que pegou foi um Landau, com ar-condicionado. O primeiro bairro que visitou foi Morumbi. A primeira propaganda que viu foi da TV Colorida da Philips. A primeira pergunta que fez foi: eu vim ajudar quem, mesmo? Mais tarde, foi para Paraíba.
Foi o professor de minha mãe e de uma porrada de alunos. Teve um de seus alunos que quis desafiá-lo. O aluno era esperto e viu que uma de suas fórmulas estava com erro e não teve dúvida em denunciá-la. Assumindo o erro, meu pai preparou a vingança com bastante açúcar. Na aula seguinte, colocou propositalmente um erro em outra fórmula, só que dessa vez o aluno não percebeu. Indagado se estava certa a fórmula, o aluno confirmou que sim e caiu em sua própria arapuca. Neste instante, minha mãe se apaixonou por ele. Que lógica! Que organização do pensamento!
A dedicação dele era para o estudo e depois para a pesquisa. Iniciou-se como professor na disciplina de química na Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande. A sua primeira turma foi toda reprovada. Sua foto saiu no jornal local com a seguinte chamada: holandês reprova mais de cem. Depois, entendeu que se deve fazer com aluno o que o morcego faz com o boi: morder e assoprar. Fez mestrado, doutorado, pós-doutorado. Foi para a África do Sul para ser orientando do papa da engenharia sanitária. Voltou ao Brasil e se estabeleceu de vez como professor e pesquisador, obtendo bastante destaque no cenário nacional e internacional.
No início, a vida o desafiou e ele respondeu de volta, progredindo nela. Casou, formou família, teve – que eu saiba – três filhos. Construiu casa, criou cachorro, gato e papagaio. Cresceu profissionalmente, chegando a ser diretor. É! Diretor. Foi responsável por boa parte da eletrificação rural da Paraíba. Saía e, quando voltava, vinha com bode, galinha, porco. Eram presentes dos agricultores pela energia que chegava. Um desses bodes, Mustafá, ficou sendo criado lá em casa. Um belo dia, meu irmão saboreado o almoço dominical, perguntou o que era. Pergunta errada! Era o Mustafá. Chorando, meu irmão soluçou e disse: muito bom.
Minha mãe trabalhava no mesmo departamento dele, talvez por isso, pela convivência se apaixonara. Tiveram que enfrentar muita gente por causa disso. A família ficou toda contra. Lá e cá. Mas, no fim, tudo acaba se acomodando e as idéias que eram suspeitas o tempo trata de desmistificá-las.
Passou de primeira em engenharia elétrica na recém inaugurada e concorrida Universidade Federal da Bahia, em Campina Grande. Para se manter, teve que dar aulas enquanto estudava. Progrediu muito bem. Depois de formado, foi trabalhar na Companhia Elétrica da BorboremaCELB.
Meu pai é muito sociável, apesar de ter apenas um amigo em particular, muito íntimo, também holandês, por onde passa deixa laços e amizades. É referendado por um batalhão de ex-aluno, apesar dos zeros iniciais. Aposentado da Universidade, ele viaja o ano todo prestando consultoria, pingando aqui e ali, fazendo contatos e projetos. Recentemente, a contragosto de minha mãe, aportou por aqui.
Foi o filho estudioso da família e recebeu apoio para isto. Até de um tio que ofereceu a bodega dele com base para continuar os estudos em Fortaleza. De dia trabalhava. De noite estudava. De madrugada dormia por trás do balcão da bodega. Não me falou sobre festas. Mas, acho que, pelo seu perfil, a bodega sofreu algumas perdas na seção de bebidas.
Aprendi muitas coisas com ele. Uma das primeiras foi como comer corretamente. Aquelas coisas do garfo na esquerda e a faca na direita. Acho que isso ele trouxe como trauma de criança e quis passar adiante. Meu irmão até hoje não acerta. Outras coisas formam mais nobres, como seguir objetivos, ser honesto, respeitar as outras pessoas e confiar na família. Recordo-me de que sempre que precisei, tive o seu apoio. Uma dessas vezes foi quando eu não concordei com o meu primeiro chefe e ele me disse: se você não confia no seu chefe caia fora. Cai fora.
Nasceu numa cidadezinha do interior do Ceará, chamada Hidrolândia. Mais que otimismo, foi realidade. A cidade chamava-se Cajazeiras do Timbó até que encontraram uma fonte de águas sulfurosas, mudando de nome. Apesar das romarias de pessoas em busca dos milagres das águas, a cidade ficou presa no seu passado e nunca evoluiu.Hoje posso considerá-lo como um viciado por trabalho. Mesmo aposentado, trabalha para uma empresa do Pólo de Camaçari, dá consultoria mundo afora, publica livro, orienta tese e se mete em mil projetos de vez. Só fico pensando quando é que ele vai parar para curtir mais a vida. Conhecer novos lugares, comidas, bebidas, músicas etc. Agora, além da mulher, ele tem netas e pode passear por lugares que antes não podia. Bem... Esse é o jeito dele.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Entre Laranjeiras e Estrela

Como uma de minhas atividades laborais é ficar analisando dados estatístico com a intenção de descobrir oportunidades de negócios, estava eu, nessa semana, debruçado em variáveis (população, PIB, IDEB e outras) para descobrir municípios ou estados que precisam de apoio em diversas áreas da gestão pública, quando bati o olho nesses dois municípios: Estrela (Rio Grande do Sul) e Laranjeiras (Sergipe).
Esses dois singelos municípios têm em comum algumas características e uma enorme diferença. Coincidem no tamanho da população, pois são pequenos (Laranjeiras com 26452 habitantes e Estrela com 29234) e na riqueza, pois ambos estão entre os 10% mais ricos municípios do país (PIB per capta – IBGE 2005).
Laranjeiras é um município com rica história, que começa em 1530 com a devastação das nações indígenas pelas tropas de Cristóvão de Barros. Passou por influências holandesas no séc. XVII e pelos jesuítas no séc. XVIII. Por conta da pujante economia agrária e pela produção de açúcar, no séc. XIX passou a ser a sede de comarca e responsável pela alfândega sergipana. Por muito tempo, Laranjeiras foi o centro cultural de Sergipe, abrigando, ainda hoje, dezenas de prédios históricos. A decisão de tornar o povoado de Aracaju na capital do estado, pôs um fim às disputas políticas entre Laranjeiras e São Cristóvão.
Estrela é bem mais recente que Laranjeiras. Teve sua colonização iniciada por imigrantes alemães a partir de 1856. O que caracteriza o município é sua condição de entroncamento rodo-hidro-ferroviário (um porto no Rio Taquari, as rodovias BR 386 e RST 453 e uma conexão com a Ferrovia do Trigo) e o fantástico Festival do Chucrute, considerado o mais tradicional do Rio Grande do Sul.
O que distingue esses municípios, além da geografia e da história, são o presente e o futuro que estão promovendo para as suas crianças.
Estrela é rica e sabe utilizar sua riqueza para a promoção da igualdade, justiça e eqüidade. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era de 0,829 no ano de 2000, enquanto o do Brasil estava em 0,696. Neste mesmo ano, a renda média era de R$ 1.102,95. A mortalidade infantil estava em 16 crianças por mil nascidas em 1998. Na educação, Estrela está entre os 10% melhores municípios, de acordo com o IDEB de 2007 – índice que mede a qualidade na educação. O abandono escolar não passa de 5,6% no ensino médio e 57,5% dos professores das primeiras séries do ensino fundamental têm formação superior.

Você diz
Que me dá casa e comida
Boa vida e dinheiro pra gastar
O que é que há minha gente
O que é que há
Tanta bondade
Que me faz desconfiar


Laranja madura
Na beira da estrada
Tá bichada, Zé
Ou tem marimbondo no pé

Santo que vê muita esmola
Na sua sacola
Desconfia
E não faz milagres, não
Gosto da Maria Rosa
Quem me dá prosa
É Rosa Maria
Vejam só que confusão


Como cantava Ataulfo Alves, em Laranja Madura, apesar de rica, Laranjeiras tá bichada e tem muito marimbondo no seu pé. O seu Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,642. A renda média R$ 381,86. A mortalidade infantil estava em 80 crianças por mil nascidas em 1998. O município também é extremamente ruim na qualidade da educação que oferece a sua população. Laranjeiras está entre dos 10% piores municípios, de acordo com o IDEB de 2007. O abandono escolar chega a 17% no ensino médio e apenas 12,5% dos professores das primeiras séries do ensino fundamental têm formação superior.
O que faz Estrela ser eficaz nos gastos públicos e coerente com o nível de desenvolvimento em que se encontra, assim como o que faz Laranjeiras ser uma negação disto é fonte de inspiração de inúmeras pesquisas. Mas, eu tenho uma pista: muito roubo e descaso das autoridades laranjeirenses e ignorância da sua população. Deveríamos prender os últimos 20 prefeitos vivos de Laranjeiras – incluindo o atual.
Entre Laranjeiras e Estrela estão 3267 km e muitos outros municípios que também não conseguem justificar a sua ineficácia social. Entre eles cito Camaçari na Bahia e Cabedelo na Paraíba. Tem muito mais. Entretanto, a lista completa fica para outra oportunidade.

Olho nos gatunos e que a Estrela nos ilumine nos próximos 4 anos de gestão municipal.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A tentação do blog

Jorge Amaral me enviou um e-mail com a sua super nova forma de se comunicar com o público: o seu blog. Pronto! Agora até Jorge tem blog. Todo mundo está usando ou tentando usar essa nova – ou não tão nova – ferramenta de comunicação. Mas, o que é um blog?

Fiquei pensando sobre isso e cheguei a uma conclusão que blog é um diário escancarado, daqueles que as meninas fazem na época de colégio e deixam abeto em cima da carteira para todos os colegas ver. A diferença é que agora até as meninas lá da China estão de olho.

Blog pode ser uma maneira moderna de colecionar coisas. Lembro muito bem da época de coleções. Colecionávamos tudo quando éramos crianças. Tampa de garrafa, figurinhas, carrinho de ferro, moedas antigas, caixa de fósforos etc. Depois, com o tempo, passamos a colecionar coisas melhores como o telefone das garotas, os rótulos de cerveja, as rolhas de vinho, os ticket de cinema ou balada, cd etc. Na maturidade, colecionamos registros de emprego na carteira de trabalho, horas perdidas no trânsito, provas de alunos para corrigir, contas para pagar e outras tantas coisas mais. Na velhice, não me pergunte, não sei ainda.

Blog também tem uma nobre missão de congregar pessoas e fazer rede de discussão – massa crítica – sobre algo: um fato, uma idéia, uma imagem etc. Ou seja, algo que fazíamos muito bem numa mesa de um bar antes da lei seca. O problema era chegar em casa.

Nesta onda de saber a funcionalidade do Blog, encantei-me com uma em particular: a possibilidade de expor minhas idéias e ser criticado. Sei que tenho outras maneiras de fazer isso, como, por exemplo, escrever um livro ou fazer um discurso na academia. Mas, nenhuma delas tem a capacidade de reunir os outros elementos que citei: diário, depositário de idéias e rede de relacionamento.

Algumas pessoas acham que se expor desse jeito, num mundo doido como está é loucura. Vai ver que tem um psicopata lendo tudo que passa num blog para acompanhar a vítima e saber a hora exata do ataque. Ou um hacker alucinado querendo rastrear seus passos para roubar seu 1.700 reais da aplicação da bolsa que, há três meses atrás, eram 3.500. Uma colega de trabalho de minha mulher me confessou que não vai mais ao cinema. Claro! Pode ser que tenha um louco pronto para roubá-la, estuprá-la, seqüestrá-la e tudo mais que se faz no escurinho do cinema. Maluquice! Deixa disso. Se for assim, não sairei mais de casa. Comprarei e venderei pela internet. Darei aula apenas à distância.

Bem vencido e convencido, aqui estou escrevendo as primeiras linhas do meu blog. O nome? Blog do Catunda. Qual nome seria então? Já tinha Catunda sozinho, então coloquei um prenome. Poderia desviar para um assunto de meu interesse, como: blog da cerveja, blog da comida, da gestão, do marketing, da educação... Mas, e quando eu encher o saco e quiser mudar de assunto? Terei que mudar de blog? Deixa Blog do Catunda mesmo. É genérico, sonoro e a única coisa que diz é que é do Catunda. Aliás, qualquer Catunda. Depois as pessoas saberão que é do Arturo também.

Divirtam-se.
Arturo Catunda

Postagens populares