sábado, 29 de agosto de 2009

Estratégia Circense

Na Bahia, assim como no Brasil, existem muitos provérbios que servem de consolo quando não temos o que necessitamos ou desejamos, mas precisamos utilizar algo (bens ou serviços) em substituição. É assim quando dizemos: quem não tem cão caça com gato. Ou então: se não aguenta vara, peça cacetinho (esse é baiano). Ou ainda: se só tem tu, vai com tu mesmo (esse é paraibano).

Nesse mês de espetáculos circenses, poderíamos inventar outro provérbio: quem não vai ao Cirque du Soleil se contenta com o Europeu.

O Cirque du Soleil, de origem canadense, como muita gente sabe, está em temporada aqui no Brasil com a peça Quidam. Vocês podem curtir um pouco no youtube (
http://www.youtube.com/watch?v=cUM5EWwxar8). Trata-se de um fabuloso espetáculo onde as possibilidades humanas são testadas ao limite. Coragem, destreza, equilíbrio, força, leveza, sincronismo, bom humo, beleza e trabalho em equipe são umas das muitas qualidades transmitidas pelos integrantes do Cirque. A moral da peça é a recuperação ou a resignificação do sentido da vida, perdido no nosso dia-a-dia.

Para além da peça, o Cirque também oferece um espetáculo de organização. Mercadologicamente falando, tudo é pensado para satisfazer e encantar o público presente. O Cirque é caro, mas vale cada centavo. As entradas variam entre pouco mais de 120 reais (estudante na fileira Z) a bem mais de 600 (na fileira A frontal). O estacionamento comum custa 20 reais. A pipoca (com manteiga) sai por 11 ou 13 reais. O refrigerante (gelado) sai por 6 reais a lata. Em compensação a peça é surpreendente, emocionante e irretocável. As duas horas do show passam num piscar de olhos. O ambiente é climatizado, extremamente limpo e muito confortável. O serviço oferecido, incluindo a segurança, é digno de país civilizado. O resultado disso tudo é que você não consegue ir para casa sem levar um DVD do Quidam, por uma pechincha de 49 reais.

Localizado um pouco antes do Cirque du Soleil, na mesma avenida, encontra-se o não tão abastardo e glorioso Circo Europeu, que se apresenta em Salvador no mesmo mês do seu concorrente canadense.

Apesar de europeu no nome, esse circo é bem brasileiro e, como todo circo brasileiro, carece de recursos, estrutura e muita imaginação. A principal atração do Circo Europeu é Chiquino, um palhaço soteropolitano de quinta categoria, que fica usurpando o publico e que ocupa a metade final do espetáculo de pouco mais de uma hora. Como não tem competência e tampouco criatividade, Chiquinho e seu insuportável ajudante ficam recrutando espectadores para que eles dancem, rebolem e se exponham ao ridículo. Tirando Chiquinho, os outros integrantes do Circo Europeu até que se esforçam para transmitir um mínimo de atração. O momento ápice é quando entram cinco motos no Globo da Morte, o que alivia a crítica quanto ao resto do espetáculo e à precária estrutura.

Para entrar no Circo Europeu não se paga muito. O ingresso mais caro é de 30 reais e criança abaixo de 4 anos não paga. A pipoca, o refrigerante e o algodão doce custam o mesmo: 3 reais. O estacionamento fica por 10 reais. Apesar desses preços, o Circo Europeu não vale o que cobra e, de certa forma, custa bem mais caro que o Cirque du Soleil. Ao final da peça, vendedores ainda tentam vender alguns produtos com a marca do Chiquinho, o que obviamente é um trabalho inglório.

O que tem de bom no Circo Europeu é a sua estratégia de comercialização, a qual não deve em nada ao seu colega canadense. Com todos os patrocinadores do mundo, o Cirque du Soleil não conseguiu ser tão inteligente quanto o dono do Circo Europeu, que, merecido, poderia usar o sobrenome Brown. Calma! Vou explicar.

Primeiro. Aparentemente um suicida, o circo brasileiro resolveu se apresentar justamente no mesmo período do circo canadense. Mas, inteligentemente, o Circo Europeu se apropriou de toda campanha publicitária para a formação do desejo de ir ao circo, promovida pelos patrocinadores do Cirque du Soleil.

Segundo. O Circo Europeu encontrou uma excelente localização, até mais visível do que a do Cirque du Soleil, permitindo uma fácil identificação de oportunidade pelos clientes e a quase nula campanha publicitária.

Terceiro. Brilhantemente, sabendo que não tem como competir pela qualidade, o Circo Europeu apostou no provérbio e inventou um próprio: quem não vai ao Cirque du Soleil se contenta com o Europeu. Com isso, garantiu como espectadora toda uma fatia da população que tinha desejo pelo circo, mas não tinha dinheiro suficiente para ir ao Quidam.

Resumo da ópera: mesmo com um produto ruim, desde que se tenha estratégia, há oportunidade para todos.
Imagem Circo Europeu: www.atardemais.com.br/imagens/circo.jpg

domingo, 23 de agosto de 2009

Eficácia escolar 1

Houve um tempo em que a escola era vista como uma caixa preta, daquelas onde não se vê o que acontece dentro. Sabia-se que entravam alunos, que lá se dava o processo de ensino-aprendizagem e que, de lá, saiam os profissionais e cidadãos formados em sua plena capacidade. Era verdade que algumas escolas eram melhores e mais tradicionais que outras; que algumas alcançavam certos resultados e outras não. Mas, isso não chegava a ser uma preocupação, pois a escola era para poucos e que, de forma hermeticamente fechada, não permitia intromissões externas. Dava-se graças a Deus por poder estudar e, com isso, diferenciar-se do resto da população que não tinha acesso a qualquer escola: boa ou ruim.

Só que a escola era um bem muito precioso, que não podia ficar nas mãos de uns poucos abastados. O desenvolvimento das sociedades exigiu que mais pessoas estudassem. Um tal de Theodore Schultz, com sua Teoria do Capital Humano, explicou que a educação era um investimento como qualquer outro. Daí para diante, a atenção para a expansão do ensino se tornou preocupações dos governos e das sociedades. Muito dinheiro foi depositado na ampliação da rede escolar para a inclusão da população. Entretanto, a escola continuava sendo uma caixa preta.

A diferença, agora, era que enquanto investimento, a escola não poderia continuar hermeticamente fechada. Quem investe quer maximizar seus lucros e, para isso, tem que compreender o negócio. Dessa maneira, para desvendar a alocação eficiente de recursos na educação, muitos pesquisadores se lançaram na empreitada de desvendar as características das escolas eficazes. Ou seja, começou-se a querer saber a composição de uma escola que realmente faz com que o aluno aprenda.

As primeiras conclusões, mais fundamentadas, não foram nada animadoras. Coleman em 1966 e, mais tarde, Jenk e Smith em 1972 estremeceram o mundo (escolar) com a notícia de que a escola fazia pouca ou nenhuma diferença no desenvolvimento do aluno, dentro da escola, e, mais tarde, na vida profissional. O que fazia enorme influência, para os autores, eram os fatores socioeconômicos que cercavam os alunos.

Depois dessa visão inicial e pessimista da escola, outros pesquisadores (Rutter, Mortimore, Reynolds, Creemers, Firestone…), principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos lançaram-se na tentativa de neutralizar os efeitos do contexto socioeconômico da origem do aluno em seu desempenho e detectar fatores que estivessem potencialmente ligados às escolas eficazes. Além disso, também tentavam identificar aqueles fatores que poderiam melhorar o desempenho de escolas consideradas ineficazes. Heyneman e Loxley, no início dos anos 80, por exemplo, concluíam que, em oposição aos achados nas nações ricas, nas nações de menor renda os fatores escolares contribuíam mais para explicar a variação do desempenho entre os alunos que as diferenças socioeconômicas.

No final dos anos 80, ficou claro aos pesquisadores que as escolas e os professores fazem diferença no desempenho educacional; que a eficiência das políticas depende largamente da maneira como os recursos são empregados; e que fatores de eficácia escolar dependem do contexto escolar, inexistindo soluções universais.

Neste artigo e em alguns outros, que postarei mais adiante, trarei ao nosso debate esse tema: as características da eficácia escolar. Considero de enorme importância o esclarecimento da caixa preta da escola para que maior gerência e controle se possam ter dos recursos que são destinados à educação e dos resultados que recebemos em troca. Trata-se não apenas de saber o que tem uma escola eficaz, mas também como recuperar uma escola deficiente e como deixar o sistema de ensino mais equânime para alunos oriundos de diferentes contextos socioeconômicos.

Antes de encerrar essa primeira postagem gostaria deixar clara a complexidade do assunto. O próprio termo “escola eficaz” não goza de consenso conceitual. O que é uma escola eficaz para uma sociedade pode não ser para outra. Uma escola pode ser eficaz de diversas maneiras: metodologicamente, socialmente, higienicamente, fisicamente, cognitivamente etc. Hitler, por exemplo, implementou inúmeras escolas eficazes (na concepção dele) para a juventude nazista.Para não abrir um debate filosófico sem fim, considero escola eficaz aquela que, em primeiro lugar, consegue agregar competências a todos os seus alunos, independentemente do nível em que ingressaram nela. Exemplificando e explicitando: na escola eficaz o aluno sai com mais (de preferência muito mais) competências do que quando entrou. Em segundo lugar, as escolas mais eficazes ainda, além de agregar competências aos alunos, conseguem eliminar ou amenizar fatores negativos provenientes da inequidade socioeconômica da origem de seus alunos. Exemplificando e explicitando: na escola mais eficaz ainda, além de agregarem competência, a diferença de competências dos alunos tende a diminuir ou zerar, independentemente da origem socioeconômica. Por último, as escolas super-eficazes são aquelas que agregam competência ao aluno, reduzem ou eliminam diferenças e fazem isso com menos recursos.

sábado, 15 de agosto de 2009

Conselhos ao Secretário

Nesta semana, mais precisamente na última terça-feira (11/08/09) assumiu a pasta de Secretário da Educação do Estado da Bahia (SEC) o professor Osvaldo Barreto, da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Barreto substitui Adeum Sauer, defenestrado pelo Governador Wagner, após a gota d’água provocada pela tira do Chico Bento publicada pela SEC aos professores (ver figura).

A educação é reconhecidamente uma das principais, senão a principal, forma de superação de nossas mazelas e alcance de uma qualidade de vida melhor para todos os brasileiros. A importância da educação é tão grande que nela está envolvida, direta ou indiretamente, toda a população. É na educação que depositamos nossas esperanças da construção de uma sociedade mais feliz, solidária, saudável, segura e próspera. Por reconhecer essas e outras importâncias da educação, bem com prezar o professor Barreto, assumo o papel de Maomé atrevendo-me a escrever dez conselhos para a sua jornada.

1º) Faça a base para a próxima gestão. Pragmaticamente falando, o novo secretário não terá tempo para fazer grandes mudanças. Aproveite o tempo para conhecer bem a realidade “lamentável” de nossa educação e planejar as transformações para um possível segundo mandato do Governo Wagner. Não há ilusão na educação: qualquer mudança agora só surtirá efeito muito tempo depois. Acalme as bases, faça o diagnóstico e planeje a próxima gestão.

2º) Conheça quem está fazendo algo de bom na educação. Aproveite para viajar para alguns países como a Dinamarca e a Coréia do Sul. Vá também a alguns estados brasileiros como São Paulo e Acre. Recolha desses lugares suas experiências e o que pode ser aproveitado e intercambiado.

3º) Conheça as experiências do passado. Algumas dessas experiências são um verdadeiro fracasso (eleição para diretores, por exemplo). Entretanto muitas são muito boas e merecem um olhar atencioso. Nisto, não cabe ficar apegado às legendas partidárias. Se for necessário, agregue as idéias e os métodos e jogue fora os slogans dos partidos que os promoveram. Seja inteligente ao ponto de não querer reinventar a roda.

4º) Cerque-se de pessoas competentes. Não cometa o mesmo erro de seu antecessor. Recrute superintendentes no mercado, republicanamente. Não coloque ao seu lado, para te aconselhar, sindicalistas. O Brasil tem excelentes empresas e pensadores educacionais. Recrute sua equipe profissionalmente e não politicamente. Quem deve ser político é o secretário, o resto tem de ser profissional.

5º) Dialogue com a política o mínimo necessário. Política e educação não se combinam. Evite apadrinhamento e aparelhamento do Estado. Blinde as escolas e sua equipe da influência nefasta da política e dos políticos. Lembre-se de que escola é para ter aula e não movimento.

6º) Promova a autonomia administrativa, pedagógica e financeira das escolas. A educação acontece na escola e não no prédio da Secretaria da Educação. Nesse sentido, fortaleça a liderança do diretor escolar, repasse mais recursos para as escolas gerenciar, estabeleça contratos de gestão e defina, de maneira clara, os objetivos e metas educacionais que todos devem perseguir.

7º) Aplique todos os seus conhecimentos de administração e economia para diminuir e qualificar a Secretaria da Educação. A SEC deveria ter menos que 1/3 do tamanho que tem hoje. Faça um reordenamento da rede, pois existem muitos funcionários sem função (na SEC) e escolas sem funcionários. Também existem muitas escolas sem professores e professores sem escolas.

8º) Como bom economista, priorize os recursos “escassos” de maneira correta. Ou seja: dê prioridade à educação básica regular. Esse negócio de alfabetização de idosos e profissionalização de quem já não está na idade escolar pode ser politicamente correto, mas não tem tanto efeito para a sociedade quanto um bom ensino básico regular. Agora, nós não temos nenhum nem outro. Garanta a educação básica regular de qualidade e, depois, vá atrás do resto. Não inverta a ordem.

9º) Evite construir escolas. A demanda está, ano após ano, caindo. Escola nova é boa politicamente falando, mas não é isso que precisamos. Precisamos das escolas que já existem: reformadas, bem equipadas e com os profissionais necessários.

10º) Tenha foco permanente no aluno. Tudo que existe na SEC, DIREC e escolas é por causa dos alunos. Desenvolva em sua equipe um senso de missão em função das necessidades e desenvolvimento dos alunos. Não se perca em discussões que não contribuam com o aprendizado do aluno.

Com disse um amigo meu: deveriam erguer uma estátua em homenagem a Chico Bento na entrada do CAB.

Competência o novo secretário!

sábado, 8 de agosto de 2009

O que é política?

Por muito tempo me perguntei o que é política. Encontrei muitas respostas, mas nenhuma tão esclarecedora quanto às proporcionadas pelos vídeos abaixo.

Collor x Sarney em 1989

http://www.youtube.com/watch?v=TrVjczcaYfs

Lula x Collor em 1989

http://www.youtube.com/watch?v=JRQ-O1IvBmg

Lula x Sarney em 2006

http://www.youtube.com/watch?v=AQOAZi__7hk

http://www.youtube.com/watch?v=7KaajlSCQpU

Lula x Collor em 2006

http://www.youtube.com/watch?v=pDdrPPlhj98

Lula, Collor e Renan em 2009

http://www.youtube.com/watch?v=ZCjx-cooRKg

Simon x Collor e Renan em 2009

http://www.youtube.com/watch?v=m7AeBxG_eT0

Renan x Tasso em 2009

http://www.youtube.com/watch?v=MmescFJR2VQ

Lula x Sarney em 2009

http://www.youtube.com/watch?v=dFwRkdtlT1o


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Problematizando a avaliação 4 - Como avaliar

Como avaliar

Entretanto, para se ter avaliações de aprendizado que possam ser comparativas se entra na discussão do “como avaliar”. Worthen, Sanders e Fitzpatrick afirmam que os vários modelos avaliação desenvolvidos nas últimas três décadas seguem concepções e definições diferentes e, muitas vezes, conflitantes. Os autores identificam três grupos de diferenças entre os modelos de avaliação: orientações filosóficas, predileções metodológicas e preferências práticas.

Os embates filosóficos e ideológicos, para os autores e em acordo com House, são travados em dois eixos. No primeiro eixo estão os modelos de avaliação que vão do objetivismo ao subjetivismo. O objetivismo requer que as informações sejam “cientificamente objetivas”, por meio da utilização de técnicas de coleta e análise de dados que dêem resultados reproduzíveis e verificáveis por outras pessoas. O subjetivismo baseia suas pretensões à legitimidade, onde o saber é concebido como algo tácito em sua maior parte, em vez de explícito. A validade de uma avaliação subjetiva depende da relevância da formação e das qualificações do avaliador, bem como da clareza de suas percepções, que ao método científico.

Noutro eixo, o embate se estabelece entre as abordagens utilitaristas e as institucionalistas-pluralistas. Para as abordagens utilitaristas, o valor estimando se refere ao impacto global de um programa sobre aqueles a quem afeta, onde o maior bem é aquele que vai beneficiar o maior número de pessoas. Nas abordagens institucionalistas-pluralistas, não há um indicador comum de “bem”. O valor se baseia na idéia de valor do cidadão individualmente. Nesse sentido, há uma pluralidade de critérios e juízos.

Para os autores, em relação às preferências metodológicas, essas além de serem extremamente influenciadas pelas correntes filosóficas descritas anteriormente, agrupando-se em dois paradigmas. O primeiro é o da avaliação quantitativa, associado ao paradigma positivista, que afirma que o conhecimento se baseia nos fenômenos naturais e em suas propriedade e relações tal como verificadas pelas ciências empíricas. O segundo é o da avaliação qualitativa, associado ao paradigma construtivista, que afirma que o saber é construído pelo homem e que as realidades não existem objetivamente, pois não existe realidade alguma exceto aquela criada pelas pessoas.

As correntes positivistas e neopositivistas definem como científicas somente as pesquisas baseadas na observação de dados da experiência e que utilizam instrumentos de mensuração sofisticados. Por isso, afirmam que os métodos qualitativos não originam resultados confiáveis. Por outra parte, os teóricos qualitativistas sustentam que os quantitativistas, na medida em que não se colocam no lugar do sujeito, não realizam investigações válidas.


Serapioni faz uma distinção entre os métodos quantitativos e qualitativos:


Métodos qualitativos (fenomenologia e compreensão):


o analisam o comportamento humano, do ponto de vista do ator, utilizando a observação naturalista e não controlada;


o são subjetivos e estão perto dos dados (perspectiva de dentro, insider), orientados ao descobrimento;


o são exploratórios, descritivos e indutivos;


o são orientados ao processo e assumem uma realidade dinâmica;


o são holísticos e não generalizáveis.


Métodos quantitativos (positivismo lógico):


o são orientados à busca da magnitude e das causas dos fenômenos sociais, sem interesse pela dimensão subjetiva e utilizam procedimentos controlados;


o são objetivos e distantes dos dados (perspectiva externa, outsider), orientados à verificação e são hipotético-dedutivos;


o assumem uma realidade estática;


o são orientados aos resultados, são replicáveis e generalizáveis.


Schofield e Anderson complementam a diferença entre os dois paradigmas. A pesquisa qualitativa em geral: 1) é realizada em ambientes naturais; 2) utiliza o pesquisador como o principal instrumento; 3) tende a se concentrar mais nos processos sociais do que principal ou exclusivamente nos resultados; 4) emprega múltiplos métodos de coleta de dados; 5) usa uma abordagem indutiva em relação á análise dos dados. Por outro lado, a pesquisa quantitativa em geral: 1) concentra-se em testar determinadas hipóteses que são partes menores de uma perspectiva teórica mais abrangente; 2) segue rigorosamente o modelo tradicional das ciências naturais, que enfatiza a abordagem experimental e os métodos estatísticos de análise; 3) enfatiza a padronização, a precisão, a objetividade e a confiabilidade da mensuração, bem como a possibilidade de reproduzir e generalizar suas conclusões.


A maioria dos avaliadores contemporâneos vê claramente os métodos quantitativos e qualitativos como abordagens compatíveis e complementares da avaliação de programas. Corroborando esse pensamento, Serapioni afirma que não há contradição entre os paradigmas, ambos estão relacionados às mesmas questões e ambos são apropriados ou inapropriados a depender dos objetivos e característica da investigação.


Em relação às considerações práticas, em primeiro lugar, os avaliadores discordam entre si quanto ao fato do objetivo da avaliação ser ou não um juízo de valor. Em segundo lugar, têm diferentes visões sobre as funções políticas da avaliação. Em terceiro lugar, são influenciados pelas suas experiências anteriores. Em quarto, diferem entre si quanto a quem deve conduzir a avaliação e sobre a natureza dos conhecimentos especializados que deve ter um avaliador sobre o objeto avaliado. Finalmente, os avaliadores diferem se é desejável ou não ter uma grande variedade de abordagens da avaliação.

Problematizando a avaliação

Na ponta desse recorte de discussão teórica acerca da avaliação estão o aluno, o professor e o sistema de ensino. O que é avaliação? Por que avaliar? O que avaliar? Como avaliar? Ao longo dos textos ficou claro que cada tentativa de resposta a uma dessas quatro perguntas leva a dimensões e possibilidades extremamente variadas entre si. Um professor que acredita que a avaliação é uma ação de julgamento de valor e que serve para verificar se o aluno merece ou não ser promovido de ano terá atitudes, instrumentos e método de avaliação completamente diferentes daquele que compreende a avaliação um ato de negociação, subjetivo e de utilidade diagnóstica.


A priori, nessa situação, nos confrontamos com três tipos de problemas difíceis de serem solucionados em conjunto. O objetivo dessa série de artigos, antes de apresentar qualquer solução imediata, é, a partir de um referencial teórico, posicionar as luzes de debates e investigações numa gama de conflitos que estão aparentemente adormecidos.


O primeiro é em relação ao sistema que necessita para o seu funcionamento o mínimo de organização, coerência e compatibilidade. Para solucionar o problema do sistema um caminho seria imprimir regras e procedimentos gerais, onde as partes estariam, dessa forma, “obrigadas” a operarem em acordo umas com as outras? A avaliação individual ou customizada cederia espaço para uma avaliação padronizada? O objeto a ser avaliado e os procedimentos de avaliação seriam os mesmos para todas as escolas? A avaliação levaria em conta questões de contexto, informações de entrada e de saída? O professor assumiria papel de coadjuvante no processo avaliativo, beneficiando-se dos dados diagnósticos uniformizados?


O segundo problema se refere ao professor e suas necessidades, deficiências e autonomia. O professor é ao mesmo tempo instrumento do sistema e um sistema em si. O professor deve seguir regras universais e objetivos comuns e ter os seus próprios, oriundos de suas experiências e das características do seu ambiente de sala de aula. O professor está, dessa forma, no centro do conflito. Para ser justo ele deve ser objetivo em sua avaliação, garantido uma uniformidade de critérios entre os alunos? Ou, ao contrário, ele deve ser subjetivo, explorando as peculiaridades de cada indivíduo que passa por seus cuidados? Qual a coerência e compatibilidade que o professor deve procurar ter entre a sua avaliação da avaliação do professor que veio antes, que virá depois ou da escola vizinha? O professor está apto a avaliar seus alunos em qualquer modelo de avaliação? O que as escolas estão ensinando sobre avaliação aos professores?


O terceiro problema reside no conflito entre os interesses dos alunos, enquanto indivíduos, e da sociedade. Nesse sentido, o interesse do aluno deve ser levado em conta ou o que conta é o interesse da sociedade? Qual a participação do aluno em sua própria avaliação? Em qual medida é permitida ao aluno a avaliação de quem o avalia? Como as características individuais de cada aluno podem ser levadas em conta num processo avaliativo de larga escala? Quem merece melhor julgamento: aquele que alcançou melhor nota ou aquele que agregou maior aprendizado?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O suíno da gripe

Nunca foram apresentados, mas se viam, quase todos os dias da semana, dentro do elevador. Ela era casada e trabalhava no 13º andar. Ele, também casado, trabalhava no 7º andar. No primeiro momento em que se olharam – isso cinco anos atrás – logo perceberam que haviam nascido um para o outro. Todavia, tinham um pequeno problema: já estavam comprometidos. Ele já carregava no currículo dois filhos. Ela estava grávida do primeiro. Dois anos depois, do segundo.
Bem no começo, encontravam-se pouco no elevador. Mas, com o tempo, foram aprendendo os horários e os encontros passavam a ser mais freqüentes. Nunca trocaram uma palavra sequer. Mas, sabiam exatamente o horário que subiam e desciam. Na entrada, logo às 8h. No horário do almoço, às 12:15 h. E, finalmente, na saída, às 18 h. Quando um não aparecia, logo o outro ficava preocupado. Não era raro ficar esperando no saguão ou, mais grave, ficar subindo e descendo até que a aflição desaparecesse.
Quanto menos se falavam, mais se apaixonavam. Era uma relação platonicamente muda. Tentaram várias vezes pronunciar uma palavra qualquer ao outro, mas algo sempre os impediam. Parecia que carregavam aos seus lados a mulher e o marido. Tinham, com certeza, grande apreço pelos valores morais e, também, medo que algum dedo duro apontasse aos seus companheiros a relação que aflorava entre um homem e uma mulher. Acostumaram-se a essa situação e, cada vez mais, colocavam uma pedra no muro invisível que os separavam dentro do ínfimo espaço do elevador.
Apesar de acostumados, não estavam satisfeitos. Já se passara cinco anos de troca de olhares, de cumplicidade curta dentro do elevador. Sabiam que isso poderia acabar a qualquer hora. E se ele fosse demitido? E se ela fosse transferida? Ela mesma já havia recusado uma oferta de trabalho fora daquele prédio. A relação dos dois, apesar de estável (o elevador nunca quebrou ou atrasou nesse tempo todo) poderia ruir a qualquer mudança funcional.
Disposto a romper o silêncio, mesmo que em pânico, os dois marcaram o primeiro encontro, que ocorreu no café localizado no andar térreo do prédio. Ele chegou primeiro e pediu um café expresso duplo, bem forte, para dar coragem. Ela chegou depois. Pronunciaram duas únicas palavras:
- Júlia?
- Raul?
Beijaram-se intensamente. O beijo, apesar rápido, durou uma eternidade para os dois. Logo, perceberam a transgressão que haviam cometido. Ela, pálida, saiu correndo e ele, trêmulo, pagou a conta. Não se viram na saída. Nem no dia seguinte. Nem depois.
Ela ficou doente, com gripe. Ele, resfriado, não foi trabalhar. Diagnosticaram gripe suína. Em casa, ninguém sabia como tinham contraído a gripe. Suspeitaram de um argentino que vendia alfajo na porta do prédio. Mas, não provaram nada. Deram entrada no mesmo hospital, mas não se viram. Faleceram na mesma hora. Foram enterrados no mesmo cemitério. Uma numa cova, o outro, bem perto.
Como era caso de gripe suína, pouca gente compareceu além do marido dela e da esposa dele. Ela, a viúva que chorava compulsivamente, deixou cair o lenço ensopado de lágrimas. Afinal, ele era um marido exemplar. Ele, o viúvo que viu a cena, apanhou o lenço e a deu outro, limpo, para que continuasse a chorar. Ele contou sua história. Ela, imagine, ficou surpresa com a semelhança da história dela.
Viúvo e viúva saíram para almoçar. Apaixonaram-se. Casaram-se novamente. Hoje, vivem felizes em Amaralina.
Pode acreditar.

Postagens populares