sábado, 15 de maio de 2010

EAD - Trevas ou Oportundiade?

Algumas coisas nos surpreendem pela força com que elas conseguem quebrar nossas convicções há tempos arraigadas. Foi assim quando escolhi mudar o objeto de estudo do meu doutorado. Por motivos profissionais, acabei transformando o meu doutorado numa oportunidade de estudar mais profundamente os assuntos relacionados ao meu trabalho: educação superior a distância.

Confesso que eu era extremamente cético em relação à educação a distância (EAD). Não acreditava mesmo! Como é que pode um aluno ser formado sem assistir aulas, sem freqüentar fisicamente uma faculdade? Se é comum, entre os professores, a reclamação da queda na qualidade dos alunos presenciais, imaginem em relação aos alunos EAD?

Como achamos feio tudo que não é espelho, quebrar um preconceito só mediante muita aproximação. Foi isso que aconteceu comigo. Trabalhando com EAD e estudando essa modalidade de ensino ao longo do meu doutorado, pude entender melhor suas ferramentas, seus métodos e o processo de ensino-aprendizagem que o suportam. Não é que encontrei a luz, mas hoje não vejo na EAD as trevas que me assustavam outrora.

Nesta semana, meu projeto de doutorado – denominado “Fatores de qualidade da Educação superior a Distância” – foi qualificado. Na banca de qualificação estavam três doutores: um economista (meu orientador), outro da educação pura e um terceiro da área da computação (convidado externo). Todos fizeram suas críticas construtivas para o enriquecimento da pesquisa, mas o que me chamou mais atenção foi o ceticismo do doutor em educação. Vi no ceticismo dele o meu antigo ceticismo sobre o assunto. Logo no início de sua fala, ele confessou o seu preconceito em relação à respectiva modalidade de educação. No final, ele declarou que o texto que lera o ajudara a ver o assunto a partir de outros ângulos, enxergando oportunidades e um largo campo de estudos e desenvolvimento.

A partir da discussão travada na banca de qualificação, fiquei motivado em expor aqui no BLOG partes da tese, para que, lentamente, outros céticos também enxerguem mais que trevas nessa rica modalidade de educação. Neste sentido, o primeiro texto trata do que é a educação a distância e o que a distingue da educação presencial.

O que é EAD?

Processos de ensino e aprendizagem ensejam, pelo lado do ensino, a comunicação de conhecimentos, informações e estímulos para o desenvolvimento de competências e, pelo lado da aprendizagem, a necessidade de apropriação por parte dos sujeitos desses conhecimentos, informações e estímulos para formação de suas competências.

Uma boa definição para educação a distância (EAD) é dada pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Para a ABED, “EAD é a modalidade de educação em que as atividades de ensino-aprendizagem são desenvolvidas majoritariamente ou exclusivamente sem que alunos e professores estejam presentes no mesmo lugar à mesma hora” (ABED, 2010).

Moran (1994) nos adverte que hoje temos três modalidades de educação: presencial, semi-presencial e a distância. Para o autor, a educação presencial é aquela do ensino convencional e secular, onde os alunos e os professores se encontram regularmente/diariamente, sempre num local físico chamado sala de aula. A educação semi-presencial acontece em parte na sala de aula e noutra parte a distância, através de tecnologias, preponderando a primeira parte. Na educação a distância, fundamentalmente os professores e alunos estão separados fisicamente no espaço e ou no tempo, podendo ter ou não momentos presenciais, interagindo através de tecnologias de comunicação.

No que compete ao perfil do aluno, em 1996 se acreditava que a educação a distância era ideal para jovens e adultos que não tiveram acesso ou não puderam completar estudos no ensino regular, em todos os níveis; crianças e adolescentes submetidos a procedimentos obsoletos de ensino-aprendizagem nas periferias das cidades e no meio rural; e indivíduos carentes de uma requalificação profissional (SOUZA, 1996). Atualmente, consultado os dados do CensoEad.BR (ABED, 2010) ou simplesmente acessando páginas na internet de algumas das mais conceituadas instituições de ensino (e.g. Fundação Getúlio Vargas, Harvard Business School e Universidade de São Paulo) se pode ampliar o público da educação a distância, incluindo: profissionais que buscam ou que são incentivados pelas organizações em que trabalham a buscar uma especialização na sua área de atuação; pessoas que querem adquirir competência não necessariamente relacionadas ao labor; profissionais que almejam ampliar suas qualificações; e aqueles que objetivam possuir maior competitividade no mercado de trabalho.

Na perspectiva da relação aluno-professor, O MEC (2003) lembra que apesar do aluno a distância não contar com a ajuda em tempo integral da aula de um professor, como ocorre no ensino presencial, ele conta com a mediação de professores (orientadores ou tutores), atuando ora a distância, ora em presença física, em encontros previamente organizados. Esses professores, orientadores e tutores, são responsáveis pela organização e entrega dos conteúdos do currículo e acompanhamento, assíncrono ou síncrono, da realização das atividades e do desenvolvimento cognitivo do aluno.

No que se refere ao quesito instrumental-tecnológico, o MEC (2003) relaciona a educação ao uso de sistemas de gestão e operacionalização específicos, assim como ao uso de materiais didáticos intencionalmente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados através dos diversos meios de comunicação. Esses meios de comunicação podem ser desde uma simples correspondência impressa, até recursos mais sofisticados como transmissão televisiva ou por rádio, videotapes, videoconferências, softwares educativos, internet etc. (U.S., 2009).
Especificamente em relação à internet, enquanto mídia tecnológico de entrega da educação, ela está presente em 72% dos cursos pesquisados pelo CensoEad.BR (ABED, 2010), ficando ligeiramente atrás do material impresso, uma vez que esse também faz parte dos cursos oferecidos pela internet.

Do ponto de vista legal, para a legislação brasileira a educação a distância “é a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BRASIL, 2005). Desta maneira, reforçam-se as características apresentadas anteriormente.

A EAD possui no Brasil uma legislação específica estabelecida a partir do Decreto n.º 5.622. Esse Decreto, dentre outros definições, no seu Art. 3º, estabelece que:
§ 1º Os cursos e programas a distância deverão ser projetados com a mesma duração definida para os respectivos cursos na modalidade presencial.
§ 2º Os cursos e programas a distância poderão aceitar transferência e aproveitar estudos realizados pelos estudantes em cursos e programas presenciais, da mesma forma que as certificações totais ou parciais obtidas nos cursos e programas a distância poderão ser aceitas em outros cursos e programas a distância e em cursos e programas presenciais, conforme a legislação em vigor. (BRASIL, 2005).

Os diplomas e certificados de cursos e programas a distância, de acordo com o Art. 5º do mesmo Decreto n.º 5.622, expedidos por instituições credenciadas e registrados na forma da lei, terão validade nacional. Desta forma, para a legislação brasileira, excetuando a forma como o processo de ensino-aprendizagem é realizado, o diploma do aluno egresso de um curso realizado na modalidade educação a distância tem a mesma validade que de um curso realizado presencialmente.

Na percepção da população acerca da qualidade do ensino talvez resida uma das principais diferenças entre a EAD e a educação presencial, supostamente de melhor qualidade. Apesar de não haver uma pesquisa que comprove essa percepção, é comum encontrar depoimentos céticos em relação à qualidade e seriedade dos cursos EAD. Carlini e Ramos (2009) atribuem a má fama da EAD a um senso comum formado em função de experiência equivocadas e que geraram a expressão popular “fez por correspondência” para classificar uma aprendizagem de baixa qualidade, mesmo sendo realizada presencialmente. Maia e Mattar (2007) acreditam que a falta reflexões e de pesquisas em torno do tema EAD, assim como de experiências malsucedidas, seriam, provavelmente, as causas da difamação da imagem da EAD e de sua associação a uma educação de “segunda classe”. Para esses autores, o senso comum e o preconceito formado acerca da EAD em nada têm relação com a sua realidade atual.

Em novembro e 2009, a revista Nova Escola publicou uma reportagem especial sobre a educação a distância. O título da reportagem foi “Vale a pena entrar nessa?” e teve como objetivo de eliminar o preconceito por trás do diploma da EAD, revelando alguns “mitos” e “verdades” (MARTIS; MOÇO, 2009). A seguir, encontram-se as principais conclusões da revista:

É verdade que:
o Os cursos não são adequados aos mais jovens. Necessita-se maturidade e disciplina no estudo.
o Pessoas dispersas (pouco comprometida ou autônoma) apresentam mais dificuldade em acompanhar o curso e obter bom desempenho.
o É preciso ter um bom computador e uma boa conexão de internet.
o As instituições investem mais em tecnologia do que em conteúdo.
o Os professores tutores (que têm contato direto com os alunos) são menos qualificados que os professores presenciais.
o A turma é maior na EAD que na educação presencial.
o É mais difícil conseguir emprego.

É mito que:
o EAD é ideal para quem tem pouco dinheiro. O valor da mensalidade não é o único a ser investido.
o O diploma é fácil. A maior causa de evasão é a falta de tempo para se dedicar aos estudos.
o As avaliações não são difíceis. O nível de exigência das provas é o mesmo das aplicadas nos cursos presenciais.
o A evasão é maior. De acordo com os dados do INEP, a proporção de evadidos da graduação e pós-graduação é 17% na EAD contra 21% na presencial.
o É possível estudar quando quiser. Para acompanhar as discussões é preciso traçar uma rotina diária de estudo.
o O aluno fica isolado e não interage com os colegas. Em quase 95% dos cursos credenciados é possível debater conteúdos e trocar idéias com os colegas.
o A dedicação exigida é menor. Alunos a distância lêem, em média, 3 mil páginas por ano de conteúdo básico estruturado.
o Não é preciso sair de casa. A presença não é obrigatória, mas existem diversas atividades que não são realizadas na frente do computador: avaliações, trabalho em grupo, aulas de laboratório, pesquisas, conferências via satélite etc.
o Os alunos aprendem menos do que no curso presencial. Os resultados do Enade de 2006 não indicam isso. O curso de Pedagogia, por exemplo, obteve melhor resultado na EAD que na modalidade presencial.

A partir do que foi visto, pode-se resumir as seguintes características da educação a distância:
• Separação física da relação professor-aluno e aluno-aluno.
• Tempo e espaço adequados às necessidades e possibilidades de cada sujeito.
• Utilização de mídias diversas como ferramenta instrucional.
• Crescente e preponderante utilização da internet como ambiente de aprendizagem.
• Igualdade à educação presencial no tratamento legal.

O ponto de discussão acerca da qualidade da educação a distância em relação à educação presencial talvez seja um dos mais intrigantes e polêmicos. Em si, o conceito de qualidade é relativo e o julgamento do que seria uma educação de qualidade uma atividade extremamente complicada. Futuramente abordarei o tema da qualidade na educação superior e, especificamente, na educação a distância, pretendendo ajudar na compreensão do seu conceito.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Qual a motivação?


Uma das coisas que aprendi nos últimos tempos é que blogar é inversamente proporcional a estudar, que no meu caso é produzir uma tese. Nos últimos meses, estou me dedicando mais ao doutorado e, com isso, toda linha que escrevo tem de ser extremamente chata. Ou seja: deixei de lado meu blog para cumprir a etapa de qualificação da tese. Entretanto, quanto mais eu escrevo para a tese, mais faço referência nela e mais tenho certeza que ninguém vai lê-la. No blog é o contrário, pelo menos tenho dois ou três fiéis leitores que já estão reclamando da falta de novidades.

Bem... deixando um pouco de lado a tese, não consegui resistir à uma inquietação que me acometeu essa semana e resolvi filosofar um pouco aqui. Eu estava indo costumeiramente ao trabalho, cedo da manhã, quando o semáforo fechou quase que deliberadamente. Assustando, parei o carro com os sonolentos reflexos da manhã, pois meus pensamentos ainda estavam no travesseiro. Fiquei olhando para ver se alguém tivera notado a minha desatenção e parada meio que abrupta, quando notei algo de errado. Tratava-se de algo relativamente comum, corriqueiro, mas que não estava combinando. Algo que não poderia estar andando junto.

Passavam, pela frente do meu carro, um homem e dois cachorros. Até aí tudo bem! Homens passeiam com cachorro desde que homem é homem e cachorro é cachorro. Mas aquele homem que passou pela frente do meu carro não poderia passear com aqueles cachorros. Descreverei os cachorros, depois os homens e, em seguida, a teoria.

Os cachorros eram lindos. Lindos demais! Acredito que eram poodles, mas não sou especialista em raças para confirmar isso. Só sei que os dois tinham lacinhos nas orelhas, correntes coloridas com os nomes gravados em plaquinhas, pêlos impecavelmente bem cortados e extremamente brancos, assim como guias estampadas e bem alegres.

O homem era tenebroso. Não porque era feio. Bonito também não era. Mas, estava com uma cara de ressaca terrível. Ele lembrava bem o biótipo dos homens da minha família: barriga grande, braço fino e cara inchada. Aparentava uns 56 anos bem bebidos. Carregava, na mão esquerda, as guias dos cachorros, no sovaco direito, o jornal do dia, na mão direita, um cigarro aceso e, no pé, um chinelo meia vida.

Aquilo estava errado. Imediatamente me lembrei do filme Matrix, onde os seres humanos são controlados por um programa que, de vez em quando, alguma coisa dá errada e a vida sai do comum. No filme Matrix, um gato passou duas vezes pelo mesmo lugar, da mesma forma, como acontece numa cena cortada e mal emendada. Na minha cena matutina, a combinação homem-cachorros estava também errada. Terá sido um erro de programa?
Quando o sinal abriu, fiquei com a cena na minha cabeça até chegar ao trabalho. Aquilo me inquietava. O que motivava aquele cinqüentão ressacado passear com dois cachorrinhos logo cedo da manhã? A explicação estaria em sua motivação.

Motivação é algo que todos querem saber, justamente porque é extremamente difícil de explicar. O que motiva o comportamento humano? O que fez aquele homem sair, àquela hora, com dois cachorrinhos. Algumas hipóteses surgiram.

Considerando que a motivação é um impulso que nos leva a tentar alcançar determinados objetivos, que ela está intimamente relacionada com a necessidade e que necessidade é a falta ou carência de algum elemento básico para a sobrevivência e vida das pessoas, imaginei que o homem passeava com os cachorrinhos porque tivera que comprar o jornal matutino.

Jornal, não! Nenhum jornal é capaz de gerar necessidade suficiente para motivar um homem a sair pela rua com cachorrinhos para adquiri-lo. Foi o cigarro! Cigarro, sim, é capaz disso.

Mas, o cigarro não explica tudo. Pois, o homem poderia simplesmente deixar os cachorrinhos presos em casa ou no apartamento, sem precisar passar por esse mico. Então, qual seria o verdadeiro fator motivacional daquele homem?
Mulher! Isso! Mulher é a resposta. Mas, como?

Uma explicação plausível seria a de que aqueles cachorros não seriam dele e sim da mulher ou namorada dele. Mas, essa explicação não se sustenta por muito tempo, pois o comportamento humano, que é influenciado pela motivação e pela necessidade, não se adequaria a essa hipótese. Homem nenhum teria esse tipo de comportamento: passear com o cachorrinho da mulher ou namorada. Já que isso não é possível, surge uma segunda explicação, mais plausível e mais forte: o homem não teria mulher, tampouco namorada, e sim uma paquera.

Paquera sim seria uma fonte de motivação suficientemente forte para influenciar o comportamento daquele homem. Na verdade, ele deveria estar paquerando alguma garota, mais nova que ele, que adora cachorros. Para impressioná-la decisivamente, ele decidiu comprar e suportar dois poodles. Não serviriam pitbulls. Apenas poodles teriam o poder de retirar qualquer dúvida da possível pretendente em relação ao estima homem-animal. Fascinada com o trato devotado aos animais, a pretendente daquele homem sucumbiria aos seus encantos e talentos.

Entretanto, também temos que considerar uma derradeira possibilidade: a da compensação. O ser humano adota determinado comportamento por causa de uma necessidade. Seu comportamento é modificado para suprir essa necessidade. Entretanto, quando a necessidade não é satisfeita, ocorre a frustração. Neste sentido, temos uma derradeira alternativa para nossa cena inimaginável: os cachorrinhos seriam, na verdade, formas alternativas de compensar uma frustração.

Bingo!

Uma vez que ele não conseguiu conquistar a pretendente, como compensação, sobraram os cachorros. Isso explicaria a dedicação matutina de passear com aquelas fofuras.

Mas, pensando melhor, fica mais fácil imaginar que, simplesmente, homens de ressaca, vestindo chinelo meia boca e carregando jornal no sovaco e cigarro na mão também podem adorar poodles.

Quer saber de uma coisa: abaixo o preconceito e viva a diversidade!

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