domingo, 4 de dezembro de 2011

Conversa de uma família sertaneja

Foi numa Topic, entre Delmiro Gouveia e Santana do Ipanema, onde escutei a estória que narro a seguir.

No alto Sertão alagoano, uma viagem de Topic entre duas cidadezinhas muitas vezes revela situações inusitadas. Eu estava sentado na segunda fileira de poltronas e uma família (pai, mãe e filho) estava na fileira logo atrás. No Sertão ainda tem dessas coisas: o homem quando quer casar tem de construir uma casinha de taipa num dos recantos das terras da família. Foi justamente isso o que ocorreu com o jovem rapaz.

Depois de muito esforço, o rapaz havia completado de rebocar sua casa e tentava convencer o pai de que iria casar com Mariazinha. O pai, irredutível, não aceitava o relacionamento, enquanto a mãe só escutava, como toda boa mulher sertaneja.

- Pai, eu já fiz tudo. Tenho a casa e um emprego na loja de moto.
- Não dá filho. No começo eu aprovei seu relacionamento, mas agora está ficando sério demais. Casamento não aceito.
- Mas eu amo Mariazinha!
- Você já sabe. Quando era namoro eu até que aprovava. Mas, você é muito novo e não vai conseguir sustentar uma família.
- Isso o Sr. não pode reclamar. Eu já pago as minhas contas e a casa está pronta!
- Mas, tem os móveis que tem que comprar.
- Eu financio!
- E se você perder o emprego? Essa Mariazinha está no colégio e não trabalha.
- Ela é de uma boa família, Pai!
- Mas, logo embucha!

Depois de muita argumentação de todos os lados, o rapaz começou a querer dar uma de homem e desafiar o desejo do pai, quando aconteceu o inevitável...

- Pai, eu estou decidido. Com sua benção ou não, vou casar com Mariazinha.
- Não vai não! Falou alto o pai.
- Vou sim e o senhor vai ver.
- Não vai, por que Mariazinha é sua irmã!
- Como é que é?

Olhando seriamente para a mulher e para o filho, o pai diz: Mariazinha é minha filha! Eu não ia contar isso nunca. Mas, você foi se envolvendo com ela e não tem outra solução a não ser confessar: eu traí sua mãe uma vez só e Mariazinha é sua irmã.

Fez-se um minuto de silêncio mordido na Topic. O silêncio só foi quebrado com o choro desesperado do rapaz.

- Meu Pai... Como o senhor fez uma coisa dessa... Aaaaahh!!!! Minha vida acabou... Não posso me casar com o meu grande amor... Aaaahhh!!!! Fiz casa, juntei um pouquinho de dinheiro, nada disso adianta... Aaahhhh!!!! Sou um desgraçado... Me apaixonei pela minha própria irmã!!!! Aaaahhh!!!

Nesse momento, a mãe interferiu.

- Tenha calma meu filho!
- Calma como minha mãe??? Não posso casar com Mariazinha!!! Aaaahhhh!!!
- Pode sim!
- Como é que eu posso minha mãe? Mariazinha é filha de meu pai!

Parando um instante, a mãe tomou um fôlego e também revelou um segredo.

- É meu filho... Mariazinha é filha de seu pai. Mas, você não é filho dele não!

Outro silêncio mórbido pairou na Topic. Quebrando o gelo eu falei:

- Ô motor! Para que eu desço aqui!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Educação Financeira

Quando assumi o cargo de professor na Universidade Federal de Alagoas, o professor Lucas me convidou a integrar um projeto de extensão, sob sua coordenação, que objetiva a popularização da educação financeira entre estudantes secundaristas. A ideia é proporcionar a essa população conhecimentos e habilidades para lidar com o dinheiro de forma proativa. Questões como a formação de poupança, as alternativas de investimento, a negociação de dívidas e a realização de projetos a longo prazos são exemplo de assuntos desenvolvidos pelo grupo.
Bem... Depois de muita teoria é normal ficar ansioso para colocar em prática os conhecimentos construídos. E foi com muita sede ao pote que me vi aplicando as orientações de uma boa educação financeira logo no início dessa manhã.
Depois de uma boa ginástica matinal, estava eu esperando o corpo voltar ao normal antes de entrar na pousada onde habito em Santana do Ipanema. Na entrada dessa pousada, há uma pequena galeria de lojas, sendo uma delas uma financeira. Entre um gole e outro de água, veio uma senhora caminhando pela calçada e se posicionando próximo a mim. Como sou um pouco alto, eu deveria ser o dobro do tamanho dela. Essa senhora – uma mistura de índio com negro – deveria ter no máximo 60 anos. Só que o sol do sertão e uma vida sentada no cabo da enxada a deixava com uma aparência de bem mais velha. Nesse momento, travou-se um diálogo:

Senhora: aqui faz empréstimo?
Eu: como?
Senhora: essa loja faz empréstimo? (apontou a senhora para a financeira)
Eu: acho que sim.
Senhora: o Sr. sabe a que horas abre? (eram umas 8 horas da manhã).
Eu: não sei não senhora, mas acredito que nessa rua devem ter outras desse tipo.
Eu: a senhora vai fazer um empréstimo? (comecei a me interessar)
Senhora: vou.
Eu: dizem que quem faz um empréstimo numa loja dessa nunca mais consegue se livrar dele. (joguei verde para ver o que colheria)
Senhora: Deus me livre! Quero pagar logo.
Eu: como é o nome da senhora?
Senhora: Maria.
Eu: pois é dona Maria, dizem que os juros são tão altos que você fica sempre precisando de mais dinheiro, mais empréstimo.
Maria: eu sei, mas com fé em Deus eu vou pagar!
Eu: a senhora está precisando mesmo de empréstimo?
Maria: estou meu filho.
Eu: é para pagar uma dívida ou para comprar alguma coisa?
Maria: é para comprar um terreninho.
Eu: e a senhora não pode juntar (poupar) esse dinheiro?
Maria: não meu filho, tem de ser logo!
Eu: pense bem! É melhor juntar o dinheiro do que ficar enforcada para pagar depois.
Maria: mas, é para que meu filho vá morar nele.
Eu: e ele não pode morar com a senhora por enquanto até que a senhora junte o dinheiro e compre o terreno à vista?
Maria: não. Eu quero que ele vá embora logo! (senti o drama)
Eu: então ele vai embora e a senhora é quem vai ficar com a dívida para pagar?
Maria: é melhor assim!
Eu: pense bem! A senhora pode não conseguir pagar o empréstimo e ter que fazer novo empréstimo e ficar cada vez mais endividada.
Maria: Deus me livre! Já reservei o tanto que posso pagar por mês.
Eu: Quanto é que a senhora pode pagar por mês.
Maria: uns 70 reais. É o que sobra!
Eu. Pense bem! Se a senhora não conseguir pagar?
Maria: Deus há de me ajudar para que eu pague tudo.
Eu: eu sei dona Maria. Mas, se um dia, algo de ruim acontecer – um acidente, uma tempestade, uma doença etc. – e a senhora precisar usar esses 70 reais e não tiver como pagar o empréstimo?
Maria: não, não, Deus vai me ajudar! Eu tenho muita fé em Deus!
Eu: não quero dizer que Deus não vai te ajudar... é que, de vez em quando, a natureza foge do controle e uma eventualidade acontece. Ai a senhora vai se endividar mais ainda. É melhor poupar. A senhora já pens....

Não consegui completar o raciocínio. Dando uma desculpa que iria à farmácia, dona Maria saiu sem nem olhar para trás.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

E o Nordeste? Vem ali atrás!

Bombas caindo na cabeça de Kadhafi, Inter ganhando mais um campeonato internacional, bolsas de valores subindo e descendo (mais descendo que subindo), nova comemoração de gol do R10, Jobs deixando a Apple, Guig-Ghetto lançando o próximo hit do verão baiano... Nenhuma notícia dessa semana deveria ser mais interessante aos pais e às mães que a divulgação dos resultados da Prova ABC (Avaliação de Aprendizagem de Leitura e Matemática) para alunos do 3º ano do ensino fundamental (uma parceria do Todos Pela Educação com o Instituto Paulo Montenegro/IBOPE, Fundação Cesgranrio e INEP).

Algum tempo atrás, eu estava discutindo com a minha esposa qual seria o melhor local para morar. Consideramos três hipóteses de escolha: em um local socialmente favorável (perto dos parentes e/ou amigos); em uma região economicamente favorável (em desenvolvimento e com oportunidades); em uma região favorável à educação (com boa educação para nossa filha). A solução era óbvia: em um lugar que tivesse as três características. Mas, supondo que sejam condições excludentes, qual delas você optaria?

Nesse fim de semana passado, escutei o debate de Eduardo Campos (Governado de Pernambuco) no Canal Livre, da Rede Bandeirantes. Quem escutou ao debate e não conhece a realidade de Pernambuco (e do Nordeste) logo imaginou que o paraíso na Terra é tropical e que lá se dança frevo e se escuta maracatu. O governador bradou o avanço econômico do seu estado, falou da geração de empregos, das novas oportunidades, do combate ao crime etc. Mil maravilhas! Mil maravilhas também no discurso oficial do Governo da Bahia, com o seu jingle insistente na TV e no Rádio, o qual, entre outras coisas, diz: ... é o povo sabendo ler e escrever... De fato, o Nordeste tem avançado se comparado a outras regiões pobres do planeta. Mas, está longe de ser um paraíso na Terra.

Há aproximadamente 10 anos comecei a ter acesso aos dados de avaliações educacionais. Na época, participava de um Programa Educacional que tinha um projeto de avaliação e que produzia relatórios similares ao da Prova ABC. Era normal ficarmos abismados com a precariedade na educação, principalmente na Bahia. Já naquela época, o discurso oficial era da melhoria da qualidade da educação e de eliminação da desigualdade entre os estados brasileiros. Se formos buscar nos arquivos da história, nos anos 90, Paulo Renato e FHC lançaram o FUNDEF justamente para tentar corrigir as imensas disparidades regionais. Antes mesmo do FUNDEF, podemos encontrar a SUDENE e outras tentativas em diversas áreas. Bem... Não quero fazer um relato histórico, apenas apontar que o que o relatório da Prova ABC traz não é novo, assim como não são novos os discursos do governador Eduardo Campos e do jingle do Governo da Bahia.

O Nordeste está atrasado e continuará atrasado por muito tempo se a velocidade do desenvolvimento for essa que estamos vendo. Para se ter uma idéia, em Leitura, o Nordeste é o último colocado e está atrás em 30 pontos do primeiro (o Sul). Em Matemática, o Norte é o mais atrasado, mesmo assim o Nordeste está atrás do Sul em 27 pontos. Para se compreender melhor a diferença, imagine uma corrida de 500 metros disputada em 3 etapas (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio). Na primeira etapa, a garotada do Sul já abriu uma vantagem de 27 a 30 metros para a garotada do Nordeste. Projete qual será a vantagem na última etapa!

Você que mora no Nordeste pode estar pensando aliviado: ainda bem que meus filhos estão matriculados em escolas particulares. Ledo engano! A diferença entre as escolas particulares do Nordeste para as do Sul retrata uma situação ainda pior. Em Leitura, 37 pontos, e em Matemática, 38 pontos. Mas, se você for uma pessoa socialmente responsável e preocupada, vai ficar de cabelos em pé ao saber que a diferença entre as escolas públicas do Nordeste para as escolas privadas do Sul é de 69 pontos em Leitura e de 76 pontos em Matemática.
Volte a imaginar que o prêmio da corrida de 500 metros é uma ótima universidade ou um excelente curso técnico, o que, provavelmente, resultará numa melhor colocação futura no mercado de trabalho. Considerando que em uma sociedade deva haver médicos, engenheiros, economistas, mas, também, arrumadeiras, garçons e garis, preveja agora para quem estará reservada cada uma dessas ocupações.

Entre acreditar no discurso rouge dos governadores nordestinos ou na realidade apontada pelos dados de avaliações nacionais, prefiro imaginar que estar perto da família e dos amigos é o principal motivo para nossa permanência aqui.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Lá ele!

Encontrei esse texto que eu acho que é de João Ubaldo Ribeiro, mas não possuía o nome do autor. De qualquer formar, o autor foi genial ao definir uma das mais úteis expressões contemporâneas do baianês.


Informação cultural importante:

O "lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês, mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).

A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o "lá ele" desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do Brasil - a sub cultura urbana do duplo sentido. 

Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido.  Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor.

Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como "dar", "sentar", "receber", “cair", "chupar" etc. O interlocutor sempre estará atento para, ao primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra proibida.  Como antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma ferramenta indispensável na comunicação do soteropolitano. Assim, o indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som "lá ele!".

Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru". Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!", não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:

  • ·         se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redarguir apenas "Sim"; deve-se responder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";
  • ·         se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";
  • ·         ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".


Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no último domingo durante a transmissão do épico triunfo (vitória é coisa de chibungo, lá ele) do glorioso Esporte Clube Bahia sobre o Atlético de Alagoinhas:

  • ·         Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"
  • ·         Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."
  • ·         Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"
  • ·         Repórter: "Lá ele!"


Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor".

A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives".  Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u", principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão.

Para fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente substituída pelo sufixo "ives".  Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como "Cafives"; o Estádio de Pituaçu virou "Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou "Curuzives"; a capital de Sergipe sói ser chamada de"Aracajives"; e as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser chamadas de "Babives".

Um alentado estudo do "lá ele", que tem outras aplicações práticas além daquelas ora examinadas, pode ser encontrado na obrahttp://ohsuamisera.blogspot.com/2008/10/oxente-rapaz-l-ele.html. Para o "ives", recomenda-se o estudo de http://www.bbmp.com.br/?p=399, que inclusive analisa a relação do sufixo com a expressão "lá ele".

Fonte: http://posterous.mauriciovieira.net/la-ele-0

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Pérola da Corrupção

Viajando desde muito cedo da manhã, Agnaldo e a família vão em direção às praias de Pernambuco. Já passaram pela Bahia, Sergipe e agora estão em Alagoas, quando percebem pela frente uma blitz. Vendo a placa de outro estado, o oficial faz sinal para Agnaldo parar. Agnaldo para. O carro de Agnaldo está cheio, aliás, muito cheio: ele, a mulher, três barulhentas crianças, malas, comida, barraca de praia, brinquedos e muitas tranqueiras para entreter os moleques. O carro de Agnaldo também está muito sujo, além da poeira de barro e lama das estradas esburacadas, por dentro só se vê farelos de biscoito espalhados pelos meninos que não deram trégua a viagem toda. O oficial é rigoroso, aliás, muito rigoroso: vasculha primeiro os documentos; pergunta de onde vêm e para onde vão; verifica os pneus; observa os cintos de seguranças; faz sinal para Agnaldo testar os faróis e os pisca-piscas; confere o extintor; pede para a mulher de Agnaldo retirar a bagagem e mostrar o pneu de socorro e os acessórios de emergência; certifica-se da exatidão dos números do chassi... O oficial não desiste nunca: abre o motor para verificar o óleo; pergunta sobre a revisão; verificar mais uma vez os documentos do carro e do motorista. O oficial dá voltas e mais voltas ao redor do carro, sempre com uma cara de desconfiado. O oficial finalmente para na frente do parabrisas. Observa atentamente o parabrisas. Chama Agnaldo e diz:

- Está sujo. Aliás, muito sujo!

Agnaldo verifica e não encontra tanta sujeira. Explica que é devido à estrada e aos caminhões. Mas, o oficial também é perseverante:

- Veja toda essa poeira. Isso é muito ruim. Isso pode prejudicar a visibilidade e provocar grave acidente.


Agnaldo entende a mensagem e, chamando o oficial num canto, pergunta se uma “cervejinha” ajudaria a limpar o parabrisas. Prontamente e com um sorriso de satisfação, o oficial acena que sim. Agnaldo vai ao portamalas, demora um pouco procurando algo e volta com uma mão cheia à frente do barabrisas. O oficial, ansioso, espera a atitude de Agnaldo. Agnaldo não hesita, abre uma lata de cerveja quente e a derrama, com muita espuma, ao longo do topo do parabrisas. A cerveja escorre deixando tudo bem limpinho. Agnaldo entra no carro e segue sua viagem tranquilamente e com segurança.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A educação fast-food


Na semana passada, enquanto participava de um encontro sobre EAD na UFRN, uma das palestrantes surpreendeu a platéia com o cartaz ao lado: Educação não é fast-food. Trata-se de uma campanha do Conselho Federal de Serviços Sociais e da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Essa campanha – que, até o momento, é eficaz em chamar a atenção geral para a questão da oferta de cursos na modalidade a distância – compara a educação com a alimentação e associa a educação na modalidade a distância à alimentação típica da cultura do fast-food: rápida, gostosa, mas ordinária.

No site da campanha (http://www.educacaofastfood.com.br) se encontra a seguinte argumentação:

Já imaginou trocar suas refeições por um lanche rápido durante quatro anos? É exatamente isso que ocorre com quem escolhe o ensino de graduação à distância em Serviço Social.

A campanha Educação não é fast-food pretende mostrar essa realidade, comparando as aparentes facilidades do ensino à distância com um lanche rápido, mas pouco nutritivo. A agilidade desses cursos só pode ser garantida porque a graduação é realizada em condições precárias, como mostram os lanches usados na campanha. Com isso, professores e tutores não têm como assegurar as diretrizes curriculares do ensino, nem uma formação de qualidade.

Mais a frente, o texto focaliza sua ação:

(...) Assim, não são posicionamentos e atitudes políticas e institucionais fundadas no desconhecimento, na discriminação e no preconceito, e menos ainda são dirigidas aos estudantes e trabalhadores do Ensino à Distância. Na verdade, a campanha marca nossa discordância com a política brasileira de ensino superior e com a expansão que não garante o acesso democrático ao ensino, tampouco assegura sua qualidade.

Em outra página do site, são elencados os principais problemas da EAD:

Problemas de Estrutura

1- Carga horária
2- Bibliotecas
3- Avaliações
4- Debate em sala de aula
5- Estrutura dos Pólos

Problemas de Tutoria

1- Carga horária
2- Interação com os professores
3- Formação do tutor
4- Coordenador e supervisor registrados do CRESS

Problemas de Estágio

1- Supervisão acadêmica
2- Estágio real
3- Supervisão presencial
4- Plano de estágio
5- Formação qualificada

Não emitirei minha opinião sobre EAD, pois já a fiz em postagem passada. No entanto, carece registrar duas possibilidades da campanha: 1) a campanha é séria, pois visa à melhoria da oferta da educação superior, mas é ingênua, está fora do seu tempo e está desinformada, carecendo de bases científicas para justificar a não utilização da metodologia a distância; ou 2) a campanha não é séria, pois visa tão somente a retenção da expansão do ensino superior e à reserva de mercado para os profissionais de serviços sociais.

Caso a segunda possibilidade seja a verdadeira, é importante lembrar o exemplo da OAB, como estratégia mais eficaz para isto. Por outro lado, caso a primeira possibilidade seja a verdadeira, então a preocupação deveria ser estendida a qualquer modalidade de ensino, pois ideias como essa (www.clubeeducacao.com.br) se tornarão cada vez mais frequentes.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

LAPDL

A preocupação com a avaliação, ou melhor, com a prova é quase que universal entre os estudantes. Eu, particularmente, sou avesso à realização de qualquer prova de língua portuguesa, principalmente aquelas que buscam saber sobre a utilização correta do pronome obliquo átono ou do emprego do adjunto adverbial de intensidade. Para muitos, a realização de provas provoca pavor inimaginável, como se estivessem diante do momento da verdade, a qual geralmente não é bonita. Exceto algumas pessoas que morrem de véspera, o certo é que o pavor em ser avaliado é proporcional ao despreparo para a avaliação. Apesar dessa relação ser óbvia, semestre após semestre, alunos não se cansam de perguntar aos seus professores: Como vai ser a prova? Será difícil? Vai cair o quê?

Foi numa palestra que o Prof. Dr. Saja nos apresentou uma maneira simples de explicar aos alunos como resolver esse problema de prova. Peço licença ao Prof. para divulgar seus métodos nesse blog, com algumas ligeiras adaptações.

Contava Saja que na UFBA havia uma disciplina no departamento de física que era tida como a que mais reprovava os alunos. Perante o índice de reprovação, os alunos matriculados nessa disciplina começavam o semestre apreensivos e continuavam nesse estado até a realização das provas finais, a qual consumava a frustração e aumentava ainda mais a fama da disciplina. Em um dado semestre, a disciplina foi ofertada por um professor recém contratado. Preocupado com a má fama da disciplina, querendo reverter a situação e, principalmente, os índices de reprovação, o professor quis inovar e logo na primeira aula deu uma dica para os alunos.

Professor: queridos alunos. Sei que vocês estão apreensivos com as provas dessa disciplina. Não é por menos! Os índices históricos de reprovação são assustadores. Quem passa nessa disciplina praticamente está formado. Mas, eu quero dizer uma coisa para vocês, uma coisa para lhes tranquilizar. Vou escrever no quadro a fórmula para se dar bem e passar em qualquer disciplina, inclusive nessa.

Prontamente o professor escreveu no canto superior esquerdo do quadro o seguinte anagrama:

LAPDL
RAPDE
EAPDP

Escrito o anagrama, o professor iniciou a aula como se não houvesse dito e nem escrito nada. Os alunos trataram de anotar o anagrama em seus cadernos e correram para copiar os assuntos da aula, pois o professor se mostrava ligeiro e já estava longe. Passadas algumas aulas, um aluno observando o anagrama que continuava no canto superior esquerdo do quadro, sem qualquer solução, desabafou.

Aluno: Professor! O Sr. nos falou para não nos preocupar com a disciplina e que, para se sair bem em qualquer disciplina só precisava dessa fórmula e pronto. Mas, até hoje não sabemos do que se trata esse anagrama. Já está chegando a data da prova e estamos ficando desesperados.

Professor: Bem... Eu esperava que essa pergunta não demorasse tanto. Mas, antes tarde do que nunca. Na primeira aula eu vos disse que se vocês utilizassem essa fórmula vocês seriam aprovados em qualquer disciplina, não importa quão complexa e difícil seja. O anagrama é muito simples de se resolver. Então vamos lá:

L de “Leia”
A de ”a”
P de “porra”
D de “do”
L de “Livro”

Professor: Não tem segredo meninos. Para passar tem de ler a “porra” do livro. Continuando...

R de “Resolva”
A de ”a”
P de “porra”
D de “do”
E de “Exercício”

Professor: A Leitura é importante, mas precisa praticar. Sem a prática não acontece a internalização do conhecimento e nem a aprendizagem. E, agora, o grad finale:

E de “Esqueça”
A de ”a”
P de “porra”
D de “da”
P de “Prova”

Professor: Eu sou capaz de jurar para vocês e fazer uma aposta que, se vocês lerem a “porra” do livro e resolverem a “porra” do exercício vocês podem esquecer a “porra” da prova.
Não sei se o que o Prof. Saja nos contou foi verdade, mas aquela turma foi a que teve melhor desempenho na história do departamento de física da UFBA.

domingo, 27 de março de 2011

Princípio da Exceção

Nessa semana, fiquei surpreso com a quantidade de erros que meus alunos cometeram em relação a uma pergunta simples que os fiz na primeira avaliação do semestre. A pergunta feita foi: explique o Princípio da Exceção.

Frederick Winslow Taylor, um norte-americano dos Estados Unidos, que viveu entre 1856 a 1915, foi um dos maiores responsáveis pela criação da Administração Científica. Taylor, estudando as organizações de sua época, acreditava que as indústrias sofriam de três males: (1) havia uma vadiagem sistêmica por parte dos empregados, a qual era originada dos interesses próprios dos trabalhadores em manter o nível de emprego, assim como da ideia corrente à época que maior produção significaria menos postos de trabalho; (2) as técnicas e os métodos de trabalho não eram padronizados entre os empregados que exerciam uma mesma ocupação; (3) a gerência não conhecia as atividades de seus funcionários, o que levava a utilização de métodos ineficientes de trabalho. Para superar esses males, além da Organização Racional do Trabalho, conjunto de técnicas e métodos a ser empregado pela gerência, Taylor acreditava que as decisões e as prioridades gerenciais deveriam ser guiadas pelo Princípio da Exceção.

O Princípio da Exceção é relativamente simples de entender e de se aplicar. Consiste em fazer uma análise descritiva de qualquer evento, categorizando seus elementos e compondo uma distribuição normal. Os administradores deveriam estabelecer os limites inferiores e superiores da normalidade. Os eventos que ficassem dentro da normalidade não deveriam ser objeto da preocupação dos administradores e sim de seus subordinados. Apenas aqueles eventos que fossem classificados fora da normalidade – as exceções, portanto – eram os que deveriam ter foco gerencial. Esse princípio poderia ser aplicado a tudo ou quase tudo na administração.

Vamos a um exemplo comum aos meus alunos: a sala de aula. Para tanto, tomemos algumas de minhas preocupações: a quantidade de leitura dos alunos. Supondo que os alunos respondessem com sinceridade sobre quantas páginas haviam lido para estudar para a prova, provavelmente teríamos a seguinte distribuição:
  • 2 alunos não leram o livro
  • 3 alunos leram até três páginas
  • 4 alunos leram até cinco páginas
  • 5 alunos leram até dez páginas
  • 3 alunos leram até quinze páginas
  • 2 alunos leram até vinte páginas
  • 1 aluno leu até trinta páginas

Supondo que os meus limites, mínimo e máximo, sejam cinco e quinze páginas respectivamente, pelo Princípio da Exceção eu deveria me preocupar com oito alunos (cinco abaixo do limite e três acima dele). Considerando que, neste caso, superar o limite de páginas lidas não significa um problema, o meu foco de atenção, enquanto professor, recairia sobre os cinco alunos que leram abaixo das cinco páginas. Ou seja, a exceção.

Mas, voltando ao primeiro parágrafo, qual a surpresa com os erros dos alunos? Alunos não sempre erram? A surpresa foi que, justamente na questão do Princípio da Exceção, não houve exceção: todos erraram.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Foge! Foge Mulher Maravilha.


É interessante observar, Carnaval após Carnaval, a inútil discussão sobre as letras das músicas que embalam os milhares de foliões. É sempre assim, cada ano que passa os críticos acusam que as letras estão ficando piores e que os compositores estão empobrecendo a cultura popular ao lançar músicas como Superman e a Liga da Justiça, do LevaNóiz, campeã do Carnaval baiano de 2011.

Ao reboque dos críticos pioneiros, intelectuais de bunda quadrada, vêm aqueles meros seguidores que só querem colocar lenha na fogueira e xingar a torto e a direito. Basta passar um olho nos comentários do YouTube para ver uma metralhadora de acusações contra as músicas do Carnaval: “baixaria”; “só pode ser coisa de baiano”; “só sabe rebolar”; “ainda bem que aqui em Olinda não tem isso”...

Pó-ró-pó-pó prá eles! Minha teoria é outra. Primeiro, não podemos confundir as coisas, ou melhor, os gêneros de músicas brasileiras. Música de carnaval é um gênero da família de música popular brasileira e cumpre um papel muito específico de nos animar ao menos uma vez por ano. Papel diferente é exercido por outros gêneros de músicas brasileiras, como: o forró, o sertanejo e a MPB. Será que ficaremos felizes, pularemos atrás de um trio, subiremos e desceremos as ladeiras de Olinda ou sambaremos até raiar o dia escutando Construção, de Chico Buarque? Com certeza, preferiremos letras como a Mamãe Eu Quero.

Segundo, precisamos resolver a preposição “os compositores estão empobrecendo a cultura popular brasileira” ou “os críticos brasileiros perderam a capacidade de interpretar as letras dos compositores”. Para mim, a primeira é falsa, a segunda é verdadeira e a segunda não é explicada pela primeira.

Anos atrás, quando Caetano e Gil escreveram Soy Loco Por Ti, America, quando Geraldo Vandré fez Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores ou quando Bezerra da Silva compôs É Ladrão Que Não Acaba Mais todos os críticos entenderam perfeitamente as mensagens. Por que, então, não conseguem entender Superman e a Liga da Justiça?

Vamos lá, vou facilitar para vocês, críticos... Prestem atenção:

"É melhor chamarmos os outros Super-Amigos antes que chegue toda a Legião do mal."

Super-Man ficou fraco,

O Pingüim jogou criptonita
Lex Luthor e Coringa roubou laço da Mulher Maravilha (2x)

Liga da Justiça toda dominada,
Agora só tem uma saída!

Foge! Foge Mulher Maravilha.
Foge! Foge! Com Super-Man. (8x)

Você é minha Maravilha e eu sou seu Super-Man,
No swing aqui do Leva eu quero ver você meu bem! (2x)

Liga da Justiça toda dominada,
Agora só tem uma saída!

Foge! Foge Mulher Maravilha.
Foge! Foge! Com Super-Man. (8x)

Super amigos, Salvador City! (4x)

Temos dois personagens principais na letra: Superman e Mulher Maravilha. Quem são eles? Somos nós, brasileiros trabalhadores. Nós somos os supermen e as mulheres maravilhas, nós temos que, todos os dias, sair para trabalhar e sustentar nossa família. Além disso, temos que sustentar o Estado, contribuindo com 1/3 dos nossos esforços. Mais ainda, suportamos todos os escândalos e desvios de dinheiro público, noticiados todos os dias nos telejornais. Quem aguentaria isso, senão o supeman ou a mulher maravilha?

O Superman ficou fraco. Por que ele ficou fraco? Ficou fraco porque a saúde pública está um desastre, com hospitais superlotados e sem estrutura para atender a população. Claro que Pinguim jogou criptonita, mas se o Superman encontrasse uma rede de postos de saúde ou hospitais públicos de qualidade, uma simples criptonita não seria problema.

Sou defensor da idéia de que o Brasil melhorará com base na educação pública de qualidade. Só que Lex Luthor e Coringa roubaram o laço da Mulher Maravilha. Isso é uma alusão clara à péssima qualidade da educação pública desse país e estado. Tradicionalmente, quem toma conta da educação da população são as mulheres. A educação é uma ferramenta para a sociedade, assim como o laço é uma ferramenta para a Mulher Maravilha. Lex Luthor e Coringa sabiam disso. Eles sabiam da importância da educação e a roubaram. Tiraram o instrumento que iria resolver tudo isso. A Mulher Maravilha, sem seu laço, não pode fazer mais nada.

Por fim, a Liga da Justiça foi dominada. Mais direto que isso, impossível. Basta ver o incrível aumento dos índices de crimes ocorridos na Bahia e no Nordeste, nos últimos dois anos, para saber que a Liga da Justiça e a segurança pública há muito tempo estão dominadas.

Saúde ruim, educação fracassada e segurança dominada. Agora só tem uma saída: Foge! Foge Mulher Maravilha. Foge! Foge! Com Superman.

http://www.youtube.com/watch?v=xnvSDl-RXkA

Fonte foto: http://ssaporestefanodiaz.blogspot.com/2011/01/levanoiz-programa-super-festa-projeto.html

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