quinta-feira, 23 de junho de 2011

Lá ele!

Encontrei esse texto que eu acho que é de João Ubaldo Ribeiro, mas não possuía o nome do autor. De qualquer formar, o autor foi genial ao definir uma das mais úteis expressões contemporâneas do baianês.


Informação cultural importante:

O "lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês, mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).

A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o "lá ele" desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do Brasil - a sub cultura urbana do duplo sentido. 

Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido.  Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor.

Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como "dar", "sentar", "receber", “cair", "chupar" etc. O interlocutor sempre estará atento para, ao primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra proibida.  Como antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma ferramenta indispensável na comunicação do soteropolitano. Assim, o indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som "lá ele!".

Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru". Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!", não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:

  • ·         se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redarguir apenas "Sim"; deve-se responder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";
  • ·         se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";
  • ·         ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".


Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no último domingo durante a transmissão do épico triunfo (vitória é coisa de chibungo, lá ele) do glorioso Esporte Clube Bahia sobre o Atlético de Alagoinhas:

  • ·         Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"
  • ·         Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."
  • ·         Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"
  • ·         Repórter: "Lá ele!"


Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor".

A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives".  Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u", principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão.

Para fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente substituída pelo sufixo "ives".  Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como "Cafives"; o Estádio de Pituaçu virou "Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou "Curuzives"; a capital de Sergipe sói ser chamada de"Aracajives"; e as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser chamadas de "Babives".

Um alentado estudo do "lá ele", que tem outras aplicações práticas além daquelas ora examinadas, pode ser encontrado na obrahttp://ohsuamisera.blogspot.com/2008/10/oxente-rapaz-l-ele.html. Para o "ives", recomenda-se o estudo de http://www.bbmp.com.br/?p=399, que inclusive analisa a relação do sufixo com a expressão "lá ele".

Fonte: http://posterous.mauriciovieira.net/la-ele-0

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Pérola da Corrupção

Viajando desde muito cedo da manhã, Agnaldo e a família vão em direção às praias de Pernambuco. Já passaram pela Bahia, Sergipe e agora estão em Alagoas, quando percebem pela frente uma blitz. Vendo a placa de outro estado, o oficial faz sinal para Agnaldo parar. Agnaldo para. O carro de Agnaldo está cheio, aliás, muito cheio: ele, a mulher, três barulhentas crianças, malas, comida, barraca de praia, brinquedos e muitas tranqueiras para entreter os moleques. O carro de Agnaldo também está muito sujo, além da poeira de barro e lama das estradas esburacadas, por dentro só se vê farelos de biscoito espalhados pelos meninos que não deram trégua a viagem toda. O oficial é rigoroso, aliás, muito rigoroso: vasculha primeiro os documentos; pergunta de onde vêm e para onde vão; verifica os pneus; observa os cintos de seguranças; faz sinal para Agnaldo testar os faróis e os pisca-piscas; confere o extintor; pede para a mulher de Agnaldo retirar a bagagem e mostrar o pneu de socorro e os acessórios de emergência; certifica-se da exatidão dos números do chassi... O oficial não desiste nunca: abre o motor para verificar o óleo; pergunta sobre a revisão; verificar mais uma vez os documentos do carro e do motorista. O oficial dá voltas e mais voltas ao redor do carro, sempre com uma cara de desconfiado. O oficial finalmente para na frente do parabrisas. Observa atentamente o parabrisas. Chama Agnaldo e diz:

- Está sujo. Aliás, muito sujo!

Agnaldo verifica e não encontra tanta sujeira. Explica que é devido à estrada e aos caminhões. Mas, o oficial também é perseverante:

- Veja toda essa poeira. Isso é muito ruim. Isso pode prejudicar a visibilidade e provocar grave acidente.


Agnaldo entende a mensagem e, chamando o oficial num canto, pergunta se uma “cervejinha” ajudaria a limpar o parabrisas. Prontamente e com um sorriso de satisfação, o oficial acena que sim. Agnaldo vai ao portamalas, demora um pouco procurando algo e volta com uma mão cheia à frente do barabrisas. O oficial, ansioso, espera a atitude de Agnaldo. Agnaldo não hesita, abre uma lata de cerveja quente e a derrama, com muita espuma, ao longo do topo do parabrisas. A cerveja escorre deixando tudo bem limpinho. Agnaldo entra no carro e segue sua viagem tranquilamente e com segurança.

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