Era uma noite qualquer, de uma
terça-feira normalmente vazia em toda cidade, quanto mais em Porto Alegre. Mas,
como estava em viagem a trabalho, Arthur não resistiu ao convite de seu
anfitrião, Fernando, para um chope de happy
hour. Foram, portanto, à rua mais badalada da cidade: Padre Chagas. Nome
exótico para uma rua cheia de bares, boates, restaurantes e muita gente
querendo fazer filme — como falam os gaúchos para quem quer dar uma boa
impressão ao sexo oposto. Mas, de badalada a Padre Chagas não apresentava nada
naquela noite. Alguns transeuntes, um mendigo bêbado, uma turma de adolescentes
e um ex-BBB em decadência — que brincava com seu patinete motorizado, como se
quisesse mostrar a sua grande novidade ou habilidade de playboy. Além disso,
muitos garçons à frente dos estabelecimentos caçando desesperadamente quem se atrevesse
a olhar para eles. Diante de tanta oferta, resolveram entrar num pub irlandês, que, apesar da boa música,
também estava vazio como toda a rua.
E, de fato, a noite estava bem chata.
Além de beber e conversar sobre o trabalho, não havia mais o que fazer ali
naquele bar. Algum tempo depois, com o assunto já quase se esgotando, eis que
apareceu uma surpresa para tirar a monotonia da noite. Tratava-se de um casal
que acabara de sentar em uma mesa próxima. Ela, muito linda, honrava a
tradicional imagem que se faz das mulheres do Rio Grande do Sul. Cabelo liso,
negro e muito bem cortado. Olhos azuis brilhantes. Pele bem branquinha,
parecendo que havia muito tempo que não ia à praia. Algumas sardas, que só a
deixavam mais atraente. Corpo perfeito. Seios do tamanho certo. Nem grandes e
nem pequenos. Do tamanho adequado para que uma mão os possa apalpar, sem sobrar
e nem falar espaço entre os dedos. Ela estava vestida com uma calça jeans que
valorizava cada curva de sua perna e quadril, deixando transparecer uma bunda
muito bem delineada. Também a cobria uma blusa preta muito decotada, que
revelava todo potencial de seu busto e uma barriguinha perfeita. Encobrindo o
umbigo, não dava para ver direito, mas parecia ser um singelo piercing. Usava quase nenhuma joia.
Obviamente, não era necessária joia alguma. Para completar, um salto, que a
deixava com quase um metro e oitenta, e uma bolsa do tamanho exato para seu
celular. Ele, por sua vez, era boa pinta, mas uns 10 cm menor que ela. Além da
roupa de grife, o guri ostentava o chaveiro com a chave de um carro promissor,
um celular dos mais caros, uma carteira de cigarros e outra com seus cartões de
crédito.
De início, já deu para perceber
que o guri não tinha boa estratégia e nem malícia, pois ao sentar deu as costas
para a mesa onde estavam Arthur e Fernando, deixando que a guria encarasse a
mesa onde estavam os rapazes. Quase impossível foi para os dois não repararem
na garota, tampouco fixarem os olhos na mesa do casal. O que mais havia de
interessante naquela noite? Por mais que a guria chamasse atenção, ela
infelizmente estava acompanhada com seu namorado. E isso, aparentemente,
desencorajaria qualquer tentativa de deixar a noite mais animada. Mas, Fernando
não se intimidou com a situação do casal e continuou observando e encarando a
garota, mesmo sabendo que aquilo não iria dar em nada.
- Mas, bah! Essa prenda é muito linda mesmo. Olha os olhos dela.
- E você é muito doido. Não tá vendo que ela está acompanhada?
- Sim. E tu também é doido. Ou não ficasse faceiro quando ela entrou,
heim?
Os dois riram da situação e se
tocaram de que já não havia mais o que fazer naquele pub a não ser beber chope e observar o casal. De início, eles
apenas observavam gratuitamente a beleza da menina, mas aos poucos perceberam
que havia mais coisas para ficarem entretenidos. O casal estava no meio de uma
briga, ou melhor, numa discussão de relacionamento. Pela postura dos dois, a
menina havia feito alguma coisa que não agradara o rapaz e estava tentando a
reconciliação com ele. Pela cara dele, essa coisa deveria ter sido algo de
grave.
- Esse cara tá um pouco nervoso, não?
- Pois, Tchê! Estava pensando nisso agora.
- O que será que ocorreu? Por que será que ele está tão bravo com ela?
- Com certeza ela colocou um belo par de chifres nele!
Novamente os dois caíram na
risada. Mas, de engraçado a situação não tinha nada para o rapaz. Apesar de não
poder escutar o que eles estavam falando, pois o som ambiente atrapalhava os
ouvidos curiosos de Fernando e Arthur, dava para perceber isso na dramaticidade
das expressões do guri. As mãos dele não paravam quietas. Ora gesticulavam à
frente do rosto da menina, ora mexiam no celular e ora tiravam e colocavam um
cigarro na carteira, sem ter a intenção de fumá-lo. A menina, por sua vez, bem
mais calada que o rapaz, lançava-lhe gestos de pura sedução. Jogava seus belos
cabelos de um lado para o outro. Nunca os deixava ficar quietos. Dava para
imaginar o delicioso perfume que exalava nesses movimentos. Seu corpo se
inclinava na direção dele, deixando à amostra lances de seu lindo busto. Sua
face era um puro convite a um mergulho profundo em seus lábios. Seus olhos o
fitavam fixamente, deixando claros sua intenção e desejo de uma noite bem caliente embaixo dos lençóis. A noite ia
assim: quanto mais ela tentava seduzir o namorado, mas ele parecia não aceitar
seu convite ou desculpas com gestos e bocas de poucos amigos.
- Esse borracho é muito fresco! A guria só falta pular no colo dele.
- É um fresco mesmo. Se fosse eu, já teria agarrado ela. Ela é muito
linda!
- Mas, Tchê! A gente não sabe o que a guria fez, né?
Mais risadas dos dois,
interrompidas com o aumento do tom da voz do rapaz e sua súbita retirada da
mesa. Ele teve o cuidado de levar consigo seus pertencesses, deixando no local
a menina.
- Puta que pariu! O cara saiu e deixou a namorada sozinha? É isso mesmo
que estou vendo?
- Me caiu os butiás do bolso!
- O quê?
- Estou chocado!
- Ah, tá! Como o cara pode fazer isso? Se levantar e deixar uma mulher
linda dessa aí, sozinha?
- E nem pagou a conta, esse bagual!
- Cara, preciso de um dicionário para andar contigo! (risos)
- Hehehe... Pois aprende mais uma: vou charlar com ela!
- Você está doido? Certamente o cara vai voltar!
- Não volta não. Aposto contigo, Tchê!
- Tá bom! Se ele voltar você paga a conta. Se ele não voltar eu pago a
conta.
- Se o guri não voltar tu paga a conta e eu fico com a prenda!
Os dois riram novamente. Enquanto
isso, a guria permaneceu na mesma posição: sentada à frente dos rapazes,
resignada. Só que ela não os encarava, preferia olhar o Facebook. Ela
visivelmente estava chateada por ter ficado sozinha, mas algo nela transmitia
uma confiança. De vez em quando, um gole de chope. De vez em quanto, levantava
os olhos para ver o ambiente e verificar se o seu namorado retornara. Nesses
raros momentos, mesmo sabendo que a garota não tinha olhos para mais ninguém, Fernando
lançava gestos para a menina, na esperança que ela permitisse uma aproximação.
Mas, ela não dava bola para ninguém mesmo. Apenas para o seu maldito Facebook.
Talvez querendo se mostrar para o
amigo visitante, talvez querendo punir o bagual por sua má-criação ou
simplesmente por já está atraído pela guria, Fernando resolveu fazer uma aposta
arriscada: escreveu algo num bilhete e pediu ao garçom para entregá-lo à
menina. Ela, ao ler o que estava escrito, olhou para Fernando com uma cara de
desaprovação e, coerentemente com suas atitudes desde o início da noite –
centralizadas em seu namorado -, imediatamente amassou o pedaço de papel e o
jogou no chão.
- hahahahaha.... Você é mesmo um otário, Fernando! Só porque o cara a
deixou sozinha, você acha que ela iria dar para qualquer um?
- Pois, Tchê! Não sou de desistir não. Vou lá falar com essa prenda.
- Pois, trate-se de sentar. Lá vem o carinha de volta.
Fernando já havia se levantado da
mesa, mas, observando o namorado da garota retornando, ele resolveu sentar
novamente e se contentar em só observar os acontecimentos. O rapaz pareceu
voltar mais nervoso do que antes. Gesticulava. Batia na mesa. Indeciso, tirava
e colocava o cigarro na carteira. A menina, com um olhar de quem está por cima
da situação, segurou em sua mão. Por uns instantes, os dois se calaram e só se
olharam. Depois, aparentando superar o que quer que ela tivesse feito de tão ruim
para ele ter ficado demasiadamente zangado, os dois finalmente se beijaram.
- Puuuuta que pariiiiu! (bem demorado)
- Hahahaha... Agora, você quer me pagar mais um chope ou podemos pedir
a conta e ir embora?
- Garçom. Traz a conta, Tchê!
Por questão de coincidência ou
por capricho do destino, Artur e Fernando pediram a conta e se levantaram para sair
na mesma hora na qual o casal, agora reconciliado e feliz, o fez. Parecendo cena de
um filme sem graça para Fernando, os quatro caminharam para a saída do pub como se fosse um grupo só de amigos.
Só que desse grupo, a garota estava com um semblante de vitoriosa, o guri
estava visivelmente apaixonado, Arthur estava vermelho de tanto rir e Fernando
espumando de raiva. Ao chegar à saída, uma forte chuva obrigou o rapaz a correr
ao estacionamento para pegar o seu carro, deixando a garota ao lado de
Fernando, que, por sua vez, esperava junto a Arthur a chegada de um táxi O
silêncio dessa situação só não era maior que os pingos da chuva que castigava a
já esvaziada Padre Chagas. O carro do garoto se aproximou e a menina foi embora,
deixando no ar a lembrança de seus lindos olhos, o perfume de seus cabelos, a
delicadeza de sua pele, a exatidão de seus bustos, os contornos de suas pernas
e cochas e ... Aiaiai... Todo o resto que não se consegue traduzir por meio de
palavras. O táxi apareceu e os dois embarcaram nele. Arthur, ainda com o
sorriso no rosto, não se segurou.
- Fernando, eu adorei sair contigo. Da próxima vez que vier aqui em
Porto Alegre, faço questão de sair novamente. E, já que você está pagando tudo
hoje, aproveita para pagar o táxi também! Hahahahaha...
Como todo jogo só acaba com o
apito final do árbitro, Fernando, esboçando um inédito sorriso maquiavélico no
rosto, sacou um guardanapo do bolso da camisa e o entregou ao seu convidado
fanfarrão.
- Bah, Tchê! Com todo prazer! Tu me traz sorte! Olha só.
No guardanapo, além de um número
de celular, havia escrito: Liga para mim amanhã, Marcela. Cantando de galo,
Fernando encerra:
- Tu precisa saber como as coisas funcionam antes de fazer uma aposta.
Por pior que pareça ser, uma
noite pode guardar surpresas sempre imprevisíveis. Quem, dessa estória, pode se
queixar de algo? Marcela teve seu namorado de volta. Arthur ganhou a aposta e
não pagou um centavo no pub.
Fernando, nos últimos instantes recebeu a melhor das possibilidades. E o
namorado da Marcela, por não saber de nada, terá uma excelente noite de
reconciliação com ela. De entediante, as noites da Padre Chagas não são nada!