terça-feira, 8 de outubro de 2013

Black Bloc Tupiniquim

Vamos ser honestos? Adoramos sentir que fazemos parte do mundo. Acho que essa necessidade surge de nosso sentimento de inferioridade, quando queremos copiar tudo que é de fora do país. Não que o que vem de fora seja bom ou ruim, mas à primeira manifestação singular que apareça por aqui queremos logo identificar um parentesco estrangeiro para legitimar o fenômeno. Assim é com nossos costumes, valores, arquitetura, moda, sotaque, culinária etc. Mais uma vez, não tem nada de errado em valorizar cada uma das origens culturais e étnicas de nosso povo, mas não precisamos rotular precipitadamente tudo que surge no imediato para se achar uma justificativa a nossa existência singular, do jeito que é.

Falo isso porque, com o início dessa onda de protestos e manifestações que tomou conta das maiores cidades do país, há quase um ano, apareceu, do nada, um novo movimento social que foi logo batizado com um nome inglês, o tal do “Black Bloc”. Não vou gastar meu tempo fazendo uma pesquisa na literatura que fala sobre o movimento anarquista, ao qual se imagina que esses mascarados fazem parte. Até que seria interessante conhecer e falar sobre o movimento anarquista, mas acho que não seria o caso, tampouco esse pseudomovimento mereceria isso. Para ser fidedigno como o “Black Bloc” tupiniquim, dedico-me a buscar seu significado no que há de mais imediato e urgente: o Wikipedia. Pois bem, segundo o Wikipedia:

Black bloc é o nome dado a uma estratégia de manifestação e protesto anarquista, na qual grupos de afinidade mascarados e vestidos de preto se reúnem com objetivo de protestar em manifestações anti-globalização e/ou anti-capitalistas, conferências de representacionistas entre outras ocasiões, utilizando a propaganda pela ação para questionar o sistema vigente.
As roupas e máscaras pretas que dão nome à estratégia são usadas para dificultar ou mesmo impedir qualquer tipo de identificação pelas autoridades, também com a finalidade de parecer uma única massa imensa, promovendo solidariedade entre seus participantes.
Black Blocs se diferenciam de outros grupos anti-capitalistas por rotineiramente se utilizarem da destruição da propriedade privada para trazer atenção para sua oposição contra corporações multinacionais e aos apoios e às vantagens recebidas dos governos ocidentais por essas companhias.


Como em nossa terra nada do que parece é de fato o que é e a imagem conta mais do que as reais intenções, faço a você, meu estimado leitor, a seguinte pergunta: por que cargas d’água um jovem sai de casa e vai quebrar a propriedade pública e privada sob o risco de ser preso, sair machucado ou, até mesmo, não voltar vivo para casa? O que motiva os membros desse aglomerado de gente mascarada a serem tão enérgicos, destrutivos, explosivos, intransigentes e impessoais? Por que tanta revolta, expressa na destruição, sem qualquer reivindicação inteligível? Se é um movimento, quem são os líderes e como os membros se organizam? Por que se dizem anti-capitalistas, mas vestem Nike, falam pelo Iphone e registram as imagens com uma Nikon? Não há como negar sua ação midiática, nem esperar uma manifestação sem sua presença. Se são tão previsíveis, por que ninguém os prende? Por que ninguém os entrevista para conhecer suas reivindicações e propostas?

Não duvidemos de nossos líderes, eles são muito inteligentes. São mais inteligentes que nós. Na economia se sabe que não há almoço de graça. Na sociologia se sabe que não há movimentação desinteressada. Na política se sabe que não há lado. E, na guerra, sabe-se que qualquer estratégia para vencer é válida.

A minha hipótese é óbvia. Nosso “Black Bloc” não passa de um grupo de arruaceiros bem pagos para promover a desmoralização dos movimentos legítimos de massa. Intriga de minha oposição? Então... Por que os movimentos perderam força? Por que o “Black Bloc” só aparece no final para gerar confusão? Por que nunca seus membros são presos e apresentados ao público? Por que há tanta incompetência de nossa polícia em identificar um integrante dessa corja?


Até quando alguém resolver “abrir o bico” e falar em troca de alguns trocados, veremos cenas lamentáveis que só nos entristecerão. Lojas sendo saqueadas; bancas de jornais destruídas; patrimônio público depredado; agências bancárias destroçadas; órgãos públicos invadidos; paredes e prédios pichados; polícia desorientada, desencorajada, incapaz e imoral; empregados perdendo emprego porque seus patrões perderam suas lojas; cadeirantes sem ter como usar os meios de transporte porque seus aparatos de acesso foram destruídos; e, o pior, nossa liberdade de ir, vir e protestar tolhida.

domingo, 21 de abril de 2013

Mentira!


De onde surge a mentira? Qualquer resposta a essa pergunta terá muita chance de ser, inevitavelmente, mentirosa. Como provar que a mentira, por exemplo, nasceu com Eva jurando a Adão que ele foi o primeiro em sua vida? Logo Eva, bonitinha, fofinha e formosa, como ela se apresentava naqueles primeiros dias da humanidade. Mulher de carnes fartas, braços largos, seios generosos, lábios carnudos, bochechas róseas e de um feromônio embriagador! Apesar de Eva ser uma tentação a qualquer mortal, creio que Adão acreditava em sua estória, pois, mesmo magricelo e sem graça como ele era, olhando ao redor não se via ameaçado por outros concorrentes de sua espécie.
Entretanto, quem disse que eles estavam absolutamente sozinhos naquele paraíso? E a ovelha? E o jumento? E a macaca? E o orangotango? E a danada da cobra? E as árvores? E os frutos, raízes e legumes em formatos avantajados? A pansexualidade já poderia ser um conceito em moda à época. Ou seja, não dá para ter absoluta certeza de que Eva estava ou não falando a verdade para Adão.
Considerando que ela não estivesse falando a verdade, o fato é que Adão acreditou. E, talvez, é justamente no ato de se acreditar em uma estória que surja a mentira. Pois, se Adão não tivesse acreditado em Eva, a estória de que ele foi o primeiro na vida dela não passaria de uma tentativa frustrada, de um jogar-verde-para-colher-maduro que não deu certo. Mentira só é mentira se alguém acredita que a estória é verdadeira. Uma mentira revelada ou descoberta passa a ser uma história falsa, sem graça e boba. Nesse sentido, uma estória para ser mentirosa precisa ser tão plausível a ponto de não haver dúvidas de que ela seja verdadeira, ou seja, de que ela seja realmente uma história. Essas são as mentiras e Eva sabia disso.
Talvez, Adão também soubesse disso e fingiu acreditar em Eva. O que mais ele poderia fazer? Já estava cansado de comer as ovelhas, as cabras e qualquer outro animal de porte compatível. Para variar um pouco, já tinha tentado com alguns animais mais exóticos, mas, não poderia perder a oportunidade de um approach com Eva. Que vale frisar: a única mulher do pedaço! Por isso, a mais bonita, charmosa e gostosa criatura que seus olhos já tinham visto naquelas terras onde tudo era possível. Como, nesse contexto, Adão poderia desmentir Eva? Revelar que ele sabia de seu passado sórdido? Dizer que conhecia todas as suas experiências pansexuais? Ou, ainda, contar os detalhes de seu caso com a danada da cobra? Não poderia, não é? Não poderia colocar em risco um possível relacionamento com Eva. Então... Pode ser que Adão não seja tão abobalhado assim.
Podemos supor que Adão sabia de tudo e fingiu acreditar em Eva. Dessa forma, a estória que Eva contou – de que ela era pura, virgem e inocente quando conheceu Adão – continua sendo uma mentira ou merece ser rebaixada a outra categoria? Se Adão realmente sabia de tudo e fingiu acreditar em Eva, não contando para mais ninguém, cria-se, nesse caso, uma metamentira. A metamentira é uma mentira construída com base em outra mentira. Ela sobrepõe a mentira original, deixando o contexto da estória muito mais mentiroso. A metamentira, portanto, é um fortificador da mentira. Quando há uma metamentira, torna-se muito mais difícil a mentira ser descoberta ou revelada. Uma vez Adão acreditando em Eva, mesmo sabendo que a conversa toda era puro papo-furado, Adão e Eva se tornam parceiros dessa mentira, dessa metamentira.
Porém, ao criar a metamentira, Adão assume uma posição estratégica e privilegiada no relacionamento com Eva. Ele tem agora uma carta na manga que pode ser usada a qualquer hora, de acordo com sua conveniência. A qualquer momento, Adão pode barganhar algo com Eva, dizendo que vai conversar com a cobra ou que vai verificar a estória da festa da cenoura que Eva participou com a macaca. Festa essa que o orangotango aponta como o evento divisor do interesse da macaca pelo sexo oposto. A vantagem da metamentira fica evidente todo domingo à tarde, em que Eva e Adão estão deitados de conchinha após o almoço. Adão, como de costume nesses momentos, sempre dá uma fungada no cangote de Eva, anunciando que a sua libido já deixa sua parte pontiaguda em riste.
- E ai, minha fofinha, vamos brincar um pouco?
- Hoje não Adão, tenha a santa paciência! Esse javali que comemos estava muito gordo e esse calor tá me deixando com um pouco de dor de cabeça.
Se a libido de Adão não estiver tão forte assim, ele pode se contentar, deixar que surja mais uma metamentira para usá-la mais adiante, virar-se para o lado e esperar que a sua bandeira se recolha. Mas, supondo que ele esteja à flor da pele, ele pode usar a uma metamentira antiga para reverter a tendência dos acontecimentos.
 - Ah... Dor de cabeça, não é?
- É, Adão. Você sabe que as mulheres tem disso, né?
- Sei minha fofinha. Sei sim. Aliás, as macacas também têm disso, né?
- Como assim? Que macacas?
- Outro dia eu estava conversando com aquela macaca mais peluda e ela me falou disso também. Sabe que ela me disse que vocês saiam muito juntas antes de me conhecer? (Adão, maliciosamente, solta a pista de que ele sabe de tudo e de que está disposto a jogar merda no ventilador)
- É... O que mais ela falou? (Eva com ar de curiosa e preocupada com seu passado).
- Não muita coisa. Lembro-me que ela falou também de uma festa que vocês foram. Uma festa um pouco light, meio vegetariana e que só tinha fêmeas.
- Aquela macaca mentirosa falou sobre essa festa? (Eva já tentando desmentir que tivesse ido à festa das cenouras com a macaca)
- Falar, falou não, pois apareceu o escroto do orangotango e levou a macaca para conversar. Mas, já que você está indisposta, acho que vou dar uma voltinha por ai. Quem sabe eu não encontro a macaca e ela termina de me contar.
- Vai não, dengo! Sabe... Esse calor tá até me deixando bem fogosa e a dor de cabeça, acho que já passou. Vem cá, vem!
Claro que Adão foi. As mentiras são assim, umas mais cabeludas que as outras, mas todas para serem acreditadas, senão não seriam mentiras.

domingo, 7 de abril de 2013

Padre Chagas

Era uma noite qualquer, de uma terça-feira normalmente vazia em toda cidade, quanto mais em Porto Alegre. Mas, como estava em viagem a trabalho, Arthur não resistiu ao convite de seu anfitrião, Fernando, para um chope de happy hour. Foram, portanto, à rua mais badalada da cidade: Padre Chagas. Nome exótico para uma rua cheia de bares, boates, restaurantes e muita gente querendo fazer filme — como falam os gaúchos para quem quer dar uma boa impressão ao sexo oposto. Mas, de badalada a Padre Chagas não apresentava nada naquela noite. Alguns transeuntes, um mendigo bêbado, uma turma de adolescentes e um ex-BBB em decadência — que brincava com seu patinete motorizado, como se quisesse mostrar a sua grande novidade ou habilidade de playboy. Além disso, muitos garçons à frente dos estabelecimentos caçando desesperadamente quem se atrevesse a olhar para eles. Diante de tanta oferta, resolveram entrar num pub irlandês, que, apesar da boa música, também estava vazio como toda a rua.

E, de fato, a noite estava bem chata. Além de beber e conversar sobre o trabalho, não havia mais o que fazer ali naquele bar. Algum tempo depois, com o assunto já quase se esgotando, eis que apareceu uma surpresa para tirar a monotonia da noite. Tratava-se de um casal que acabara de sentar em uma mesa próxima. Ela, muito linda, honrava a tradicional imagem que se faz das mulheres do Rio Grande do Sul. Cabelo liso, negro e muito bem cortado. Olhos azuis brilhantes. Pele bem branquinha, parecendo que havia muito tempo que não ia à praia. Algumas sardas, que só a deixavam mais atraente. Corpo perfeito. Seios do tamanho certo. Nem grandes e nem pequenos. Do tamanho adequado para que uma mão os possa apalpar, sem sobrar e nem falar espaço entre os dedos. Ela estava vestida com uma calça jeans que valorizava cada curva de sua perna e quadril, deixando transparecer uma bunda muito bem delineada. Também a cobria uma blusa preta muito decotada, que revelava todo potencial de seu busto e uma barriguinha perfeita. Encobrindo o umbigo, não dava para ver direito, mas parecia ser um singelo piercing. Usava quase nenhuma joia. Obviamente, não era necessária joia alguma. Para completar, um salto, que a deixava com quase um metro e oitenta, e uma bolsa do tamanho exato para seu celular. Ele, por sua vez, era boa pinta, mas uns 10 cm menor que ela. Além da roupa de grife, o guri ostentava o chaveiro com a chave de um carro promissor, um celular dos mais caros, uma carteira de cigarros e outra com seus cartões de crédito.

De início, já deu para perceber que o guri não tinha boa estratégia e nem malícia, pois ao sentar deu as costas para a mesa onde estavam Arthur e Fernando, deixando que a guria encarasse a mesa onde estavam os rapazes. Quase impossível foi para os dois não repararem na garota, tampouco fixarem os olhos na mesa do casal. O que mais havia de interessante naquela noite? Por mais que a guria chamasse atenção, ela infelizmente estava acompanhada com seu namorado. E isso, aparentemente, desencorajaria qualquer tentativa de deixar a noite mais animada. Mas, Fernando não se intimidou com a situação do casal e continuou observando e encarando a garota, mesmo sabendo que aquilo não iria dar em nada.

- Mas, bah! Essa prenda é muito linda mesmo. Olha os olhos dela.
- E você é muito doido. Não tá vendo que ela está acompanhada?
- Sim. E tu também é doido. Ou não ficasse faceiro quando ela entrou, heim?

Os dois riram da situação e se tocaram de que já não havia mais o que fazer naquele pub a não ser beber chope e observar o casal. De início, eles apenas observavam gratuitamente a beleza da menina, mas aos poucos perceberam que havia mais coisas para ficarem entretenidos. O casal estava no meio de uma briga, ou melhor, numa discussão de relacionamento. Pela postura dos dois, a menina havia feito alguma coisa que não agradara o rapaz e estava tentando a reconciliação com ele. Pela cara dele, essa coisa deveria ter sido algo de grave.

- Esse cara tá um pouco nervoso, não?
- Pois, Tchê! Estava pensando nisso agora.
- O que será que ocorreu? Por que será que ele está tão bravo com ela?
- Com certeza ela colocou um belo par de chifres nele!

Novamente os dois caíram na risada. Mas, de engraçado a situação não tinha nada para o rapaz. Apesar de não poder escutar o que eles estavam falando, pois o som ambiente atrapalhava os ouvidos curiosos de Fernando e Arthur, dava para perceber isso na dramaticidade das expressões do guri. As mãos dele não paravam quietas. Ora gesticulavam à frente do rosto da menina, ora mexiam no celular e ora tiravam e colocavam um cigarro na carteira, sem ter a intenção de fumá-lo. A menina, por sua vez, bem mais calada que o rapaz, lançava-lhe gestos de pura sedução. Jogava seus belos cabelos de um lado para o outro. Nunca os deixava ficar quietos. Dava para imaginar o delicioso perfume que exalava nesses movimentos. Seu corpo se inclinava na direção dele, deixando à amostra lances de seu lindo busto. Sua face era um puro convite a um mergulho profundo em seus lábios. Seus olhos o fitavam fixamente, deixando claros sua intenção e desejo de uma noite bem caliente embaixo dos lençóis. A noite ia assim: quanto mais ela tentava seduzir o namorado, mas ele parecia não aceitar seu convite ou desculpas com gestos e bocas de poucos amigos.

- Esse borracho é muito fresco! A guria só falta pular no colo dele.
- É um fresco mesmo. Se fosse eu, já teria agarrado ela. Ela é muito linda!
- Mas, Tchê! A gente não sabe o que a guria fez, né?

Mais risadas dos dois, interrompidas com o aumento do tom da voz do rapaz e sua súbita retirada da mesa. Ele teve o cuidado de levar consigo seus pertencesses, deixando no local a menina.

- Puta que pariu! O cara saiu e deixou a namorada sozinha? É isso mesmo que estou vendo?
- Me caiu os butiás do bolso!
- O quê?
- Estou chocado!
- Ah, tá! Como o cara pode fazer isso? Se levantar e deixar uma mulher linda dessa aí, sozinha?
- E nem pagou a conta, esse bagual!
- Cara, preciso de um dicionário para andar contigo! (risos)
- Hehehe... Pois aprende mais uma: vou charlar com ela!
- Você está doido? Certamente o cara vai voltar!
- Não volta não. Aposto contigo, Tchê!
- Tá bom! Se ele voltar você paga a conta. Se ele não voltar eu pago a conta.
- Se o guri não voltar tu paga a conta e eu fico com a prenda!

Os dois riram novamente. Enquanto isso, a guria permaneceu na mesma posição: sentada à frente dos rapazes, resignada. Só que ela não os encarava, preferia olhar o Facebook. Ela visivelmente estava chateada por ter ficado sozinha, mas algo nela transmitia uma confiança. De vez em quando, um gole de chope. De vez em quanto, levantava os olhos para ver o ambiente e verificar se o seu namorado retornara. Nesses raros momentos, mesmo sabendo que a garota não tinha olhos para mais ninguém, Fernando lançava gestos para a menina, na esperança que ela permitisse uma aproximação. Mas, ela não dava bola para ninguém mesmo. Apenas para o seu maldito Facebook.

Talvez querendo se mostrar para o amigo visitante, talvez querendo punir o bagual por sua má-criação ou simplesmente por já está atraído pela guria, Fernando resolveu fazer uma aposta arriscada: escreveu algo num bilhete e pediu ao garçom para entregá-lo à menina. Ela, ao ler o que estava escrito, olhou para Fernando com uma cara de desaprovação e, coerentemente com suas atitudes desde o início da noite – centralizadas em seu namorado -, imediatamente amassou o pedaço de papel e o jogou no chão.

- hahahahaha.... Você é mesmo um otário, Fernando! Só porque o cara a deixou sozinha, você acha que ela iria dar para qualquer um?
- Pois, Tchê! Não sou de desistir não. Vou lá falar com essa prenda.
- Pois, trate-se de sentar. Lá vem o carinha de volta.

Fernando já havia se levantado da mesa, mas, observando o namorado da garota retornando, ele resolveu sentar novamente e se contentar em só observar os acontecimentos. O rapaz pareceu voltar mais nervoso do que antes. Gesticulava. Batia na mesa. Indeciso, tirava e colocava o cigarro na carteira. A menina, com um olhar de quem está por cima da situação, segurou em sua mão. Por uns instantes, os dois se calaram e só se olharam. Depois, aparentando superar o que quer que ela tivesse feito de tão ruim para ele ter ficado demasiadamente zangado, os dois finalmente se beijaram.

- Puuuuta que pariiiiu! (bem demorado)
- Hahahaha... Agora, você quer me pagar mais um chope ou podemos pedir a conta e ir embora?
- Garçom. Traz a conta, Tchê!

Por questão de coincidência ou por capricho do destino, Artur e Fernando pediram a conta e se levantaram para sair na mesma hora na qual o casal, agora reconciliado e feliz, o fez. Parecendo cena de um filme sem graça para Fernando, os quatro caminharam para a saída do pub como se fosse um grupo só de amigos. Só que desse grupo, a garota estava com um semblante de vitoriosa, o guri estava visivelmente apaixonado, Arthur estava vermelho de tanto rir e Fernando espumando de raiva. Ao chegar à saída, uma forte chuva obrigou o rapaz a correr ao estacionamento para pegar o seu carro, deixando a garota ao lado de Fernando, que, por sua vez, esperava junto a Arthur a chegada de um táxi  O silêncio dessa situação só não era maior que os pingos da chuva que castigava a já esvaziada Padre Chagas. O carro do garoto se aproximou e a menina foi embora, deixando no ar a lembrança de seus lindos olhos, o perfume de seus cabelos, a delicadeza de sua pele, a exatidão de seus bustos, os contornos de suas pernas e cochas e ... Aiaiai... Todo o resto que não se consegue traduzir por meio de palavras. O táxi apareceu e os dois embarcaram nele. Arthur, ainda com o sorriso no rosto, não se segurou.

- Fernando, eu adorei sair contigo. Da próxima vez que vier aqui em Porto Alegre, faço questão de sair novamente. E, já que você está pagando tudo hoje, aproveita para pagar o táxi também! Hahahahaha...

Como todo jogo só acaba com o apito final do árbitro, Fernando, esboçando um inédito sorriso maquiavélico no rosto, sacou um guardanapo do bolso da camisa e o entregou ao seu convidado fanfarrão.

- Bah, Tchê! Com todo prazer! Tu me traz sorte! Olha só.

No guardanapo, além de um número de celular, havia escrito: Liga para mim amanhã, Marcela. Cantando de galo, Fernando encerra:

- Tu precisa saber como as coisas funcionam antes de fazer uma aposta.

Por pior que pareça ser, uma noite pode guardar surpresas sempre imprevisíveis. Quem, dessa estória, pode se queixar de algo? Marcela teve seu namorado de volta. Arthur ganhou a aposta e não pagou um centavo no pub. Fernando, nos últimos instantes recebeu a melhor das possibilidades. E o namorado da Marcela, por não saber de nada, terá uma excelente noite de reconciliação com ela. De entediante, as noites da Padre Chagas não são nada!




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