segunda-feira, 7 de julho de 2014

Produtividade



Aproveitando o contrafluxo turístico, as férias escolares, a presença de familiares e a disponibilidade de hospedagens gratuitas, em meados de junho, partimos para a Bélgica, Holanda e Inglaterra. Chegando por lá e já no primeiro dia fomos conhecer o centro de Gante, cidade histórica e universitária, com 250 mil habitantes, a aproximadamente 60 quilômetros de distância ao norte de Bruxelas. Como de costume local e por insistência das meninas, paramos para comer batata frita com muita maionese. Entramos numa das muitas vendinhas de frituras que se espalham pela cidade e nos deparamos com uma fila respeitável de clientes. Para atender a todos os clientes, fritar as batatas e os diversos tipos de croquetes, arrumar e limpar a loja e tudo mais, havia apenas um estudante universitário querendo ganhar dinheiro em suas férias de verão. E por onde andei nessas férias foi assim: pouca gente trabalhando e muita máquina operando.

Não quero entrar numa discussão econômica, social ou ideológica. Tampouco quero trazer um aprofundado estudo científico para tentar provar alguma coisa. Trago uma percepção da produtividade, que é um tema que teremos que enfrentar enquanto sociedade que quer amadurecer e certamente será um dos embates políticos das próximas eleições.

Fazendo uma rápida pesquisa no Google, com as palavras-chave “produtividade”, “trabalhador” e “Brasil”, aparecem, entre outros, os seguintes tópicos:

  • Entenda por que a produtividade no Brasil não cresce (http://www.bbc.co.uk)
  • 'Economist': Trabalhador brasileiro precisa sair de 'letargia' para economia crescer (http://www.bbc.co.uk)
  • Brasil leva surra dos EUA em produtividade: como melhorar? (http://exame.abril.com.br)
  • Saiba como a produtividade no trabalho afeta a economia de um país (http://g1.globo.com)
  • Produtividade do trabalhador no Brasil está estagnada há 50 anos, diz Economist (http://www.portugues.rfi.fr)
  • Mantega diz que crítica à produtividade do trabalhador ofende o Brasil (http://agenciabrasil.ebc.com.br)

Portanto, a despeito da queixa governamental, é conhecido por todos que a produtividade brasileira é baixa e que se quisermos avançar economicamente, até mesmo pelo baixo desemprego alcançado, teremos de ser mais produtivos.

Em tempos de futebol, para entender produtividade nada melhor que fazer um paralelo com a Seleção Brasileira. No futebol o Brasil é uma potência e, neste mundial, caminhamos como previsto para as semifinais que ocorrerão nesta semana. De longe, observamos que a produtividade está boa, mas de perto vemos que ela é bem desigual entre os jogadores canarinhos. Por mais que Felipão tente justifica a presença de Fred, é inquestionável a improdutividade desse jogador nos cinco jogos que o Brasil já fez nessa copa. Fred tem sido um peso morto. Os outros jogadores têm de fazer mais para que o time ganhe, justamente porque Fred não faz a parte dele.

Isto é produtividade, ou melhor, no caso de Fred, improdutividade. Acontece no campo de futebol e, no Brasil, acontece na sociedade. Parte da sociedade brasileira tem de fazer muito mais para carregar a outra parte de sociedade que pouco ou nada faz. A causa disso tudo é muito ampla e facilmente confundida e, até mesmo, ideologicamente esquecida. Pensa-se, por exemplo, que trabalhar muito é ser produtivo. Não é! Assim como Fred, muitos trabalhadores entram em suas jornadas de trabalho e nada ou pouco fazem, deixando sobrecarregados outros trabalhadores ou simplesmente deixando de produzir. Estar em campo ou estar no trabalho simplesmente não eleva a produtividade, assim como errar chute/passe ou não produzir o que tem de ser produzido também gera o mesmo efeito.

Pensa-se também que tentar elevar a produtividade é um caminho para eliminar empregos e, pior, explorar o sofrido trabalhador brasileiro. Não é! Um bóia fria dos anos oitenta é muitíssimo menos produtivo que um operador de colheitadeira dos anos 2000. E não há dúvida de quem é ou foi mais explorado, certo? Assim como a seleção, a sociedade é um todo. Se um jogador não joga bem, outros terão de brilhar ou desempenhar mais para o time ganhar. Se um trabalhador é improdutivo, outros terão de produzir mais para o país ser competitivo ou crescer. Com o aumento dos níveis de emprego e a manutenção da produtividade, o que se tem, no fim das contas, é mais gente fazendo a mesma coisa e produzindo o mesmo. Exemplo disso se vê o tempo todo no Brasil, principalmente no que é diretamente relacionado à produtividade: educação, ambiente competitivo, tecnologia e inovação, burocracia, infraestutura e transportes.

Apesar das propagandas dizendo que a educação brasileira melhorou, a realidade é que estamos muito defasados e cada vez ficando mais atrás nisto. A escola pública que a prima em segundo grau de minha filha estuda, no município de Deurne, na Holanda, certamente garantirá a ela, além das competências nas disciplinas tradicionais, fluência em no mínimo três línguas além do holandês. Outro primo dela em segundo grau, identificado com QI elevado, foi transferido para uma escola pública especializada em alunos superdotados, no mesmo município de pouco mais de 31 mil habitantes. Onde no Brasil se tem isso?

O ambiente competitivo no Brasil é muito tímido e desestimulante. Se por um lado abrir empresa no Brasil e fazê-la competir é uma tarefa árdua, observa-se pouca competição a ser enfrentada pelas empresas já estabelecidas. Segundo David Landes (autor de A Riqueza e Pobreza das Nações), uma das circunstâncias para as nações europeias terem se desenvolvido mais que as demais foi o forte ambiente competitivo entre elas, coisa que historicamente e geograficamente não tivemos Brasil. Soma-se a isto o tradicional modelo de desenvolvimento protecionista e intervencionista de nosso Estado e o resultado que se tem é um ambiente muito acostumado ao status quo adquirido para atender ao mercado interno e, ano após ano, perda de competitividade internacional.

A burocracia atrapalha nossos negócios. Tudo por aqui parece ser mais difícil e feito para que seja necessária a prática do suborno.  Tente, por exemplo, comprar um terreno, uma casa ou um simples automóvel sem a ajuda de um despachante. É um inferno de papelada e perda de tempo em cartório. Legalizar uma empresa é mais trabalhoso ainda e se ela precisar de alvarás para funcionamento aí a coisa fica ainda mais traumática. Ainda para piorar, em algumas regiões, como no Rio de Janeiro, por exemplo, é impossível desenvolver um pequeno negócio sem separar no orçamento uma contribuição extraoficial para a sua segurança e segurança de seu negócio. No Brasil a burocracia só é eficiente para enriquecer a elite tecnocrata no poder.

A situação no desenvolvimento tecnológico não é melhor. Enquanto passamos anos gastando fortunas tentando transportar água do rio São Francisco para irrigar feijão no interior da Paraíba, dando um claro atestado de incompetência, corrupção e, por fim, improdutividade, ficamos atrás de todos nosso concorrentes no desenvolvimento tecnológico ou na aplicação de tecnologia à solução de necessidades imediatas da população. No Brasil as soluções faraônicas tiram o lugar das iniciativas locais. As universidades públicas são caras e pouco produzem. Mas, isso é quase uma consequência do baixo nível educacional, burocracia e pouca competitividade.

Por fim, a infraestrutura e os meios de transporte nacionais estão defasados em quase 100 anos. O Brasil não viveu a era das ferrovias, não acompanhou o avanço da navegação, pouco fez na aviação e a opção de rodoviária é uma piada. É caro demais deslocar alguma coisa ou alguém no Brasil, além de muito perigoso e lento. Conversando com um chileno em passagem por Pernambuco ele me relatou o quanto estava impressionado com a lentidão de nossas rodovias, além de ruins a todo momento se tem de parar por qualquer motivo: lombada, fiscalização, pedágio, buraco etc. Demora-se muito sair de um ponto A a um ponto B qualquer no Brasil. A mobilidade urbana é espelho dessa tragédia. O tempo que se perde dentro das cidades na locomoção é impensável em um país sério. As opções são poucas e congestionadas.

Ao chegar ao Brasil retornando das férias, vendo que a despensa estava vazia, imediatamente tive de ir ao supermercado renovar o estoque. Não dá para não perceber o choque de produtividade em todas das seções do supermercado. Tentei até pensar que por aqui eu estava sendo mais bem atendido, pois havia mais gente trabalhando para me servir no supermercado. Havia até uma pessoa para embalar as minhas compras! Um luxo só existente por aqui. Mas, quando saí com o carro no estacionamento, rendi-me ao óbvio. Controlando uma cancela automática, daquelas que se coloca o cartão de estacionamento e ela sobe sozinha, havia duas funcionárias no maior bate papo, indiferentes ao tempo e à função.

Apesar do rapaz que fritava batata frita, atendia ao caixa, limpava e servia as pessoas na vendinha de Gante não ter lavado as mãos ao montar o meu pedido, aquele foi o lanche mais instrutivo que tive em minha vida.

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