Aproveitando
o contrafluxo turístico, as férias escolares, a presença de familiares e a
disponibilidade de hospedagens gratuitas, em meados de junho, partimos para a
Bélgica, Holanda e Inglaterra. Chegando por lá e já no primeiro dia fomos
conhecer o centro de Gante, cidade histórica e universitária, com 250 mil
habitantes, a aproximadamente 60 quilômetros de distância ao norte de Bruxelas.
Como de costume local e por insistência das meninas, paramos para comer batata
frita com muita maionese. Entramos numa das muitas vendinhas de frituras que se
espalham pela cidade e nos deparamos com uma fila respeitável de clientes. Para
atender a todos os clientes, fritar as batatas e os diversos tipos de
croquetes, arrumar e limpar a loja e tudo mais, havia apenas um estudante
universitário querendo ganhar dinheiro em suas férias de verão. E por onde
andei nessas férias foi assim: pouca gente trabalhando e muita máquina
operando.
Não quero
entrar numa discussão econômica, social ou ideológica. Tampouco quero trazer um
aprofundado estudo científico para tentar provar alguma coisa. Trago uma
percepção da produtividade, que é um tema que teremos que enfrentar enquanto
sociedade que quer amadurecer e certamente será um dos embates políticos das
próximas eleições.
Fazendo uma
rápida pesquisa no Google, com as palavras-chave “produtividade”, “trabalhador”
e “Brasil”, aparecem, entre outros, os seguintes tópicos:
- Entenda por que a produtividade no Brasil não cresce (http://www.bbc.co.uk)
- 'Economist': Trabalhador brasileiro precisa sair de 'letargia' para economia crescer (http://www.bbc.co.uk)
- Brasil leva surra dos EUA em produtividade: como melhorar? (http://exame.abril.com.br)
- Saiba como a produtividade no trabalho afeta a economia de um país (http://g1.globo.com)
- Produtividade do trabalhador no Brasil está estagnada há 50 anos, diz Economist (http://www.portugues.rfi.fr)
- Mantega diz que crítica à produtividade do trabalhador ofende o Brasil (http://agenciabrasil.ebc.com.br)
Portanto, a
despeito da queixa governamental, é conhecido por todos que a produtividade
brasileira é baixa e que se quisermos avançar economicamente, até mesmo pelo
baixo desemprego alcançado, teremos de ser mais produtivos.
Em tempos de
futebol, para entender produtividade nada melhor que fazer um paralelo com a
Seleção Brasileira. No futebol o Brasil é uma potência e, neste mundial,
caminhamos como previsto para as semifinais que ocorrerão nesta semana. De
longe, observamos que a produtividade está boa, mas de perto vemos que ela é
bem desigual entre os jogadores canarinhos. Por mais que Felipão tente
justifica a presença de Fred, é inquestionável a improdutividade desse jogador
nos cinco jogos que o Brasil já fez nessa copa. Fred tem sido um peso morto. Os
outros jogadores têm de fazer mais para que o time ganhe, justamente porque
Fred não faz a parte dele.
Isto é
produtividade, ou melhor, no caso de Fred, improdutividade. Acontece no campo de
futebol e, no Brasil, acontece na sociedade. Parte da sociedade brasileira tem
de fazer muito mais para carregar a outra parte de sociedade que pouco ou nada
faz. A causa disso tudo é muito ampla e facilmente confundida e, até mesmo,
ideologicamente esquecida. Pensa-se, por exemplo, que trabalhar muito é ser
produtivo. Não é! Assim como Fred, muitos trabalhadores entram em suas jornadas
de trabalho e nada ou pouco fazem, deixando sobrecarregados outros
trabalhadores ou simplesmente deixando de produzir. Estar em campo ou estar no
trabalho simplesmente não eleva a produtividade, assim como errar chute/passe
ou não produzir o que tem de ser produzido também gera o mesmo efeito.
Pensa-se
também que tentar elevar a produtividade é um caminho para eliminar empregos e,
pior, explorar o sofrido trabalhador brasileiro. Não é! Um bóia fria dos anos oitenta é muitíssimo menos produtivo que um operador de colheitadeira dos anos 2000. E não há dúvida de quem é ou foi mais explorado, certo? Assim como a seleção, a
sociedade é um todo. Se um jogador não joga bem, outros terão de brilhar ou
desempenhar mais para o time ganhar. Se um trabalhador é improdutivo, outros
terão de produzir mais para o país ser competitivo ou crescer. Com o aumento
dos níveis de emprego e a manutenção da produtividade, o que se tem, no fim das
contas, é mais gente fazendo a mesma coisa e produzindo o mesmo. Exemplo disso se vê o tempo todo no
Brasil, principalmente no que é diretamente relacionado à produtividade:
educação, ambiente competitivo, tecnologia e inovação, burocracia,
infraestutura e transportes.
Apesar das
propagandas dizendo que a educação
brasileira melhorou, a realidade é que estamos muito defasados e cada vez
ficando mais atrás nisto. A escola pública que a prima em segundo grau de minha
filha estuda, no município de Deurne, na Holanda, certamente garantirá a ela,
além das competências nas disciplinas tradicionais, fluência em no mínimo três
línguas além do holandês. Outro primo dela em segundo grau, identificado com QI
elevado, foi transferido para uma escola pública especializada em alunos
superdotados, no mesmo município de pouco mais de 31 mil habitantes. Onde no
Brasil se tem isso?
O ambiente competitivo no Brasil é muito
tímido e desestimulante. Se por um lado abrir empresa no Brasil e fazê-la
competir é uma tarefa árdua, observa-se pouca competição a ser enfrentada pelas
empresas já estabelecidas. Segundo David Landes (autor de A Riqueza e Pobreza
das Nações), uma das circunstâncias para as nações europeias terem se
desenvolvido mais que as demais foi o forte ambiente competitivo entre elas,
coisa que historicamente e geograficamente não tivemos Brasil. Soma-se a isto o
tradicional modelo de desenvolvimento protecionista e intervencionista de nosso
Estado e o resultado que se tem é um ambiente muito acostumado ao status quo adquirido para atender ao
mercado interno e, ano após ano, perda de competitividade internacional.
A burocracia atrapalha nossos negócios.
Tudo por aqui parece ser mais difícil e feito para que seja necessária a
prática do suborno. Tente, por exemplo,
comprar um terreno, uma casa ou um simples automóvel sem a ajuda de um
despachante. É um inferno de papelada e perda de tempo em cartório. Legalizar
uma empresa é mais trabalhoso ainda e se ela precisar de alvarás para
funcionamento aí a coisa fica ainda mais traumática. Ainda para piorar, em
algumas regiões, como no Rio de Janeiro, por exemplo, é impossível desenvolver
um pequeno negócio sem separar no orçamento uma contribuição extraoficial para
a sua segurança e segurança de seu negócio. No Brasil a burocracia só é
eficiente para enriquecer a elite tecnocrata no poder.
A situação no
desenvolvimento tecnológico não é
melhor. Enquanto passamos anos gastando fortunas tentando transportar água do
rio São Francisco para irrigar feijão no interior da Paraíba, dando um claro
atestado de incompetência, corrupção e, por fim, improdutividade, ficamos atrás
de todos nosso concorrentes no desenvolvimento tecnológico ou na aplicação de
tecnologia à solução de necessidades imediatas da população. No Brasil as
soluções faraônicas tiram o lugar das iniciativas locais. As universidades
públicas são caras e pouco produzem. Mas, isso é quase uma consequência do
baixo nível educacional, burocracia e pouca competitividade.
Por fim, a infraestrutura e os meios de transporte
nacionais estão defasados em quase 100 anos. O Brasil não viveu a era das
ferrovias, não acompanhou o avanço da navegação, pouco fez na aviação e a opção
de rodoviária é uma piada. É caro demais deslocar alguma coisa ou alguém no
Brasil, além de muito perigoso e lento. Conversando com um chileno em passagem
por Pernambuco ele me relatou o quanto estava impressionado com a lentidão de
nossas rodovias, além de ruins a todo momento se tem de parar por qualquer
motivo: lombada, fiscalização, pedágio, buraco etc. Demora-se muito sair de um
ponto A a um ponto B qualquer no Brasil. A mobilidade urbana é espelho dessa
tragédia. O tempo que se perde dentro das cidades na locomoção é impensável em
um país sério. As opções são poucas e congestionadas.
Ao chegar ao
Brasil retornando das férias, vendo que a despensa estava vazia, imediatamente
tive de ir ao supermercado renovar o estoque. Não dá para não perceber o choque
de produtividade em todas das seções do supermercado. Tentei até pensar que por
aqui eu estava sendo mais bem atendido, pois havia mais gente trabalhando para
me servir no supermercado. Havia até uma pessoa para embalar as minhas compras!
Um luxo só existente por aqui. Mas, quando saí com o carro no estacionamento,
rendi-me ao óbvio. Controlando uma cancela automática, daquelas que se coloca o
cartão de estacionamento e ela sobe sozinha, havia duas funcionárias no maior
bate papo, indiferentes ao tempo e à função.
Apesar do
rapaz que fritava batata frita, atendia ao caixa, limpava e servia as pessoas na
vendinha de Gante não ter lavado as mãos ao montar o meu pedido, aquele foi o
lanche mais instrutivo que tive em minha vida.