quinta-feira, 12 de junho de 2014

Carta de Amor


11 de junho de 2014, após meio dia.

Um jornalista estava sentado à mesa de um restaurante no centro do Rio, daqueles restaurantes que se senta ao balcão, comendo um almoço magro na dimensão de seu salário mensal, quando dele se aproximou um pedreiro.

— Desculpe-me senhor, mas gostaria que o senhor escrevesse uma carta para mim.

Assustado, o jornalista respondeu ao desajeitado pedreiro:

— Eu? Por que eu?
— É que me disseram que o senhor é jornalista e como tal eu acho que é a pessoa mais certa para me ajudar. Não que eu não saiba escrever, mas esse tipo de assunto eu não levo jeito.

Curioso com a inusitada situação, o jornalista indagou:

— E que tipo de assunto seria este?
— Uma carta de amor.
— Uma carta de amor? E para quem seria?
— Para ela doutor. Para ela!

O pedreiro retirou uma foto de sua carteira e a entregou ao jornalista.

— E o que você quer que eu diga?
— Não sei doutor. Se eu soubesse não estaria aqui te incomodando.

Vendo que o jornalista estava relutante, o pedreiro insistiu um pouco mais.

— Doutor, ela está na Paraíba e faz mais de um ano que não nos vemos. Quero mandar essa carta amanhã que é dia dos namorados.

Aquela situação o levou a assumir a encomenda e durante toda a noite ele, o jornalista, que não tinha um relacionamento amoroso há muito tempo se colocou a rabiscar e escrever linhas e mais linhas para ela, a amada do pedreiro. Mas, faltava-lhe inspiração. Como poderia ele escrever palavras bonitas se ele não estava namorando ou apaixonado?

A foto entregue pelo pedreiro não o ajudava muito, pois além desgastada e suja, apenas aparecia parte do rosto da mulher. Talvez por timidez dela ou falta de habilidade do fotógrafo, o que se via não revelava muito ao jornalista e depois de quatro doses de whisky barato, uma carteira de cigarro e uma lixeira cheia de papéis amassados, ele desistiu da empreitada e simplesmente desmaiou no sofá.

Em seu sono, geralmente profundo, pois ele só se deitava quando deveras cansado, o jornalista sonhou. E em seu sonho a mulher do pedreiro apareceu. Das poucas e tímidas imagens do seu rosto na foto se revelou uma mulher linda e, nessa revelação, ela ficou nua. Desnudada em tudo e simplesmente perfeita, a mulher sem cerimônia se entregou ao jornalista que já não sabia como era bom possuir uma mulher com desejo e paixão. E a paixão foi tanta e o desejo também, que não foi apenas uma vez, mas a noite toda no deleite de uma deusa que ele, em sua vida real, nunca tivera.

Ao amanhecer, no dia 12 de junho de 2014, revigorado de um sono que não se quer que termine e, de certa forma exausto, o jornalista se pôs a escrever freneticamente. Escreveu como jamais havia escrito, pois amou como jamais havia amado.

Ao ir ao trabalho, o jornalista pôs a carta em seu bolso, mas não sabia se iria entregá-la ou não. Estavam tão intensas e profundas suas palavras que ele ficou receoso quanto à possível reação do pedreiro.

Passou a manhã assim: na dúvida. Mas, o clima de abertura da Copa do Mundo desviou seu pensamento e já na concentração para a partida do Brasil e Croácia, em companhia de seus amigos, num bar de uma das inúmeras esquinas do centro da cidade, ele sentiu um toque em seu ombro. Era uma mão forte e áspera, mas gentil. Era o pedreiro.

— E aí doutor? O senhor conseguiu escrever?

Hesitante, o jornalista puxou a carta do bolso e a entregou. A encomenda foi prontamente lida pelo pedreiro, que de tão feliz suspirou:

— É isso! É justamente isso que eu queria dizer doutor. Só não sabia!

Agradecido, o pedreiro saiu imediatamente para por a carta nos Correios. O jornalista voltou seus olhos para a TV, junto a seus amigos de bar. Ao som do hino nacional e com a imagem da Seleção em campo, o jornalista pensou e sorriu, pois nunca imaginara ter uma noite tão boa justamente no dia dos namorados.

...Seja feliz!

(Adaptado de Carta de Amor de Salomão Schvartzman)

domingo, 8 de junho de 2014

Deixa de bobeira. Deixa de bobagem. Já virou sacanagem!

À véspera de mais uma Copa do Mundo, o brasileiro – escrevo isso generalizando um sentimento particular – tem emoções de marido traído, no mais puro estilo de Nelson Rodrigues. Se, por um lado, vemos que o legado da Copa vai ser um monte de obras inacabadas ou não iniciadas, uma dívida enorme a pagar e alguns belos estádios a admirar, por outro, ainda ficamos fascinados pelo encantamento que o espetáculo proporciona e pela possibilidade real e concreta de sermos mais uma vez campeões mundiais.

Lembro-me bem de como foi diferente o sentimento que uma amiga minha teve na Copa da Alemanha em 2006. Como alemã, mas residindo e estudando no Brasil, ela retornou ao seu país para passar as férias e curtir o evento. Após a Copa, ao voltar ao Brasil para concluir seus estudos, ela me relatou o quanto o seu país havia mudado com a Copa. Não que a Copa tivesse sido prerrogativa para trazer investimentos ou melhorias públicas. Certamente isso também aconteceu por lá. Mas, a Alemanha não é o Brasil e, portanto, não precisa de eventos midiáticos como a Copa ou as Olimpíadas para proporcionar o desenvolvimento. Ela falava da mudança na visão de seu povo sobre eles mesmos. Na autoestima do povo alemão. Para ela, as lembranças e o peso da II Guerra Mundial haviam encerrado ali na Copa e que os jovens já não carregavam nas suas costas a culpa do passado. A Copa foi, portanto, um momento de celebração e reencontro da Alemanha com e para o mundo. Tanto é assim que vimos na cerimônia dos 70 anos do dia D a presidente Angela Merkel ao lado dos representantes de outros países que, na época da Guerra, eram seus inimigos.

Aqui no Brasil a situação é bem diferente. À presidente Dilma foi recomendada não ir à abertura da Copa para não ser vaiada, assim como aconteceu na Copa das Confederações. Isso, mais que um simples cuidado com a imagem da presidente, é a reverberação de um país no qual sua população está dividida entre o prazer e a tortura. Para abafar o caso, nunca se gastou tanto na história desse país com propaganda governamental. Não há um comercial que não se veja uma propaganda direta ou indireta do governo. Estamos vivendo uma verdadeira ditadura da mídia comandada pelo governo de plantão. O pior é que, na maioria das vezes, são propagandas falaciosas e alienantes, que só servem para calar a opinião pública ou dar resposta às acusações da dita mídia imperialista. Não por acaso, a mesma mídia imperialista que recebe rios de dinheiro do Governo.

Em algumas dessas propagandas são tão evidentes a tentativa de ludibriar o brasileiro que parece que o Governo tem a total certeza da imbecilidade geral da nação. Foi o caso da propaganda da transposição do rio São Francisco, obra faraônica que engana os nordestinos na promessa desvairada de acabar com seca por meio de um canal redentor. Ao mesmo tempo em que o Governo gastava milhões na transmissão dessa propaganda nas mídias imperialistas mais caras do Nordeste, registrava-se uma seca que se arrastava e ainda se arrasta por três anos e denúncias de desperdício de dinheiro na compra de cisternas não utilizadas. A obra da transposição, evidentemente atrasada, é um afronta a qualquer projeto que se possa imaginar bem feito. Certamente não vai ficar pronta nessa gestão, nem na próxima e muito menos nos limites do orçamento aprovado. Outro caso, aqui no Rio, é a propagando do investimento do Governo na melhoria da educação. Ao mesmo tempo em que o Governo gasta dinheiro na TV dizendo que vai construir mais de duzentas unidades educacionais e que essa gestão é a que mais se importa com a educação, os professores fazem manifestações e paralisações por melhorias salariais e nas condições de trabalho. Onde foi parar a coerência?

Se as propagandas são falaciosas, os depoimentos não são menos lunáticos. Algo de quem tem a pura certeza do entorpecimento e da asneira da população. O episódio dos médicos cubanos é um exemplo claro disso. Com o argumento de que os médicos brasileiros são mercenários, o Governo brasileiro importa trabalho escravo cubano na tentativa de remediar com Merthiolate o câncer da saúde pública, esquecendo os rios de dinheiro desviados nas compras superfaturadas dos hospitais públicos e na péssima gestão dos plantões médicos. Esse episódio e o da patética e irresponsável redução das tarifas elétricas e suas justificativas mais cabeludas possíveis dão o tom das tentativas desenfreadas de ludibriar o povo. O ministro da aviação civil, Moreira Franco, outro exemplo, afirmava há três meses que os aeroportos estariam em plena condição para a Copa. Seria para dar muita gargalhada! Mas, é trágico ver o aeroporto de Brasília ser alagado na primeira chuva que caiu após a inauguração de sua ampliação, ou ficar esperando uma mala que não aparece nunca em um galpão improvisado no Galeão, ou ainda aguentar em pé e no calor o atraso dos voos no aeroporto de Vitória. Interessante mesmo é ver a performance do ministro dos esportes, o comunista Aldo Rebelo. Na pose de seu denso bigode, Rebelo não consegue segurar o incômodo que é dar justificativas sobre os gastos e o legado da Copa. Acredito que essa atividade que usa intensamente óleo de peroba na cara tenha ficado ainda mais difícil depois da garfe suicida da filha de Ricardo Teixeira, Joana Havelange, que postou em seu Instagram que o que já tinha de ser roubado e gasto com a Copa já foi e que agora era para simplesmente torcer. Querendo tapar o sol com a peneira, foi também o que pediram a presidente Dilma e o presidente da FIFA, Joseph Blatter.

Mas, eu pergunto: como o povo pode torcer se nem pode comprar uma camisa oficial da seleção? O preço de uma camisa oficial é R$ 225, ou seja, aproximadamente 1/3 do salário mínimo. Devemos comprar uma pirata? E se o cidadão quiser comprar um ingresso para Copa, ai eu deixo com vocês o palpite do preço que ele terá de pagar. Paga-se muito nesse pais e se recebe muito pouco. Mês passado o brasileiro acabou de pagar o que devia ao seu país. Ou seja, 5 meses anuais de nossas vidas inteiramente destinados a financiar, por meio dos impostos, tudo isso:  Copa, médicos cubanos, redução da tarifa da energia elétrica, transposição do Rio São Francisco, investimento na educação e outras maravilhas dessa gestão. Eu, como sou mais estúpido que os demais brasileiros, ainda gasto mais um mês no trajeto casa-trabalho e trabalho-casa, pois a velocidade média do ônibus que pego é de 10 km/h, dado o engarrafamento caótico e diário do Rio de Janeiro (há cidades piores). Portanto, no meu caso, são 6 meses por ano de vida dada à nação. Se considerar que ainda pago escola e saúde particulares, essa conta sobe mais.

Quando eu paro para pensar nisso, logo me vem à cabeça a letra da música de Zé Paulo, um dos hits de sucesso do axé do século passado:

A gente não pode comer arroz
A gente não pode comer feijão
Ainda tem que andar descalço
Sem ter que pisar no chão

Deixa de bobeira
Deixa de bobagem
Já virou
Sacanagem







Imagem do site: https://andradetalis.wordpress.com/2013/05/23/para-arranjar-um-emprego-temporario-voce-tem-que-estudar/




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