terça-feira, 21 de julho de 2015

Quarenta!



Estranhamente, acordei no dia 16 de julho da mesma forma como acordara nas noites anteriores. Ainda tinha duas pernas, dois braços, dois olhos e todo o resto do corpo visível. Levantei-me e fui conferir no espelho e notei a mesma cara inchada e amassada de todas as manhãs. A preguiça era a mesma e os bocejos tão frequentes quanto antes. Não contente, despi-me de toda roupa para conferir se tudo permanecia no lugar e no formato habitual. Nada havia mudado, nem para melhor e nem para pior. Se não houve mudança física, então só poderia ter havido mudança mental. Foi a hipótese que veio a minha cabeça.

Fui tomar café pensando nas teorias de aprendizagem e suas derivações para o conhecimento da memória de curto, médio e longo prazo. Fisicamente eu poderia estar o mesmo, mas mentalmente eu já poderia demonstrar algum sinal de mudança, como um Alzheimer, por exemplo. Entre um gole de café e uma mastigada num sanduíche, resolvi fazer um teste comigo mesmo. Quem descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral. Onde você nasceu? Campina Grande. Qual o nome da sua primeira escola? O Pequeno Príncipe. Qual o nome da primeira rua onde você morou em Salvador? Rua Professor Souza Brito. Qual o nome do chefe que você mais odiou? Silvio. Qual o nome do chefe que você mais amou? Nádia. Onde você mora? Natal. Em que dia sua filha nasceu? 26. O que é um citoplasma? Algo que tem a ver com células, mas que eu não sei ao certo para que serve ou o que faz. Qual o teorema de Pitágoras? O quadrado da hipotenusa é a soma do quadrado dos catetos. Qual a placa de seu carro? Não sei. O que você comeu ontem no almoço? Teve peixe, mas o resto não saberia descrever. Com essa última, concluí que estava tudo normal. De fato, eu era eu mesmo. Inteirinho. Não havia mudado nada. Nem física e nem mentalmente. Isso foi incrível.

Mas, como pode isso? Não mudar nada?

Lembro-me de quando eu era criança e minha mãe estava comemorando os 40 anos dela. Na oportunidade, ela fez uma festa memorável. Foi a primeira e única festa daquele porte que ela proporcionou. Muita gente e muita comida boa, feita por um chef especialmente contratado para o evento. Coisa única mesmo, pois minha mãe costuma assumir o controle da cozinha em tudo. Mas, o fato era que estava tudo muito bom. Naquela noite eu a olhava admirado, contente por estar fazendo parte daquilo tudo e, ao mesmo tempo, preocupado. Preocupado porque, no meu olhar infantil, eu achava que minha mãe estava ficando muito velha. Quarenta anos para mim era algo tão longe, tão inatingível e tão perigosamente assustador que eu não me imaginava chegando a tal idade. Eu não sabia o que viria após os 40 anos. Como cenários sombrios dos personagens malvados dos desenhos animados que eu assistia à época (Esqueleto de He-Man; Mun-Ha de Thundercats), não deveria ser nada bom. Certamente eu não chegaria aos 40. Não só cheguei, como cheguei rápido.

Indo ao trabalho e desfrutando de um transito que ainda se pode filosofar ao dirigir, duvidei da minha conclusão de que nada havia mudado. A comparação não pode ser curta. Não se modifica de um dia para o outro, é um processo lento. A grandeza da comparação deve ser do tamanho da idade, em décadas. Não se compara 40 com 39, mas sim com 30, com 20 ou com 10. Dessa forma sim, comecei a ver grandes transformações. Dos 10 para os 20, além do crescimento físico, mudanças de endereço e de personalidade. De um guri buchudo do interior, para um universitário na capital baiana. Dos 20 para os 30, mudanças de status social, de objetivos e de fisiologia. De um solteiro, duro e devorador inconsequente de calorias, para um casado, endividado e iniciante da busca interminável do bom condicionamento físico (incluindo o peso). Dos 30 para os 40, foi o período do desenvolvimento cognitivo, estabilidade financeira e continuidade genética. Uma filha, uma dissertação e uma tese foram os frutos desse período. Também um período de maior prática esportiva e muitas mudanças geográficas e de emprego.

Pois bem, terminei a minha reflexão filosófica sobre as mudanças, se eram perceptíveis ou não, ao me deparar com o portão de entrada do meu trabalho. Nesse instante, o vigia que me olhava ao passar o crachá e abrir a cancela para o estacionamento me disse: tenha um bom dia de trabalho, senhor. Senhor. Está aí a palavra, um substantivo que qualifica e expressa bem essa mudança. Senhor. Senhor. Senhor.... Antes era moço ou rapaz. Agora é senhor.

Lembrei-me que não deveria ir ao escritório e sim às salas de treinamento, pois deveria participar de um treinamento para saúde, segurança e meio ambiente. Tratava-se de um curso da norma NR-20, para locais onda há estoque de materiais inflamáveis. Ao chegar à sala, deparei-me com uma turma de estagiários. Como havia me transferido de outra unidade, eu era o único empregado que não havia recebido esse treinamento. Além de mim, só os estagiários recém contratados estavam fazendo o curso. Superado o nítido contraste que eu fazia naquela turma de 20 anos, deparei-me com outra evidência das mudanças que o ano provoca. Explicando a necessidade de redundância na avaliação de riscos de qualquer ambiente ou situação, o instrutor fez uma analogia um tanto quanto complicada para o meu estado de espírito daquele dia.

Ele explicou que, quando se trata de segurança, nunca se pode confiar em um único indicador. Ele estava falando de alarmes de incêndio, detectores de fumaça, indicadores de temperatura, mapeamento de riscos e outros mecanismos necessários para garantir a saúde e segurança de todos. Para exemplificar que a redundância é importante, meu colega instrutor lembrou a experiência dele com o temível exame de próstata, quando completara 40 anos. Diante do médico, ele apresentou o resultado dos exames laboratoriais e laudo apontando que sua saúde estava excelente. Pensando que ia ser dispensado do exame de toque, ele foi surpreendido com o médico apontando para uma maca e ordenando que ele retirasse a roupa. Além de nunca ter esquecido das lições de redundância daquele médico e de utilizá-las em suas aulas, ele acabou me alertando para a inevitável e não mais adiável experiência que irei ter.

Fazer 40 é assim: querer manter a potência dos de 20 e o espírito dos de 30, mas já apresentar a necessidade de manutenção dos de 50. 

A conclusão disso tudo é que as mudanças sempre existirão e que não adianta lutar contra elas. Pelo contrário, deve-se tentar aproveitar ao máximo todas as suas fases e felicitar as pessoas que estão ao seu lado. Sua família e seus amigos. Eles também estão passando por isso e irão te ajudar a descobrir o sentido de sua vida.


Postagens populares