quinta-feira, 14 de abril de 2016

Conversas com um psicólogo



Ela chegou ao consultório como se chegasse atrasada em uma festa infantil, completamente por fora da situação. Situação, esta, nova e inusitada para ela, completamente acostumada a mandar e a ser obedecida. Sempre soberana, lá estava ela tentando se encontrar naquele ambiente à meia luz, confortável e com uma música suave ao fundo.

- Pode se sentar. Sinta-se o mais confortável possível. – falou o psicanalista, notando que sua cliente apenas observava o ambiente, sem tomar qualquer atitude.

- Aqui? – perguntou a cliente, um tanto quanto vacilante.

- Sim. Por favor! Se quiser tirar os sapatos...

- Não! – negou prontamente a gentil oferta. Tirar os sapatos para ela, uma mulher extremamente elegante e no auge de sua carreira, para uma pessoa praticamente estranha, seria um despautério.

- Tudo bem. Então, ao menos, coloque sua bolsa sob a mesa de apoio. Assim você fica mais à vontade.

- Você sabe quem sou eu, não sabe? – perguntou a cliente, sentando-se e estranhando a naturalidade do psicólogo até aquele momento.

- O importante aqui não é eu saber quem você é e sim você saber quem você é.

- Quem sou eu? Parece-me óbvio, não?

- Tem certeza?

- Você tem razão. – a cliente parou para pensar um pouco. – Ultimamente nem eu sei quem eu sou.

- Então, eu suponho que é esse o seu motivo por estar aqui.

- Não! Claro que não. Bem... talvez...

- O que traz você aqui, então?

- É que... estão querendo me separar? – falou a cliente de maneira vacilante.

- Você é casada? Não vejo a aliança...

- É como se fosse.

- Há quanto tempo? Digo... há quanto tempo você é casada?

- Seis... quase sete anos.

- Com quem você se casou?

- Preferia não falar.

- Se você não quiser falar o nome, tudo bem. Chame por um pseudônimo para termos uma referência.

- Vou chamar de P. P está bem?

- Sim... então, você vai se separar de P?

- É o contrário. P é que está querendo se separar de mim.

- Qual o motivo?

- Injúria! – a cliente levantou o braço e o dedo ao proferir enfaticamente a palavra.
- Injúria?

- Sim... difamam-me o tempo todo e P acredita nisso.

- Por que a difamam?

- Parece óbvio, não?

- Nada é óbvio.

- Então vou deixar bem óbvio: M quer ficar com P.

- M?

- Sim. Essa pessoa está por trás de tudo.

- Então tem outra nessa relação?

- Toda relação tem outra pessoa atrapalhando, não é doutor?

- Não importam as outras relações, apenas a sua. Fale-me mais sobre P.

- P é um ingênuo. Não está acostumado com o mundo. Ele ganhou a liberdade, mas não sabe decidir o que quer e todos conseguem o influenciar... agora ele quer ir embora. – falou a cliente, um pouco melancólica.

- E por que você não deixa ele ir embora?

- Está louco? M ficaria com P. M não presta.

- Você presta?

- Não entendi. – a cliente fez uma expressão de poucos amigos.

- Você disse que M não presta. Mas, P está indo para M. Então, você presta?

- Claro que presto!

- Então, por que P está indo embora?

- Já falei. P é ingênuo, não sabe o que faz.

- E você? Você sabe o que faz?

- Claro! Uma mulher como eu, no posto que ocupo, na importância que tenho... sempre soube o que fazia... sempre sei o que faço.

- Vou mudar a pergunta. Por que você quer que P fique?

- Não entendi! – a cliente fez uma expressão de paisagem.

- Você é uma pessoa muito importante e assertiva, não é?

- Sim, obviamente! Melhor: aparentemente, sim. – corrigiu-se a cliente.

- Por que uma pessoa, com seu status, manteria um relacionamento com outra, ingênua e que não sabe discernir bem as coisas? Como o P.

-  É que... – a cliente interrompeu a fala para pensar.

- Sim? – instigou o psicólogo, vendo que a cliente havia parado em suas próprias razões.

- É que... de uns tempos para cá... como posso dizer? – vacilou a cliente.

- Apenas diga.

- De uns tempos para cá... eu não sei mais viver sem o P. Pronto! Disse.

- E, por que você não pode viver mais sem o P?

- Você não vai querer saber...

- Podemos ficar calados, um olhando para o outro. Mas, isso não vai te ajudar.

- Está certo. Vamos lá... tenho que admitir que sem o P eu não seria o que sou.

- Então, você é precisa do P, mas o P não precisa de você?

- Por que você pergunta isso?

- Ora, P está te deixando e você não quer que ele vá.

- Sim, sim... não posso mais viver sem o P. – a cliente começou a chorar.

- Tenha calma! Tome um copo d’água. – o psicólogo ofereceu um pouco de água mineral, a qual a cliente bebeu alguns goles.

- Desculpe-me. Estou uma pilha com isso tudo. Aquele M cretino! Ele é quem fez a cabeça de P contra mim.

- Você culpa apenas ao M?

- Não! Claro que não! Tem o A e a fofoqueira da G. Ninguém presta!

- A, G...

- A, G, E, F...

- São muitos assim contra você?

- Tem muito mais, não saberia numerar.

- Alguém a seu favor?

- Tem o L.

- Esse presta?

- Também não! É o pior deles.

- Agora sou em que não entendi.

- Ele é meu amigo, mas também quer ficar com o P.

- Que relação estranha!

- Estranha mesmo. – a cliente se serviu de mais água.

- Você culpa a todos... mas, que culpa tem você?

- Eu?

- Sim. Não é para isso que você veio aqui?

- Eu quero que você me ajude a não me separar de P.

- Isso eu não posso fazer. Apesar de P ser ingênuo, como você diz, ele tem capacidade de tomar as suas decisões.

- Então, para que servem profissionais como você?

- Para ajudar a você se conhecer melhor.

- Isso eu não quero saber. De que me serviria isso?

- Talvez você descobrisse que não precisa tanto do P quanto imagina...

- Doutor, acho que você não está entendendo nada.

- Não?

- Não! É melhor você apagar de seus registros a minha passagem por aqui... você sabe... depois a G descobre e vai espalhar para todo mundo que eu estou ficando louca. 

- Posso fazer mais alguma coisa por você? – perguntou o psicólogo vendo a cliente sair.

- O senhor pode me receitar algum remédio para dormir? Não durmo há dias.

- Não sou psiquiatra.

- Ah... nem isso! E ainda queriam que eu permitisse trabalhar por apenas seis horas. – a cliente bateu a porta do consultório, deixando para trás o psicólogo coçando a cabeça.








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