sábado, 29 de agosto de 2009

Estratégia Circense

Na Bahia, assim como no Brasil, existem muitos provérbios que servem de consolo quando não temos o que necessitamos ou desejamos, mas precisamos utilizar algo (bens ou serviços) em substituição. É assim quando dizemos: quem não tem cão caça com gato. Ou então: se não aguenta vara, peça cacetinho (esse é baiano). Ou ainda: se só tem tu, vai com tu mesmo (esse é paraibano).

Nesse mês de espetáculos circenses, poderíamos inventar outro provérbio: quem não vai ao Cirque du Soleil se contenta com o Europeu.

O Cirque du Soleil, de origem canadense, como muita gente sabe, está em temporada aqui no Brasil com a peça Quidam. Vocês podem curtir um pouco no youtube (
http://www.youtube.com/watch?v=cUM5EWwxar8). Trata-se de um fabuloso espetáculo onde as possibilidades humanas são testadas ao limite. Coragem, destreza, equilíbrio, força, leveza, sincronismo, bom humo, beleza e trabalho em equipe são umas das muitas qualidades transmitidas pelos integrantes do Cirque. A moral da peça é a recuperação ou a resignificação do sentido da vida, perdido no nosso dia-a-dia.

Para além da peça, o Cirque também oferece um espetáculo de organização. Mercadologicamente falando, tudo é pensado para satisfazer e encantar o público presente. O Cirque é caro, mas vale cada centavo. As entradas variam entre pouco mais de 120 reais (estudante na fileira Z) a bem mais de 600 (na fileira A frontal). O estacionamento comum custa 20 reais. A pipoca (com manteiga) sai por 11 ou 13 reais. O refrigerante (gelado) sai por 6 reais a lata. Em compensação a peça é surpreendente, emocionante e irretocável. As duas horas do show passam num piscar de olhos. O ambiente é climatizado, extremamente limpo e muito confortável. O serviço oferecido, incluindo a segurança, é digno de país civilizado. O resultado disso tudo é que você não consegue ir para casa sem levar um DVD do Quidam, por uma pechincha de 49 reais.

Localizado um pouco antes do Cirque du Soleil, na mesma avenida, encontra-se o não tão abastardo e glorioso Circo Europeu, que se apresenta em Salvador no mesmo mês do seu concorrente canadense.

Apesar de europeu no nome, esse circo é bem brasileiro e, como todo circo brasileiro, carece de recursos, estrutura e muita imaginação. A principal atração do Circo Europeu é Chiquino, um palhaço soteropolitano de quinta categoria, que fica usurpando o publico e que ocupa a metade final do espetáculo de pouco mais de uma hora. Como não tem competência e tampouco criatividade, Chiquinho e seu insuportável ajudante ficam recrutando espectadores para que eles dancem, rebolem e se exponham ao ridículo. Tirando Chiquinho, os outros integrantes do Circo Europeu até que se esforçam para transmitir um mínimo de atração. O momento ápice é quando entram cinco motos no Globo da Morte, o que alivia a crítica quanto ao resto do espetáculo e à precária estrutura.

Para entrar no Circo Europeu não se paga muito. O ingresso mais caro é de 30 reais e criança abaixo de 4 anos não paga. A pipoca, o refrigerante e o algodão doce custam o mesmo: 3 reais. O estacionamento fica por 10 reais. Apesar desses preços, o Circo Europeu não vale o que cobra e, de certa forma, custa bem mais caro que o Cirque du Soleil. Ao final da peça, vendedores ainda tentam vender alguns produtos com a marca do Chiquinho, o que obviamente é um trabalho inglório.

O que tem de bom no Circo Europeu é a sua estratégia de comercialização, a qual não deve em nada ao seu colega canadense. Com todos os patrocinadores do mundo, o Cirque du Soleil não conseguiu ser tão inteligente quanto o dono do Circo Europeu, que, merecido, poderia usar o sobrenome Brown. Calma! Vou explicar.

Primeiro. Aparentemente um suicida, o circo brasileiro resolveu se apresentar justamente no mesmo período do circo canadense. Mas, inteligentemente, o Circo Europeu se apropriou de toda campanha publicitária para a formação do desejo de ir ao circo, promovida pelos patrocinadores do Cirque du Soleil.

Segundo. O Circo Europeu encontrou uma excelente localização, até mais visível do que a do Cirque du Soleil, permitindo uma fácil identificação de oportunidade pelos clientes e a quase nula campanha publicitária.

Terceiro. Brilhantemente, sabendo que não tem como competir pela qualidade, o Circo Europeu apostou no provérbio e inventou um próprio: quem não vai ao Cirque du Soleil se contenta com o Europeu. Com isso, garantiu como espectadora toda uma fatia da população que tinha desejo pelo circo, mas não tinha dinheiro suficiente para ir ao Quidam.

Resumo da ópera: mesmo com um produto ruim, desde que se tenha estratégia, há oportunidade para todos.
Imagem Circo Europeu: www.atardemais.com.br/imagens/circo.jpg

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