Três anos atrás,
eu escrevi um post intitulado Estratégia Circense.
A ideia central daquele post era
relatar como um circo ruim, no caso o Circo Europeu, poderia prosperar do vácuo
de outro circo bom, no caso o Cirque du Soleil. Interessantemente, nesse ano o
grande circo canadense voltou às terras baianas e, mais uma vez, o fenômeno se repetiu.
Entretanto, dessa vez o Circo Europeu deu espaço a dois outros circos: o Tihane
e o Portugal. Ou seja, aparentemente a estratégia utilizada pelo Circo Europeu
foi tão boa que dois outros circos a seguiram.
Sabendo que o
Cirque du Soleil tem uma programação elaborada com bastante antecedência e
publicada aos ventos, o que faz concorrentes com menor envergadura, neste caso
os circos Tihane e Europeu, competir na mesma cidade e no mesmo momento? Seria
mais pausível que nenhum outro circo quisesse se apresentar conjuntamente ao
Cirque du Soleil, não? No post
Estratégia Circense a minha preocupação estava no relato do evento em si. Nesse
novo post, a minha preocupação será a
da explicação desse fenômeno, tentando defender a hipótese contrária: para um
circo ruim, é interessante se apresentar juntamente a um circo bom. Nesse sentido,
apresentarei a seguir duas abordagens bastante utilizadas no marketing.
A primeira
abordagem vem da psicologia e trabalha a motivação humana. Há diversas teorias
que abordam isso, mas o que nos interessará aqui são os seguintes conceitos:
atenção seletiva; distorção seletiva; e retenção seletiva. Atenção seletiva diz respeito a capacidade humana de selecionar
aquilo que nos interessa. Diariamente, somos bombardeados de anúncios e
propaganda de todos os tipos. Se fossemos prestar atenção a tudo, provavelmente
piraríamos. Dessa forma, prestamos atenção apenas àquilo que nos interessa.
Isso é atenção seletiva.
A forma como
entendemos o mundo tem muito a ver com toda nossa bagagem cultural, emocional,
educacional e social. Vemos o mundo através de filtros. Um simples sorvete pode
nos traduzir divergentes emoções a depender de nossas experiências. Um sorvete
da Häagen-Dazs pode parecer muito mais gostoso do que realmente é, enquanto que
um “Capelinha” – em Salvador – ou um “Caicó” – em Maceió – podem parece menos
saborosos para os que os veem pela primeira vez. Para essa distorção, que
naturalmente fazemos sem perceber, dar-se o nome de distorção seletiva.
Por fim, retemos
em nossa memória de longo prazo apenas o que realmente nos marca ou que nos é repetido
de forma massacrante. Por isso sabemos a malvada da tabuada, o insuportável jingle do político que está se
candidatando a algo e o igualmente horripilante refrão “ai se te pego” do
Michel Teló. Entretanto, lembramos para sempre daquele delicioso beijo, do doce
de leite da vovó e daquela propaganda da Gelol que marcou nossos corações: não
basta ser pai, tem de participar (http://www.youtube.com/watch?v=3ztB1BT6u-Q).
Isso é retenção seletiva.
Saindo da
psicologia, vamos à economia e dela focaremos o caso da demanda. Acho que já falei sobre demanda aqui no Blog, mas,
enfim... O que é demanda? Demanda pode ser definida pela capacidade e vontade
para comprar algo. O conceito de vontade tem tudo a ver com o de desejo e necessidade.
Necessidade é ontológico. Temos necessidade de várias coisas: reprodução,
segurança, alimentação, diversão etc. Há quem advogue que as necessidades não
são criadas, elas existem e pronto. Entretanto, o desejo pode ser criado. Desejo
é uma necessidade saciada por algo específico. Dessa forma, podemos entender
que o desejo é uma necessidade trabalhada. A sofisticação da necessidade gera o
desejo. Desejo, necessidade e vontade, portanto, são objetos de estudo do
marketing e da publicidade.
Para haver
demanda não basta ter apenas vontade. Tem de haver também capacidade.
Capacidade significa “condição para”. O primeiro elemento da “condição para” é
o dinheiro. As pessoas precisam tem recursos financeiros para comprar os seus
objetos de desejo, senão não há demanda. Além do dinheiro, têm uma infinidade
de outras “condições para” como o tempo, a disposição, o acesso, a permissão
etc. Apesar de ter muitas “condições para”, a mais importante é o dinheiro e
nele resumiremos aqui a capacidade das pessoas para gerar demanda.
Dessa forma, para
se computar a demanda, precisa-se verificar quantos indivíduos possuem vontade e
têm condição (dinheiro) de possuir ou adquirir algo. Ter apenas vontade não é
suficiente para criar a demanda, como já vimos. Nesse caso, se aplica o rótulo
de demanda potencial para as pessoas que têm vontade, mas não têm “condições
para”. Também existe o inverso quando as pessoas têm a “condição para”, mas não
possuem o desejo. Neste caso também não há demanda e o melhor rótulo é o da demanda
inexistente. Pergunto: como se cria demanda – caso haja uma situação de
demanda inexistente – ou como se cria mais demanda – casa haja uma situação de demanda
potencial? Resposta: aumentando o desejo ou reduzindo as “condições para”. Os
exemplos estão aí. O Iphone é um exemplo de um trabalho bem feito no desejo. A
Insinuante, as Casas Bahia ou a Ricardo Eletro são exemplos de bons trabalhos
feitos na redução das “condições para”.
Quando o Cirque
du Soleil vai a uma cidade geralmente ele começa o trabalho publicitário bem antes
de sua estreia. O objetivo do Cirque é romper a barreira da atenção seletiva
das pessoas e despertar o máximo de desejo possível. Claro que o Cirque conta
com sua favorável boa imagem e reputação para isso, pois já retemos
seletivamente o seu significado. Não é qualquer circo, trata-se do Soleil! Ele
rompe a barreira da atenção seletiva facilmente e gera muito desejo. Aliás, ele
gera desejo de sobra. Tanto desejo que não consegue atender a todos. Na
verdade, o Cirque du Soleil geral uma enorme demanda potencial.
Essa demanda
potencial se traduz em pessoas que ficam maravilhadas com a magia do espetáculo
e com a publicidade do Soleil, mas não tem “condição para” comprar o seu
ingresso. Os seus orçamentos são apertados. Ir ao Soleil significa abandonar
certos compromissos ou deixar de atender necessidades mais nobres e isso não é
admissível para essas pessoas. Resumindo: elas querem, mas não podem!
Nesse momento,
entram os outros circos de segunda e terceira categorias. A barreira da atenção
seletiva já foi rompida pelo Soleil e a distorção seletiva faz com que os
consumidores vejam no Circo Portugal ou no Circo Tihane o Cirque du Soleil em
pessoa. Circo é circo, afinal! Como os preços desses circos são mais populares,
altera-se a curva da demanda por circo na cidade, transformando a demanda
potencial do Soleil em demanda verdadeira do Tihane e Portugal. Mais pessoas
vão ao circo, não importando qual.
Faço uma última
pergunta: o que aconteceria se o Tihane ou o Portugal aparecessem na cidade sem
o Soleil? Provavelmente eles não conseguiriam romper facilmente a barreira da
atenção seletiva, gerariam pouco desejo e deixariam muitas pessoas na zona de
demanda inexistente.
Parece que a
magia do circo está sendo revelada, não?!!