quarta-feira, 20 de maio de 2009

A competência e a torta de banana

O conceito de competência não é algo assim muito novo, mas ainda gera muita confusão, principalmente entre as pessoas que deveriam saber exatamente o que ele é. Não é raro encontrar uma mistura de (des)entendimentos entre os teóricos para explicar a competência. Também é comum encontrar pleonasmos nas explicações das pessoas que trabalham com competência.

Já li muitos textos oficiais explicando que competência é uma habilidade para alguma coisa; que habilidade é uma capacidade prática de realização de um objetivo; e, por fim, que capacidade é uma competência adquirida por meio da experiência. A redundância é tanta, que a figura que me ocorre é a de um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

Será a competência um conceito difícil de ser explicado?

Estávamos eu e duas queridas colegas de trabalho almoçando na cantina da fundação onde trabalhamos. A comida não estava essa coca-cola toda. O que nos interessava era a torta de banana como sobremesa. Uma torta deliciosa, feita com banana d’água. Muito úmida, a torta era quase que totalmente feita com bananas. Nas bordas, uma massa bem fina, feita com farinha de trigo integral, manteiga a açúcar mascavo, apenas para dar a estrutura e segurar o recheio. Por cima, melaço, granola, canela e outras especiarias saborosas.

Saboreamos a torta e imediatamente barganhamos com o garçom e o chefe de cozinha a receita. Como nossa moral estava alta, conseguimos em primeira e única mão a receita da famosa e deliciosa torta de banana. Naquele instante, estávamos de posse do primeiro elemento da competência: o conhecimento.

Não perdi tempo, quanto terminou o expediente corri para o supermercado a fim de comprar os ingredientes e fazer eu mesmo a torta. Esperei ansioso a chegada do fim de semana, quando poderia me dedicar mais profundamente ao empreendimento de cozinhar a minha, e só minha, torta de banana. Estava de posse do segundo elemento da competência: a atitude.

Literalmente coloquei a mão na massa. Descasquei as bananas, fiz as bordas, preparei o recheio, montei a torta e a levei ao forno. Segui fielmente a receita fornecida pelo chefe. Retirei do forno, esperei esfriar e, finalmente cortei a primeira fatia e estava pronto para saborear a minha torta de banana. Estava de posse do terceiro elemento da competência: a habilidade.

Juntando as partes, a competência é largamente definida na literatura como um conjunto de conhecimento, habilidade e atitude necessário para a realização de uma determinada tarefa e o alcance de um determinado resultado. Como dizem por aí: competência é o CHA (Conhecimento, Habilidade e Atitude).

Apesar de hegemônica, a competência entendida como CHA é um conceito longe de ser universalmente aceito. A minha torta de banana empiricamente provou que faltava algo ao conceito de competência. Provando a primeira garfada, percebi de imediato o quanto diferente estava a minha torta de banana para a torta de banana da cantina da fundação.

A minha torta de banana estava completamente ressecada, a massa estava crua e parecia não ter sabor. Ou seja: un excrément! Mas, o que poderia ter ocorrido de errado? Eu estava de posse de todos os conhecimentos, uma vez que tinha a receita. Fui hábil na montagem da torta, já que aparentemente ela estava igual ao modelo. Minha atitude foi impecável, na medida em que tive o interesse e realizei a empreitada. O que faltara?

Saindo dos limites do CHA, podemos encontrar muitos autores (principalmente os franceses) que defende um conceito de competência mais aberto, com diversos elementos. Certamente um dos elementos que me faltou no preparo de minha torta de banana foi a experiência. Posso dizer que a experiência está intimamente relacionada com a competência. Tanto é assim que, com novas tentativas, a minha torta de banana ficou mais próxima da torta de banana da cantina. Por exemplo: com a experiência, soube selecionar melhor a banana d’água, que não pode estar tão madura e nem tão verde. Só com experiência é possível identificar o seu ponto.

Outro elemento da competência é o conjunto de recursos disponível. Em minha casa os instrumentos de cozinha são bem diferentes dos instrumentos da cantina. Certamente o forno da cantina é profissional. Já o meu é de uma marca que nem existe mais. Provavelmente o tempo de cozimento será também diferente, implicando na necessidade de adaptação da receita às condições instrumentais de minha cozinha. Ou seja, a receita que dá certo na cozinha industrial não necessariamente dará certo na cozinha doméstica.

Outro exemplo é a diferença entre o papel e lápis para o computador. Essa postagem seria quase impossível para mim se eu tivesse que escrevê-la num papel com um lápis. Fui alfabetizado com lápis, mas hoje, com o uso da informática, não consigo escrever uma redação legível.

Ainda existem muitos outros elementos da competência, mas me limitarei a mais um: o contexto. O contexto significa tudo que está ao redor. No meu caso, apenas eu e minha ansiedade. No caso do chefe de cozinha, tem os auxiliares, o patrão e os clientes. O contexto é tão significativo que, por exemplo, alunos têm desempenho ruim em prova, mesmo sabendo o assunto, apenas pelo sentimento de pressão de estarem sendo avaliados.

No que resulta tudo isso? Primeiro que o conceito de competência não pode ser limitado ao CHA. Ao contrário, já possuímos dados científicos suficientes (não com essa postagem) para incluímos outros elementos, como a experiência, os recursos e o contexto. Segundo que o conceito de competência ainda não é conclusivo, existem áreas a serem exploradas. Terceiro que é melhor se deliciar com a torta de banana da cantina, pois ainda vai demorar muito para a minha torta ser tão boa.

Fonte foto: google

3 comentários:

Alice Senna disse...

Excelente postagem... que competência vc tem para escrever!! rss. Clarissima a forma como descreve o que falta para que não se perca de vista que a competência é uma construção, por isso a experiência é fundamental!! adorei!

Jorge Amaral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jorge Amaral disse...

Excelente texto amigo Arturo, como se vê, a linguagem metafórica traduz com maestria os conceitos de difícil explicação. Só para contribuir um pouco com o debate do tema faço algumas considerações: (1) o fato de contar com a receita da “famosa e deliciosa torta de banana” não era garantia de posse de todo o SABER (conhecimento)necessário para fazê-la; (2) não tenho certeza de que “ansiedade” “espera” e “desejo de posse” sejam atitudes que assegurem um QUERER FAZER competente e (3) “seguir fielmente a receita fornecida pelo chefe” não me parece ser aval suficiente para um SABER FAZER (habilidade) consistente - enfim, competência não é qualquer CHA disponível, é um CHA específico (boldo, mate, erva-doce, etc) para solucionar um sintoma (problema) peculiar e exclusivo...

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