quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Será o urubu um deus orixá?

Diariamente, em nossas longas horas no trajeto entre Lauro de Freitas e a Federação (Salvador), eu e Lys sempre ocupávamos nosso tempo com as mais diversas bobagens. Algumas vezes compartilhávamos com outros caronas as nossas idéias e reflexões e logo percebíamos como estávamos, de fato, pirando com aquele tráfego. Ao menos, esse tráfego infernal nos deu chance de muitos diálogos frutíferos e inteligentes. Pedindo licença à Lys e, aproveitando para incentivá-la a escrever um livro, quero discorre sobre o urubu.

O urubu, como vocês sabem, é uma ave que nós não damos muito valor. É visualmente feia, além de ser sinônimo de sujeira e subdesenvolvimento. Rapidamente associamos esta ave às imagens de lixão, pobreza, menino de pés descalços e outros flagelos. Quando um urubu aparece, significa morte ou alguma coisa apodrecendo. Perto de aeroportos ele é rapidamente banido com tiros, rojões e outros métodos mais sofisticados. Nos desenhos animados, o urubu é o carrasco do Pica Pau. Sem dúvida, em nossa sociedade, os urubus estão lá no fundo do poço, perto dos ratos e das baratas.

Como tudo no mundo tem dois lados, o urubu não é só uma carinha feia na multidão de aves bonitinha. Ele cumpre uma função importante na natureza, sendo responsável pela limpeza de bichos mortos. É uma bactéria enorme! Portanto, auxilia no combate à disseminação de doenças. Entretanto, se não acha uma carniçazinha, ele é capaz de caçar roedores (ratos), sapos e lagartos, controlando também essas populações. Tem a qualidade de poder voar até 1400 metros. Um outro aspecto do urubu é que, por não possuir siringe, ele não pode cantar como outras aves. Ainda bem! Imaginem os urubus cantando ao seu redor.

Mas, o que chamou a atenção de Lys para os urubus e, depois, a minha, foi o fato de, ao longo de um ano de idas e vindas para Salvador, a população desse bichinho estava aumentando. Notávamos isso pela quantidade de urubus empoleirados nos topos dos postes de iluminação da Paralela. A Paralela é uma avenida enorme, em torno de 27 km. Nela, foram instalados postes de iluminação bastante altos e imponentes. Pois bem, no topo deles estavam os urubus. Estes, cada dia mais numerosos e, de certa forma, cada vez melhor nutridos (gordinhos).

O que levava àquela situação? Por que os urubus estavam cada vez mais numerosos? Por que estavam bem gordinhos? O que faziam lá em cima dos postos da Paralela? O que olhavam? O que controlavam? Essas e muitas outras perguntas tomaram nossas cabeças. Ficamos muito intrigados com essa situação. Passávamos dia após dia pela avenida e eles a nos olhar, controlar, vigiar, contar. Não descobrimos as respostas para tudo, mas Lys me apresentou uma hipótese bastante plausível.

Na Bahia e, principalmente, em Salvador, cada esquina e encruzilhada é utilizada para fazer alguma oferenda ao orixá que se quer prestigiar. É tanto pedido de oferenda que existe um serviço “disque oferenda”. É só ligar, encomendar o pedido e fazer o pagamento via cartão de crédito que a sua oferenda é despachada no ponto certo e na hora exata. Não direi o telefone, pois não quero fazer propaganda gratuita.

Como, quanto maior a graça a ser alcançada ou a homenagem a ser prestada, melhor deve ser a oferenda, esta se transforma num verdadeiro banquete. Uma oferenda para Oxum (protetora das crianças), por exemplo, deve ter canjica amarela cozida, doces de massa, maçã verde partida em 4 pedaços, balas, bombons, pirulitos e quindins. Para Xangô (Deus do raio, do trovão, da justiça e do fogo), pirão de farinha de mandioca, ensopado de carne de peito bem picada e cozida, temperada com alho, cebola e mostarda cozida, bananas da terra, maçã vermelha partida em 4 partes, morango, caqui, bombons, mil folhas, doces de massa e mariolas.

Toda essa pajelança é posta nas ruas de Salvador todos os dias. A Paralela, por se enorme, deve concentrar toneladas desses quitutes. E o que se faz com a oferenda? Quem come?

Excluindo fatos isolados de larápios atrevidos, quem come a oferenda é o urubu. Não raras vezes presenciei urubus banqueteando fartos despachos. São tantos os despachos que eles nem precisam disputar as iguarias. Isso explica o fato de estarem gordos e a sua população em franco crescimento. Mas, o que explicaria a atitude de ficar nos observado em cima dos postes da Paralela?

Em Los Angeles (Cidade dos Anjos) os anjos ficam nos topos dos prédios, nos telhados das casas e nos beirais das pontes observando e tomando conta das pessoas. Aqui em Salvador (Cidade dos Orixás) os orixás são quem nos governam. Para eles, ofertamos deliciosos quitutes em troca de graças, por homenagem ou respeito. Entretanto, quem aparece para receber a oferenda são os urubus. Depois de se banquetearem, os urubus sobem aos postes e ficam nos observando e tomando conta de nossas vidas.

Essa conclusão nos levou à seguinte pergunta ainda não concluída: será o urubu um deus orixá?

2 comentários:

Jorge Amaral disse...

O urubu não é um deus orixá. Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá os aproximam dos seres humanos, pois eles se manifestam através de emoções e tem seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. Já os urubus, aves da ordem Cathartiformes e da família Cathartidae, são animais de extrema importância na natureza por serem necrófagos responsáveis pela eliminação de 95% das carcaças dispostas em um ecossistema; e por não possuírem predadores naturais, aumenta a sua população de acordo com o crescimento de lixo produzido pelo homem.
Estudando a zoologia e o sincretismo religioso, é possível, entretanto, encontrar algo em comum entre eles: os urubus limpam a podridão dos corpos e os orixás limpam a escuridão das almas.

Alice Senna disse...

rss..que mais dizer diante de duas feras? não qerendo contrariar, mas contrariando...quem sabe se não encontraremos nos estudos sobre os mitos alguma coisa que torne esses necrófagos, bactérias voadoras, que auxliam o ecossistema a manter seu equilíbrio, mais valorizados? talvez isso dê uma boa dissertação de mestrado..rs. Bjs meninos...Feliz 2009!!

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