sábado, 4 de abril de 2009

Existe alternativa ao capitalismo ? (parte 1 de 3)

Nesta semana, o bloco de 20 países, do qual o Brasil faz parte, reuniu-se na Inglaterra para discutir soluções conjuntas para a atual crise mundial. Como sempre, manifestantes por todo o mundo aproveitam esses encontros para criticar a ordem capitalista em vigor, que, apesar de mostrar parcos sinais de recuperação (aqui e acolá), carrega um saldo devastador de empregos e prejuízos de diversas naturezas em todos os países. A pergunta que faço é simples: existe outra ordem que não a do Estado Capitalista?

Nos últimos cem anos o Estado Capitalista atravessou, ao menos, três grandes crises mundiais. Numa sequência (sem trema) de artigos, apresentarei as crises que o Estado Capitalista passou (incluindo esta última), as principais críticas e algumas alternativas propostas para suplantar a hegemonia capitalista e, finalmente, minhas (in)conclusões sobre esse assunto. Convido-os para refletirem comigo e acrescentarem novos pontos de vista.

A Primeira Crise e seus reflexos

Dentro do meio econômico, há uma disputa secular, apaixonada e ideológica entre Estado e mercado, ou seja, entre aqueles que acreditam que o mercado é um mecanismo auto-regulado de alocação eficiente dos recursos e, por isso, não é necessário que o Estado atue no cenário econômico e produtivo e aqueles que acreditam que o mercado tem falhas estruturais e de conduta que prejudicam a sociedade, sendo necessária a intervenção do Estado. No primeiro grupo estão os clássicos da economia (liberais) e, mas recentemente, os neoliberais. No segundo grupo aparecem os sociais, os burocratas e, mais radicalmente, os comunistas.

Essa disputa de corda (ou de braço) foi dominada, exceto nos países comunistas, pela corrente liberal clássica até a grande crise dos anos 30 (1929-1932). Segundo Bresser Pereira (1997), essa crise apesar de ser originada por falhas do mercado, se configurou como uma crise do Estado Liberal, pelos seus efeitos devastadores no emprego, produção e economia como um todo. Segundo Medeiros (1999), a crise se originou da mistura entre o acúmulo de ouro vindo da Europa para os Estados Unidos, gerando uma crise nas taxas de juros do padrão-ouro, o crescimento fantástico do consumo estadosunidenses durante os anos 20 e consequente endividamento, a valorização extraordinária e especulativa da bolsa de valores em função desse consumo e a fragilidade do sistema bancário dos Estados Unidos.

Com a recuperação da produção européia, e com as barreiras protecionistas que seus países adotaram como forma de recuperação econômica, os produtos estadosunidenses deixaram de ser escoados. Como relata o site historiaonline: “A superprodução americana não tinha mercado, a não ser que baixasse ainda mais o preço. Com preços tão baratos, os fazendeiros não tinham mais como saldar suas dívidas e faliram. Os bancos, sem receber, passaram também a se ver em dificuldades, e alguns começaram a fechar as portas. Nas cidades, as novas técnicas industriais fizeram com que a presença da classe operária se tornasse secundária. Com a mecanização, muitos trabalhadores passaram a ser dispensados, criando-se um grande exército de reserva. Os salários não aumentavam, pelo contrário, pois a oferta de emprego era muito menor que a demanda. Assim, o proletariado curvava-se a salários cada vez mais baixos. Esses desempregados e os citados trabalhadores do campo deixaram de consumir, pois não tinham mais como. Com o comércio exterior também retraído (a Europa ainda estava enfraquecida e, mesmo assim, adotara medidas que priorizavam o consumo de produtos internos), as vendas e, claro, o lucro, despencaram. Diante dessa situação, os grandes empresários passaram a especular na Bolsa de Valores, outorgando às suas ações valores fictícios, muito mais altos do que os reais. Os investidores passaram a desconfiar e, a partir de setembro de 1929, colocaram seus títulos à venda e a Bolsa entrou em declínio. No dia vinte e quatro de outubro, na conhecida quinta-feira negra, ela quebrou.” (http://www.historiaonline.pro.br/).

Bresser Pereira (1997) demonstra que a crise dos anos 30, a qual levou ao desemprego 25% da população estadosunidense, originou-se no mal funcionamento do mercado e, como ele bem lembra John Maynard Keynes (1883-1946): “o mercado livre levou as economias capitalistas à insuficiência crônica da demanda agregada. Em consequência entrou também em crise o Estado Liberal, dando lugar à emergência do Estado Social-Burocrático: social porque assume o papel de garantir os direitos sociais e o pleno-emprego; burocrático, porque o faz através da contratação direta de burocratas”(p. 10).

Como o mercado e o Estado medem força e competem pela maior eficiência na utilização de recursos, mas também podem se complementar mutuamente em vista ao desenvolvimento econômico e social, a crise dos anos 30 acarretou na possibilidade do Estado intervir na economia para salvá-la. Na época, o Estado era o único que tinha recursos para isto. Para Keynes, o Estado poderia salvar o capitalismo socializando o investimento e substituindo os empresários instáveis. Em tempos de depressão, bastaria que o Estado investisse o suficiente para suprir a carência do investimento privado.

“Foi assim que surgiram o Estado do Bem-Estar nos países desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista e Protecionista nos países em desenvolvimento. Foi também a partir dessa crise que surgiu o Estado Soviético na Rússia transformada em União Soviética e depois em boa parte do mundo – um Estado que tentou ignorar a distinção essencial entre ele próprio e a sociedade civil, ao pretender substituir o mercado ao invés de complementá-lo.” (Bresser Pereira, 1997, p.10)

De acordo com Andersen (1995) o Estado de Bem-Estar, implementado nos países desenvolvidos, teve como característica econômica o de abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de cidadania; como característica moral a defesa das idéias de justiça social, solidariedade e universalidade; e como característica política o projeto de construção nacional e a democracia liberal, contra o duplo perigo do fascimo e do bolchebismo.

Para os países em desenvolvimento, principalmente os da América Latina, o modelo econômico que prevaleceu foi o da substituição de importações mediante o forte intervencionismo do Estado, uma vez que, com a recessão de 30, havia dificuldade de importação. As principais características desse modelo, segundo Pinheiro (1995) são: crescimento endógeno estimulado pelo Estado; protecionismo da atividade econômica nacional pelo Estado; centralismo, autoritarismo, nacionalismo e populismo do Estado; enfraquecimento da democracia; forte urbanização; domínio da industrialização sob a economia agrária; e engrandecimento da máquina burocrática estatal.

Para Lechner (1993), os Estados latino americanos que fomentaram uma industrialização com base na substituição de importações, investiram em obras de infra-estrutura, expandiram os serviços públicos e promoveram mudanças estruturais, tiveram as seguintes características de intervenção estatal: 1) pretendiam estruturar o mercado em função das mudanças na sociedade, e 2) originaram de iniciativas políticas, sem vínculo com os argumentos técnicos oferecidos pelo keynesianismo.

Em grande medida, tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, houve o fortalecimento acentuado da tecnocracia, suportado pelo aumento do aparato estatal, expansão dos serviços públicos e da intervenção do Estado na economia. Como informa Pereira (1997), “o capitalismo deixou, neste século, de ser o produto da aliança da burguesia nascente com a aristocracia – esse era o capitalismo do século dezenove – para se transformar no resultado da aliança dos proprietários do capital com uma classe média burocrática em expansão”.(p.10)

Um comentário:

Jorge Amaral disse...

A propósito do tema, o Profº. Dr. Antônio Inácio Andrioli (Universidade de Osnabrück/Alemanha) refletindo sobre as tentativas de “humanizar” o modo de produção capitalista, nos diz que: “[...] O maior problema do discurso moralista contra o capitalismo é que ele não gera consciência social e mistifica o próprio processo de dominação. Para tornar os capitalistas mais “humanos” é necessário desapropriá-los do mecanismo que os torna desumanos: a propriedade privada do capital acumulado pelo trabalho humano de outros”...

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