domingo, 21 de abril de 2013

Mentira!


De onde surge a mentira? Qualquer resposta a essa pergunta terá muita chance de ser, inevitavelmente, mentirosa. Como provar que a mentira, por exemplo, nasceu com Eva jurando a Adão que ele foi o primeiro em sua vida? Logo Eva, bonitinha, fofinha e formosa, como ela se apresentava naqueles primeiros dias da humanidade. Mulher de carnes fartas, braços largos, seios generosos, lábios carnudos, bochechas róseas e de um feromônio embriagador! Apesar de Eva ser uma tentação a qualquer mortal, creio que Adão acreditava em sua estória, pois, mesmo magricelo e sem graça como ele era, olhando ao redor não se via ameaçado por outros concorrentes de sua espécie.
Entretanto, quem disse que eles estavam absolutamente sozinhos naquele paraíso? E a ovelha? E o jumento? E a macaca? E o orangotango? E a danada da cobra? E as árvores? E os frutos, raízes e legumes em formatos avantajados? A pansexualidade já poderia ser um conceito em moda à época. Ou seja, não dá para ter absoluta certeza de que Eva estava ou não falando a verdade para Adão.
Considerando que ela não estivesse falando a verdade, o fato é que Adão acreditou. E, talvez, é justamente no ato de se acreditar em uma estória que surja a mentira. Pois, se Adão não tivesse acreditado em Eva, a estória de que ele foi o primeiro na vida dela não passaria de uma tentativa frustrada, de um jogar-verde-para-colher-maduro que não deu certo. Mentira só é mentira se alguém acredita que a estória é verdadeira. Uma mentira revelada ou descoberta passa a ser uma história falsa, sem graça e boba. Nesse sentido, uma estória para ser mentirosa precisa ser tão plausível a ponto de não haver dúvidas de que ela seja verdadeira, ou seja, de que ela seja realmente uma história. Essas são as mentiras e Eva sabia disso.
Talvez, Adão também soubesse disso e fingiu acreditar em Eva. O que mais ele poderia fazer? Já estava cansado de comer as ovelhas, as cabras e qualquer outro animal de porte compatível. Para variar um pouco, já tinha tentado com alguns animais mais exóticos, mas, não poderia perder a oportunidade de um approach com Eva. Que vale frisar: a única mulher do pedaço! Por isso, a mais bonita, charmosa e gostosa criatura que seus olhos já tinham visto naquelas terras onde tudo era possível. Como, nesse contexto, Adão poderia desmentir Eva? Revelar que ele sabia de seu passado sórdido? Dizer que conhecia todas as suas experiências pansexuais? Ou, ainda, contar os detalhes de seu caso com a danada da cobra? Não poderia, não é? Não poderia colocar em risco um possível relacionamento com Eva. Então... Pode ser que Adão não seja tão abobalhado assim.
Podemos supor que Adão sabia de tudo e fingiu acreditar em Eva. Dessa forma, a estória que Eva contou – de que ela era pura, virgem e inocente quando conheceu Adão – continua sendo uma mentira ou merece ser rebaixada a outra categoria? Se Adão realmente sabia de tudo e fingiu acreditar em Eva, não contando para mais ninguém, cria-se, nesse caso, uma metamentira. A metamentira é uma mentira construída com base em outra mentira. Ela sobrepõe a mentira original, deixando o contexto da estória muito mais mentiroso. A metamentira, portanto, é um fortificador da mentira. Quando há uma metamentira, torna-se muito mais difícil a mentira ser descoberta ou revelada. Uma vez Adão acreditando em Eva, mesmo sabendo que a conversa toda era puro papo-furado, Adão e Eva se tornam parceiros dessa mentira, dessa metamentira.
Porém, ao criar a metamentira, Adão assume uma posição estratégica e privilegiada no relacionamento com Eva. Ele tem agora uma carta na manga que pode ser usada a qualquer hora, de acordo com sua conveniência. A qualquer momento, Adão pode barganhar algo com Eva, dizendo que vai conversar com a cobra ou que vai verificar a estória da festa da cenoura que Eva participou com a macaca. Festa essa que o orangotango aponta como o evento divisor do interesse da macaca pelo sexo oposto. A vantagem da metamentira fica evidente todo domingo à tarde, em que Eva e Adão estão deitados de conchinha após o almoço. Adão, como de costume nesses momentos, sempre dá uma fungada no cangote de Eva, anunciando que a sua libido já deixa sua parte pontiaguda em riste.
- E ai, minha fofinha, vamos brincar um pouco?
- Hoje não Adão, tenha a santa paciência! Esse javali que comemos estava muito gordo e esse calor tá me deixando com um pouco de dor de cabeça.
Se a libido de Adão não estiver tão forte assim, ele pode se contentar, deixar que surja mais uma metamentira para usá-la mais adiante, virar-se para o lado e esperar que a sua bandeira se recolha. Mas, supondo que ele esteja à flor da pele, ele pode usar a uma metamentira antiga para reverter a tendência dos acontecimentos.
 - Ah... Dor de cabeça, não é?
- É, Adão. Você sabe que as mulheres tem disso, né?
- Sei minha fofinha. Sei sim. Aliás, as macacas também têm disso, né?
- Como assim? Que macacas?
- Outro dia eu estava conversando com aquela macaca mais peluda e ela me falou disso também. Sabe que ela me disse que vocês saiam muito juntas antes de me conhecer? (Adão, maliciosamente, solta a pista de que ele sabe de tudo e de que está disposto a jogar merda no ventilador)
- É... O que mais ela falou? (Eva com ar de curiosa e preocupada com seu passado).
- Não muita coisa. Lembro-me que ela falou também de uma festa que vocês foram. Uma festa um pouco light, meio vegetariana e que só tinha fêmeas.
- Aquela macaca mentirosa falou sobre essa festa? (Eva já tentando desmentir que tivesse ido à festa das cenouras com a macaca)
- Falar, falou não, pois apareceu o escroto do orangotango e levou a macaca para conversar. Mas, já que você está indisposta, acho que vou dar uma voltinha por ai. Quem sabe eu não encontro a macaca e ela termina de me contar.
- Vai não, dengo! Sabe... Esse calor tá até me deixando bem fogosa e a dor de cabeça, acho que já passou. Vem cá, vem!
Claro que Adão foi. As mentiras são assim, umas mais cabeludas que as outras, mas todas para serem acreditadas, senão não seriam mentiras.

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