À véspera de mais uma Copa do Mundo,
o brasileiro – escrevo isso generalizando um sentimento particular – tem emoções
de marido traído, no mais puro estilo de Nelson Rodrigues. Se, por um lado, vemos
que o legado da Copa vai ser um monte de obras inacabadas ou não iniciadas, uma
dívida enorme a pagar e alguns belos estádios a admirar, por outro, ainda
ficamos fascinados pelo encantamento que o espetáculo proporciona e pela
possibilidade real e concreta de sermos mais uma vez campeões mundiais.
Lembro-me bem de como foi
diferente o sentimento que uma amiga minha teve na Copa da Alemanha em 2006.
Como alemã, mas residindo e estudando no Brasil, ela retornou ao seu país para
passar as férias e curtir o evento. Após a Copa, ao voltar ao Brasil para
concluir seus estudos, ela me relatou o quanto o seu país havia mudado com a
Copa. Não que a Copa tivesse sido prerrogativa para trazer investimentos ou
melhorias públicas. Certamente isso também aconteceu por lá. Mas, a Alemanha
não é o Brasil e, portanto, não precisa de eventos midiáticos como a Copa ou as
Olimpíadas para proporcionar o desenvolvimento. Ela falava da mudança na visão
de seu povo sobre eles mesmos. Na autoestima do povo alemão. Para ela, as
lembranças e o peso da II Guerra Mundial haviam encerrado ali na Copa e que os
jovens já não carregavam nas suas costas a culpa do passado. A Copa foi,
portanto, um momento de celebração e reencontro da Alemanha com e para o mundo.
Tanto é assim que vimos na cerimônia dos 70 anos do dia D a presidente Angela
Merkel ao lado dos representantes de outros países que, na época da Guerra,
eram seus inimigos.
Aqui no Brasil a situação é bem
diferente. À presidente Dilma foi recomendada não ir à abertura da Copa para
não ser vaiada, assim como aconteceu na Copa das Confederações. Isso, mais que
um simples cuidado com a imagem da presidente, é a reverberação de um país no
qual sua população está dividida entre o prazer e a tortura. Para abafar o caso,
nunca se gastou tanto na história desse país com propaganda governamental. Não
há um comercial que não se veja uma propaganda direta ou indireta do governo. Estamos
vivendo uma verdadeira ditadura da mídia comandada pelo governo de plantão. O
pior é que, na maioria das vezes, são propagandas falaciosas e alienantes, que
só servem para calar a opinião pública ou dar resposta às acusações da dita mídia
imperialista. Não por acaso, a mesma mídia imperialista que recebe rios de
dinheiro do Governo.
Em algumas dessas propagandas são
tão evidentes a tentativa de ludibriar o brasileiro que parece que o Governo
tem a total certeza da imbecilidade geral da nação. Foi o caso da propaganda da
transposição do rio São Francisco, obra faraônica que engana os nordestinos na
promessa desvairada de acabar com seca por meio de um canal redentor. Ao mesmo
tempo em que o Governo gastava milhões na transmissão dessa propaganda nas
mídias imperialistas mais caras do Nordeste, registrava-se uma seca que se
arrastava e ainda se arrasta por três anos e denúncias de desperdício de
dinheiro na compra de cisternas não utilizadas. A obra da transposição,
evidentemente atrasada, é um afronta a qualquer projeto que se possa imaginar
bem feito. Certamente não vai ficar pronta nessa gestão, nem na próxima e muito
menos nos limites do orçamento aprovado. Outro caso, aqui no Rio, é a
propagando do investimento do Governo na melhoria da educação. Ao mesmo tempo
em que o Governo gasta dinheiro na TV dizendo que vai construir mais de
duzentas unidades educacionais e que essa gestão é a que mais se importa com a educação,
os professores fazem manifestações e paralisações por melhorias salariais e nas
condições de trabalho. Onde foi parar a coerência?
Se as propagandas são falaciosas,
os depoimentos não são menos lunáticos. Algo de quem tem a pura certeza do
entorpecimento e da asneira da população. O episódio dos médicos cubanos é um
exemplo claro disso. Com o argumento de que os médicos brasileiros são
mercenários, o Governo brasileiro importa trabalho escravo cubano na tentativa
de remediar com Merthiolate o câncer da
saúde pública, esquecendo os rios de dinheiro desviados nas compras
superfaturadas dos hospitais públicos e na péssima gestão dos plantões médicos.
Esse episódio e o da patética e irresponsável redução das tarifas elétricas e
suas justificativas mais cabeludas possíveis dão o tom das tentativas
desenfreadas de ludibriar o povo. O ministro da aviação civil, Moreira Franco, outro
exemplo, afirmava há três meses que os aeroportos estariam em plena
condição para a Copa. Seria para dar muita gargalhada! Mas, é trágico ver o
aeroporto de Brasília ser alagado na primeira chuva que caiu após a inauguração
de sua ampliação, ou ficar esperando uma mala que não aparece nunca em um
galpão improvisado no Galeão, ou ainda aguentar em pé e no calor o atraso dos
voos no aeroporto de Vitória. Interessante mesmo é ver a performance do ministro dos esportes, o comunista Aldo Rebelo. Na
pose de seu denso bigode, Rebelo não consegue segurar o incômodo que é dar
justificativas sobre os gastos e o legado da Copa. Acredito que essa atividade
que usa intensamente óleo de peroba na cara tenha ficado ainda mais difícil depois
da garfe suicida da filha de Ricardo Teixeira, Joana Havelange, que postou em
seu Instagram que o que já tinha de
ser roubado e gasto com a Copa já foi e que agora era para simplesmente torcer.
Querendo tapar o sol com a peneira, foi também o que pediram a presidente Dilma
e o presidente da FIFA, Joseph Blatter.
Mas, eu pergunto: como o povo
pode torcer se nem pode comprar uma camisa oficial da seleção? O preço de uma
camisa oficial é R$ 225, ou seja, aproximadamente 1/3 do salário mínimo. Devemos
comprar uma pirata? E se o cidadão quiser comprar um ingresso para Copa, ai eu
deixo com vocês o palpite do preço que ele terá de pagar. Paga-se muito nesse
pais e se recebe muito pouco. Mês passado o brasileiro acabou de pagar o que
devia ao seu país. Ou seja, 5 meses anuais de nossas vidas inteiramente
destinados a financiar, por meio dos impostos, tudo isso: Copa, médicos cubanos, redução da tarifa da energia
elétrica, transposição do Rio São Francisco, investimento na educação e outras
maravilhas dessa gestão. Eu, como sou mais estúpido que os demais brasileiros,
ainda gasto mais um mês no trajeto casa-trabalho e trabalho-casa, pois a
velocidade média do ônibus que pego é de 10 km/h, dado o engarrafamento caótico
e diário do Rio de Janeiro (há cidades piores). Portanto, no meu caso, são 6
meses por ano de vida dada à nação. Se considerar que ainda pago escola e saúde
particulares, essa conta sobe mais.
Quando eu paro para pensar nisso,
logo me vem à cabeça a letra da música de Zé Paulo, um dos hits de sucesso do axé do século passado:
A gente não pode comer arroz
A gente não pode comer feijão
Ainda tem que andar descalço
Sem ter que pisar no chão
Deixa de bobeira
Deixa de bobagem
Já virou
Sacanagem
Imagem do site: https://andradetalis.wordpress.com/2013/05/23/para-arranjar-um-emprego-temporario-voce-tem-que-estudar/