domingo, 12 de outubro de 2014

Políticas band-aid

Como diz José Simão, se alguém sobreviver à guerra da campanha eleitoral, da celulite contra o botox, do vestido vemelho-diaba contra o terninho mauricinho, do Nordeste contra Ipanema, de Havana contra Miami, do PT contra o PSDB, enfim, de Dilma contra Aécio, esse alguém deverá encarar de fato os problemas brasileiros. E, nisso, em problemas, o Brasil é bem recheado. Um deles está nascendo quase que despercebido e vem ganhando massa a cada ano que se passa. Refiro-me à teimosia e à tentação em criar condições especiais para grupos de pessoas em detrimento de todas as outras.

Trata-se de um duelo entre o utilitarismo e o institucionalismo-pluralista às avessas, entre o máximo bem comum e o máximo bem a um grupo específico que, com lobby, consegue impor aos outros membros da sociedade suportar vantagens e regalias destes poucos privilegiados. E isso vem acontecendo e está crescendo. Como sapos ferventes – morrendo sem notar que a temperatura da água está subindo, estamos absorvendo cada vez mais políticas que ferem o coletivo, até que um dia, esse coletivo vai deixar de lado as políticas, as leis e partirá para a anarquia. A carga tributária está ficando tão excessiva que, vai chegar um dia, em que a sociedade produtiva simplesmente vai parar de trabalhar. Alguns exemplos a seguir.

Tem pouco mais de uma semana que fomos surpreendidos com a notícia de que os magistrados e os promotores precisam de auxílio moradia, independentemente se possuem ou não imóvel próprio na cidade em que residem. Obviamente os salários, nunca inferiores a 23 mil reais, não são suficientes para que eles banquem suas despesas habitacionais e, portanto, os pobres magistrados e procuradores dependem dessa ajuda - que chega a pouco mais de seis salários mínimos - para que eles não passem necessidades. Certamente, sem essa ajuda, teríamos poucos cidadãos qualificados e suficientemente honestos querendo desempenhar essas profissões tão pouco valorizada em nosso país.

Há muito se vem discutindo a previdência social e formas de financiá-la. Qual a necessidade da previdência senão a segurança para que os cidadãos, ao ficarem menos produtivo, consigam manter a qualidade de vida na velhice? Entretanto, aqui a lógica não é essa. A lógica é perpetuar diferenças de classes. Os verdadeiros contribuintes – aqueles que pelo suor produtivo e transformador geram riquezas para o país – e que irão se aposentar pelo INSS, com os valores do INSS, bancam a farra de semideuses que, e só porque, possuem poder parar se aposentam de forma diferenciada (alguns em apenas oito anos) e sem sombra de dúvida, deficitariamente. Diga-me, por que um senador tem de ser aposentar em pouco tempo e ganhando tanto enquanto, em contrapartida, um simples trabalhador deve suportar 35 anos de labuta e desgaste para ganhar um mínimo da previdência? Será que o trabalhador não merecia ganhar mais que o senador já que ao longo da vida produtiva ele sofreu mais desgastes? Será que o senador conseguiu em tão pouco tempo financiar sua própria aposentadoria ou estaria ele dependente de inúmeros reles trabalhadores que, numa escravidão mais moderna, bancaria suas mordomias romanas vitalícias? Faço um contraste entre esses dois, mas há inúmeras categorias privilegiadas nesse país, além de um fosso enorme ente o que acontece no setor público e no setor privado, este último eterno escravo do primeiro. Não deveria todos os trabalhadores receberem de forma igual e suficiente para se manterem na velhice? Quem quisesse ganhar além do padrão para todos que contribuísse à alguma previdência complementar ao longo da vida. Senadores certamente teriam mais condição para isso!

Falando em classes privilegiadas, algumas delas conseguem verdadeiras regalias que não se justificam e acabam gerando uma separação tipo “nós e os outros”. Assim vem acontecendo nas profissões da saúde que, mais uma vez por lobby, arrancam benefícios da população que não tem poder para negá-los. Por que os médicos, por exemplo, têm de trabalhar menos que os outros profissionais? Certamente a defesa é que é uma atividade muito fatigante. Muito mais do que a do professor, a do metalúrgico, a do agricultor ou a de um operador de bolsa de valores. Ou certamente é que é uma atividade que envolve risco de vida. Muito mais do que a do piloto, a do engenheiro de uma usina nuclear, a do estabilizador de plataforma de petróleo ou a do motorista de ônibus no Rio de Janeiro. Se assim fosse, o médico após sua jornada diária reduzida de trabalho, deveria ir para casa descansar. Mas, isso é o que menos ocorre. Dois ou três empregos é bem comum nessa profissão. A reboque dos médicos, outros profissionais como os farmacêuticos e os psicólogos pleiteiam a mesma regalia. O impacto na iniciativa privada talvez seja menor, já que ela paga ao médico – e a quem quer que seja – a justa medida de sua produção. Mas, no setor público o impacto é enorme, pois esse tipo de regalia garante aos detentores desses títulos ganhar em uma jornada reduzida o que ganhariam numa jornada normal de trabalho. Como não existem almoço de graça, quando alguém trabalha menos e continua ganhando a mesma coisa, o contribuinte é que tem de se virar para pagar a conta.

Deixo, por fim, talvez o pior dos movimentos nesse sentido, de criar condições especiais deturpadas para pequena parte da população. Imagine que, se você não for preto ou pardo você terá menos chance de ser classificado para uma universidade pública ou entrar no mercado de trabalho via concurso público. É que as crescentes políticas afirmativas em vez de promover condição de competitividade aos grupos historicamente menos favorecidos, preferem negar o Art. 5º da Constituição que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Ignora-se isso e se começa a formar um país realmente racista, onde, por erro conceitual, populismo e arrogância estabelece que uns têm mais direitos que outros. Só e somente só pela cor de pele. No país que se fez opção acertada pela miscigenação, quer-se adotar políticas fracassadas de outros países historicamente racistas, pois aparentemente são políticas mais populistas, em vez de atacar de frente os reais problemas que separam as pessoas: sua condição socioeconômica.

Dilma e Aécio têm propostas parecidas nessa área e eu não vejo muita esperança que esses dois candidatos tragam luz a essas políticas tipo band-aid. Nenhum dos dois vai dar os pontos necessários para estancar esse corte que começa a se aprofundar e a dividir os brasileiros em pseudocastas. Cabe a nós, o resto da sociedade que ainda suporta isso e paga alta carga tributária, alcançar nosso limite de indignação e se rebelar, cortar as correntes, os grilhões, e dizer “BASTA!”, antes que viremos verdadeiramente novos escravos.

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