sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Fui eu...

Lendo o resumo do trabalho de Will Schutz, no blog de meu amigo Jorge, fique intrigado com as seguintes passagens que reproduzo abaixo:
(...) Schutz apresenta uma inquietante visão integrativa de ciência e experiência, alertando enfaticamente para a responsabilidade de nossas escolhas na perspectiva da Revolução da Tomada de Consciência e da Autopercepção, trabalhando magistralmente o Princípio da Escolha num conceito de responsabilidade do indivíduo sobre a sua evolução pessoal.
(...) ele diz: "Escolho tudo o que faz parte de minha vida e sempre o fiz. Escolho meu
comportamento, meus sentimentos, meus pensamentos, minhas enfermidades, meu corpo, minhas reações, minha espontaneidade, minha morte. De algumas dessas escolhas, escolho tomar consciência, e de algumas outras, escolho não tomar consciência. Geralmente opto por não perceber sentimentos com os quais não quero me confrontar. (...) Os acontecimentos ocorrem porque escolhemos sua ocorrência. Nem sempre estamos conscientes de os estarmos escolhendo. Uma vez que aceitamos a responsabilidade pela escolha de nossas vidas, tudo fica diferente. Temos poder. Decidimos. Estamos no controle de nós mesmos. Se eu aceitar o conceito de escolha, devo dar uma interpretação diferente a muitos dos principais conceitos vigentes, tais como, pressão de grupo, manipulação, bode expiatório, lavagem cerebral, etc. (...)”.
http://amaraljorge.blogspot.com/

Estamos muito longe dessa tomada de consciência e autopercepção, assim como não aceitamos muito bem o princípio da escolha. Apesar de não científica, minha conclusão é reflexo da observação do dia-a-dia. Retrato a seguir três episódios que contrastam com o pensamento de Schutz.

1) Numa das disciplinas optativas do doutorado de educação, resolvemos fazer um seminário sobre avaliação (
http://br.geocities.com/seminarioavaliacao/) como forma de conclusão das aulas. O seminário foi estruturado para haver apresentações e debates acerca de três dimensões da avaliação: competência, institucional e social. Particularmente, na apresentação sobre avaliação institucional, foi apresentada a experiência da auto-avaliação da UFBA. No final de sua apresentação, o palestrante confessou que os resultados da auto-avaliação realizada não surtiram efeito, pois todas as ações de melhoria identificadas dependiam do MEC.

2) Mudando de canal, durante minha jornada para casa após um dia de trabalho, sintonizei na Metrópole FM (não é propaganda), quando Mário Kertész estava entrevistando o jornalista Ricaro Lessa. O assunto da entrevista era o livro deste jornalista sobre a diferença histórica no desenvolvimento entre o Brasil e os EUA (Brasil e Estados Unidos - O que Fez a Diferença). Como eu estava interessado em saber o porquê somos o que somos, comprei e li o livro. Agora sei que somos fracassados por causa de situações que ocorreram na nossa formação enquanto nação. As principais foram a influência católica, o domínio português e a escravatura. O que tanto nos diferencia dos Estados Unidos é que eles foram colonizados, em principio, por famílias que buscavam uma terra livre para trabalhar e cultuar e que, mais tarde, na Guerra Civil, o Norte, industrializado, venceu o Sul, agrícola e escravagista. Outras diferenças foram apontadas, mas essas são as principais que nos amarram longe do progresso.

3) Ao término de um semestre letivo, como de costume, alguns alunos passam por média e outros vão fazer prova final. E, como de costume, os alunos que vão para final começam a chorar por míseros pontos. Décimos, até. Neste semestre, tenho duas alunas “cara de paisagem”. Aquelas que você olha e saber que nada do que você está falando está entrando naqueles neurônios. Por mais que você tente, elas não querem nada com a hora do Brasil. Estão ali só para não levar falta. Aprender, discutir, perguntar... Para quê? Nenhuma surpresa aconteceu com essas alunas e, como de costume (mais uma vez), elas inutilmente choraram muito para não ir para a final.

Vocês já sacaram que o que têm esses três episódios em comum com Schultz é a total negação do Princípio da Escolha. As alunas simplesmente negam e apagam da memória tudo ocorrido durante o semestre. Querem simplesmente que a outra pessoa resolva a situação delas. Não querem ser responsáveis pelos seus atos e, pior, não fazem mais nada para alterar o rumo da situação. Você estudou para fazer a minha prova final? Não! Nem elas.

Já o notável Ricaro Lessa nos impede de progredir porque amarra nossa deficiência em situações que não nos competem mais, como a escravidão, o culto à pobreza pela Igreja Católica e a limitação imposta pelo domínio português. Isso está na nossa história e, por um período, nos impossibilitou de maiores avanços. Só que hoje a situação é outra. Não avançamos porque somos muito incompetentes e corruptos. Não coloquemos a culpa nos outros ou no passado que não dá para mudar. O meu pensamento é que, no fim, o Brasil será fadado ao sucesso, pois é o celeiro do mundo. Se não fosse por isso, se estivéssemos em outro local mais inóspito, estaríamos ferrados.

Quanto à UFBA, a “auto-avaliação” deveria ser chamada de “outro-avaliação”, pois coloca nas costas do MEC toda a possibilidade de solução dos problemas detectados. Não sou paladino do MEC. Tampouco recebo bolsa do CNPQ. Mas, espere ai. Absolutamente nenhuma situação pode ser resolvida internamente? E quando à distribuição das aulas, o currículo, a distribuição de recursos, a segurança, a situação dos campi e tantas outras? A solução para isto também precisa ser ditada pelo MEC?

Sei que trabalhar na perspectiva do Princípio da Escolha é uma tarefa difícil. Árdua. É “bizarro” para as alunas aceitar que são preguiçosas, que não estudaram ou que não têm base o suficiente para estar numa faculdade, é “legal” dizer que o professor é um carrasco. É muito complicado encontrar uma solução para nosso país, melhor é colocar a culpa em alguém e, de preferência, alguém que já morreu. É muito penoso para a UFBA encarar o corporativismo e proporcionar o melhor possível para seus alunos, mais fácil é deixar como está, ficar de bem com todos e jogar a batata quente para o MEC. Eu mesmo não assumo muitas coisas que fiz e, constantemente, flagro-me colocando a culpa de meus problemas nos outros. É mais fácil, só que não resolve nada.

Mas, como reverter isso? Como dar o passo adiante e encarar os problemas de peito aberto? Não tem solução simples. Entretanto, existe iniciativa. Tentando colocar a teoria em prática, resolvi testar o Princípio da Escolha na primeira oportunidade que tive.

Pitorescamente, a primeira oportunidade surgiu num elevador. Precisamente entre o G1 e o 23º andar. Estava eu e mais duas belas moças (desconhecidas que trabalhavam em algum daqueles escritórios) subindo os andares. Eu não sabia onde elas iam parar, mais o meu andar era o último. No meio da caminhada, surgiu um odor desagradável, vindo das mais terríveis profundezas do ser humano. Controlei meus reflexos e tentei agüentar o máximo possível a situação. Mas, fiquei curioso em saber quem havia feito tamanha poluição e resolvi olhar as meninas. Neste momento, todos tiveram a mesma atitude e se olharam, ficando visível o constrangimento geral. Para resolver o impasse, resolvi dizer: fui eu!

Um comentário:

Jorge Amaral disse...

Catunda,
Foi muito divertido e curioso ler esse texto, não só pela sua coragem de "quebrar a conspiração silenciosa" e assumir o "fui eu..." mas, sobretudo porque, você encontrou facilmente (na poeira do cotidiano)três contra-exemplos do Princípio da Escolha de Will Schutz e dois deles emergiram, paradoxalmente, dos cenários acadêmicos, onde o SABER instalado poderia subsidiar melhor o SABER FAZER e o QUERER FAZER auto-consciente.

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