sábado, 7 de fevereiro de 2009

De reporter e de matéria, todos somos um pouco

Às vezes me pego imaginando situações onde um repórter poderia ter boas matérias, um fotógrafo poderia ter boas cenas e um escritor excelentes histórias. Hoje foi um dia desses.

Estava na praia com minha esposa e filha. Cedo chegamos para não ter problema de barraca ou estacionamento (aliás: estão cobrando 5 reais para deixar o carro ao sol). Calculamos errado e chegamos cedo demais. As barracas ainda estavam se estruturando para o dia quente e de muitos clientes que iria acontecer. O lado bom da história foi desfrutar de algumas horas da praia sem muito alvoroço e o observar o movimento das pessoas que iam chegando.

A praia é um lugar incrível. Numa cidade (Lauro de Freitas) que não tem qualquer opção pública de lazer, a praia é a única saída para a população de qualquer classe social. A praia é democrática (vai a bonita e a baranga), multiproposital (tem gente fazendo exercícios e outros levantando copos), multicultural (vem tatuados e velhinhas de terços).

Mas, o que me chamou atenção foi a quantidade de pessoas que ganham a vida na praia. Não que eu nunca tivesse notado isso, pois é impossível ficar numa praia sem ser abordado por inúmeros vendedores. Acontece que, como cheguei muito cedo, mudei meu ângulo de observação e passei a notar aquelas pessoas que diferente de mim, estavam lá para trabalhar.

Elas descem dos ônibus cheias dos mais diversos produtos e com um objetivo comum: vender tudo. Até onde pude notar e lembrar, eram vendedores de cigarro, roupa, cd e dvd piratas, chinela, óleos e bronzeadores, tatuagem, cangas, redes, bijuterias, óculos, chapéus, sapatos, bugigangas diversas, acarajé, queijo, camarão, espetinho de carne, coco, cocada, picolé, geladinho, peixe, ostra, passeio de cavalo, bolinhas de sabão, pipas, bonecos infláveis, jornal e bolas.

Nós consumimos 1/3 da despesa do dia com os vendedores ambulantes. Ao nosso lado tinha um grupo de pessoas de Brasília. Eram crianças e adultos que consumiam sem parar tudo que passava por eles, inclusive a tatuagem. Por todos os lados estávamos cercados por vendedores ambulantes vendendo.

Na grande maioria das vezes, essas pessoas (de todas as idades) passam despercebidas por nós e pelo poder público. Não pagam impostos, não são fiscalizadas e, tampouco, orientadas para servir com qualidade. Simplesmente elas se viram para sobreviver e nós negamos nossa responsabilidade sobre elas.

Imagino que não seria difícil cadastrar, conhecer e orientar essas pessoas. Seria interessante que eles tivessem o mínimo de instrução sobre atendimento, segurança e higiene. Que fossem fiscalizadas e que contribuíssem de alguma maneira, para ter o mínimo de segurança no presente e no futuro. Também seria muito interessante que elas lutassem por direitos e melhorias, por meio de uma associação ou cooperativa. Assim como, não houvesse abusos e nem exploração de crianças.

Pois é. Bem que Caco Barcellos poderia dedicar um programa (Profissão Reporte) para a praia e para as pessoas que dela sobrevivem. Quanto a mim, vou modificando o ditado popular “de reporte e de matéria, todos somos um pouco”.

2 comentários:

Jorge Amaral disse...

Legal Arturo, este post traz uma análise sócio-econômica muito interessante. O imenso “mercado persa” a céu aberto de nossas praias é um cenário tão democrático e diversificado (eu não conhecia o serviço: “passeio de cavalo”) que já começa, em alguns segmentos, a apresentar as vantagens da concorrência: os vendedores de queijo, por exemplo, já são tão numerosos que, embora tenha aumentado progressivamente o risco de acidentes com carvão em brasa entre os consumidores, já dá para barganhar promoções e descontos atrativos para degustarmos o derretido petisco...

Alice Senna disse...

Essa cena da praia é a nossa cena do dia-a-dia dos grandes centros. Os bolsões de pobreza se espalham. Aí estão as vitmas do capitalismo. Aí estão àqueles que as nossas escolas parecem ter pouco a oferecer. Aí estão os que integram o que se denomina socilmente de "em condições de risco"...à margem de uma vida digna, se fazem perceber ao invadirem os espaço que parecem não lhes pertencar. Sequelas da modernidade?

Postagens populares