domingo, 5 de abril de 2009

Existe alternativa ao capitalismo ? (parte 2 de 3)

Segunda Crise do Estado – últimos 20 anos do século passado

Há uma concordância entre os autores que estudam esse tema de que a segunda crise do Estado Capitalista se origina justamente na incapacidade de financiamento da política intervencionista. Ou seja, a esta nova crise do Estado tem origem fiscal. Entretanto, existem outros fatores que influenciaram em maior ou menor grau o agravamento dessa crise, a depender do estágio de desenvolvimento político e econômico que se encontravam os países.

A segunda crise do Estado Capitalista impacta decisivamente na estrutura de governabilidade e na capacidade de governança deste Estado. Enquanto que a governança é entendida “a capacidade governamental de criar e assegurar a prevalência de regras universalistas nas transações sociais, políticas sociais e econômicas” (Melo, 1996, p. 69), a governabilidade é entendida, de acordo com Orosco (1995), como um conjunto de mecanismos que asseguram um desempenho superior da direção e da autoridade da sociedade. Para Marini (2003): “Ainda que haja elementos de governabilidade presentes, a crise é, fundamentalmente, uma crise caracterizada pela baixa capacidade do Estado realizar as transformações reclamadas pela sociedade”.(p. 33).

De acordo com Bresser Pereira (1992), a segunda crise do Estado Capitalista está diretamente relacionada à crise econômica global dos anos 70 e 80. Até o início da década de 70 a maioria dos países desenvolvidos obteve altas taxas de crescimento, o que gerava recursos para a suas políticas de Bem-Estar. Estas políticas foram capazes de melhorar a distribuição de renda e trazer um desenvolvimento social e econômico nunca visto na história da humanidade. Entretanto, com o declínio do crescimento econômico, o Estado de Bem-Estar passou a ser incapaz de continuar com sua política e cumprir permanentemente sua promessa.

Como recorda Andersen (1995): “Nas economias abertas e globalmente integradas de hoje, contudo, muitas das premissas que guiaram a construção desses welfare states não são mais vigentes. O crescimento não-inflacionário induzido pela demanda, no interior de um único país, parece hoje impossível; cabe aos serviços, mais do que á indústria, a garantia do pleno emprego; a população está envelhecendo rapidamente; a família convencional, dependente do provedor masculino, está em declínio, e o ciclo de vida está mudando e se diversificando, e tais modificações estruturais desafiam o pensamento tradicional sobre a política social.” (p.73). O dilema que Andersen apresenta está no trade-off básico entre o crescimento do emprego e uma seguridade social generosa e igualitária.

O processo de globalização, que se apresenta de modo mais acelerado a partir dos anos 80, vem exercendo forte influência junto à crise fiscal do Estado. De acordo com Lechner (1993), o fim do século passado foi marcado pelo processo de globalização e de fragmentação. Segundo o autor, nós assistimos a um processo de internacionalização dos mercados que culminou na necessidade de configuração de um novo Estado, em que os circuitos produtivos, comerciais, financeiros e tecnológicos configuram uma complexa rede planetária. A globalização quebrou barreiras. Não existe qualquer Estado que possa se isolar do mundo e, com isso, conseguir progredir.

“Por outro lado, observamos uma não menos poderosa tendência à fragmentação. Acentua-se a segmentação econômica entre os países, mais ainda mais grave é a acelerada desintegração do interior de cada país. Na Europa central isso assume a forma de um ressurgimento nacionalista; na América Latina acentua-se a fragmentação social.” (Lechner, 1993, p.241).

Andersen (1995) lembra que o desafio é a integração global. A integração implica, para o autor economias abertas e inseridas em um ambiente altamente competitivo. Essa abertura certamente restringe a autonomia dos países no planejamento das suas próprias políticas econômicas. O autor infere que “economias como a norte-americana enfrentam o desafio da competição global ampliando o emprego, mas à custa do crescimento das desigualdades salariais e de renda familiares, da elevação dos níveis de pobreza e do ressurgimento de uma “subclasse””. Em contraste, na Europa Ocidental, onde o sindicalismo é forte e atuante, não há demasiadas perdas da igualdade, eles conseguem evitar o crescimento da pobreza, entretanto sofrem com altas taxas de desemprego e um exército de dependentes do Estado.

Retomando Bresser Pereira (1997), a crise do Estado está associada, segundo ele, ao caráter cíclico da intervenção estatal e, também, ao processo de globalização relatado, o qual reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados nacionais. Segundo o autor, o Estado entrou em crise fiscal, perdeu em graus variado o crédito público, viu sua capacidade de gerar poupança diminuir e ficar negativa. Para ele, o Estado se imobilizou. Apenas o Leste e o Sudeste Asiático conseguiram evitar, de alguma maneira, a crise.

Aliado a esse processo de crise fiscal e acirramento da competição em um mundo cada vez mais globalizado, a estrutura burocrática construída pelo Estado durante os anos 50 como forma de atender às demandas sociais e, com isso, impulsionar a economia, também começa a dar fortes sinais de esgotamento do seu modelo de gerenciamento técnico. O modelo de administração burocrática weberiana chegara ao seu limite de eficiência.

De acordo com Melo (1996), historicamente existiu três formas de controle do Executivo sobre a burocracia, das quais relatarei as duas primeiras. A primeira vem do patrimonialismo. Ou seja, confundia-se a o próprio poder de governar com a máquina estatal, não havendo separação entre o governante e a burocracia. Neste modelo é comum o uso de formas personalistas de recrutamento e pessoas e o uso da máquina estatal em benefício particular. A segunda forma de controle é a burocracia profissional, ou weberiana. Nesta forma, há um distanciamento da máquina estatal com o governante enquanto homem político, as regras passam a existir e ascendem os tecnocratas e a tecnocracia. É neste contexto que surgem, segundo Melo (1996), problemas agente-principal na relação entre governantes e a burocracia, evidenciando o esgotamento do modelo burocrático estatal.

Diniz (1996) também enxerga esse problema. Segundo ela, a crise do Estado pode ser entendida por fatores exógenos, como a globalização, e fatores endógenos, como a crise fiscal e “fatores estruturais que conduziram à corrosão da ordem estatista, em seus diferentes níveis, tais como as formas predominantes de articulação entre o Estado e a sociedade, as relações capital-trabalho, o padrão de administração do conflito distributivo e a modalidade de relacionamento entre os setores público e privado.” (p. 7).

Buscamos em Orosco (1995) outras características da crise do Estado. Para Orosco, há uma crise de governabilidade, ou melhor, existe no Estado a disfunção da ingovernabilidade. Ingovernabilidade é definida pelo autor como a incapacidade de produzir bem estar devido a uma diminuição sensível da ordem e da estabilidade. Para o autor, existem três versões diferentes de ingovernabilidade. A primeira é o resultado de uma sobrecarga de exigência da sociedade, obstruindo o governo e minando a capacidade de atendimento do serviço público. Podemos identificar nessa versão uma influência forte da retomada do processo de democratização, principalmente nos países latino americanos. A segunda versão, como abordada anteriormente por outros autores, advém da incapacidade de financiamento das crescentes demandas da sociedade aliada, podemos acrescentar a má gestão da máquina estatal, ou crise de racionalidade da administração burocrática. A terceira versão centra na degradação do apoio político, oriunda da crise legitimidade do governo e incapacidade de estimular um nível adequado de lealdade ao governo.

Lechner (1996), observando a experiência da crise financeira que se desencadeou no México no final de 1994, retirou três dilemas que o Estado enfrenta hoje. O primeiro é a tensão ente as dinâmicas de globalização e o âmbito nacional. Para o autor, a crise mexicana evidenciou a fragilidade dos Estados em desenvolvimento perante a globalização e o fluxo financeiro de capital especulativo entre os países. Outros países experimentaram, após o México, da fuga de capitais financeiros especulativos, entre eles o Brasil, a Rússia e a Coréia. Para o autor: “o problema não é só econômico: a globalização altera a agenda dos países, que acaba sendo ditada por eventos externos, fora do controle dos atores nacionais.” (p. 34).

O segundo dilema está na tensão entre as dinâmicas econômicas e a institucionalidade política. De acordo com o autor: “os casos bem sucedidos de liberalização econômica exigiram uma forte intervenção estatal.” (p.34). Voltamos, neste caso, a analisar a capacidade de governança do Estado. Não havendo essa capacidade, pode haver, segundo o autor, um colapso do governo e da ordem social. Entretanto, essa capacidade de governança, caso não seja bem construída, entra em confronto com a reivindicação democrática de maior participação da sociedade civil. Para o autor: “A adequação das economias nacionais às novas condições não é acompanhada por uma adequação das instituições democráticas. É notório o atraso da política com respeito ao dinamismo social.” (p.35).

O terceiro dilema reside na tensão entre democracia e governabilidade democrática. O autor argumenta que está em curso uma reforma do Estado que leva em consideração apenas aspectos econômicos e funcionalistas, sem referência alguma ao regime democrático. Existe uma constatação de uma crise generalizada de legitimidade do Estado, da função pública e dos sistemas de representação e mediação política.

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