sexta-feira, 15 de maio de 2009

Silêncio

Meus colegas de doutorado fizeram uma bela apresentação sobre o silêncio nas relações entre professores e alunos. Eles partiram das obras de Paulo Freire e instigaram a turma a discutirem e sentirem todas as relações e reações que o silêncio e o não-silêncio provocam nas pessoas.

Depois das provocações da aula, viajei nas minhas recordações de silêncio e imediatamente as relacionei a uma atividade que participei no último sábado, a qual eu descreverei mais adiante. É interessante notar que o silêncio pode ser considerado um intervalo entre um som e outro. No nosso dia-a-dia, cada vez mais agitado, fica difícil perceber o silêncio, mas não é impossível.

Muitas vezes, ao sair do trabalho, no horário de maior tráfego, onde o normal é haver muito barulho e buzina, percebo que há um silêncio no ar, talvez provocado por algum fenômeno atmosférico. Não que eu deixe de escutar as coisas, mas elas não mais me incomodam e praticamente se silenciam. Abro a janela e curto o vento entrando no carro e um tipo de silêncio abafado, diferente e confortável.

Numa partida de futebol ou numa disputa de pôquer o silêncio também está presente, não importa de que tamanho seja a torcida. Antes de cobrar o pênalti e antes do abaixar as cartas, há um silêncio ansioso, quase que querendo antecipar os fatos e as consequências das jogadas.

Percebemos o silêncio quando esse antecede momentos difíceis e decisivos. É comum nos filmes onde os boxeadores se preparam para a luta. Em seus camarins, há um silêncio apreensivo pela luta. Em seus corpos fervilham adrenalinas, mas eles estão no maior silêncio que só é quebrado pela vibração da platéia ao ingressarem na arena.

Antes de qualquer batalha há um silêncio assustador, que liberta a imaginação e os piores pensamentos. O soldado praticamente não respira e não se mexe, esperando a ordem do seu general. O silêncio é quebrado pelo grito de guerra e horror.

Encontramos o silêncio em vários outros momentos: antes do primeiro choro do neném ao ser retirado de sua mãe; no intervalo imediatamente posterior ao clique de uma máquina fotográfica e a inevitável pergunta: “ficou boa?”; no instante de tensão da abertura de um resultado de um exame de saúde; no momento que antecede à resposta à pergunta “quer casar comigo?”...

Neste sábado me encontrei envolvido em algo também surpreendente. Tratou-se de um mutirão que envolveu quase que 20 mil pessoas. Participei da preparação que antecedeu o evento e de sua coordenação em si. O mutirão estava marcado para se iniciar às 8 horas, porém eu precisava chegar mais cedo (6:30 h) para arrumar as últimas coisas. Dentro de meu carro, no percurso de minha casa ao local do evento, eu estava preenchido por um silêncio contemplativo. Com os vidros fechados, via a chuva forte que caia sobre a cidade e me projetava já realizando o evento.

Ao chegar no local, vi uma multidão aglomerada e espremida pela chuva aguardando o início do mutirão. Uma desorganização geral provocada pela chuva e pela ansiedade das pessoas em serem prontamente atendidas. Meu silêncio foi rompido imediatamente e me senti entrando num campo de batalha.

Por causa da chuva e pelas atividades que ocorriam no local, o evento gerou um forte barulho, mistura de gente se comunicando, rádios comunicadores chiando, mensagens sendo ditas em alto-falantes e todos outros sons de uma multidão. O ambiente estava completamente insalubre e sugava todas as energias das pessoas que participavam do mutirão. A ordem estava clara: não descansar até que as atividades estivessem finalizadas.

Quando o relógio bateu às 21 horas, 15 horas depois de iniciados os trabalhos do mutirão, o som da última atividade foi transmitida pelos alto-falantes. Depois disto, um silêncio acalentador tomou conta de todo o espaço, onde antes estavam centenas de pessoas. Exaustos, todos da minha equipe e eu caímos sentados. Olhei os meus colegas em volta e comentei: agora, o único som que desejo ouvir é o de uma cerveja sendo aberta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Arturo!
Seu nome é muito bonito! Sabe o que significa?
Gostei muito do seu texto sobre o silêncio. Há bem pouco tempo eu e "ele" tinhamos uma relação meio complicada, agora não. Acredito que o medo acabou.
Vai ser um prazer receber sua visita lá em casa (blog).
Abrs.

Alice Senna disse...

Que postagem interessante. Tem momentos que nada é mais prazeiroso que o silêncio.

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