quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Problematizando a avaliação 4 - Como avaliar

Como avaliar

Entretanto, para se ter avaliações de aprendizado que possam ser comparativas se entra na discussão do “como avaliar”. Worthen, Sanders e Fitzpatrick afirmam que os vários modelos avaliação desenvolvidos nas últimas três décadas seguem concepções e definições diferentes e, muitas vezes, conflitantes. Os autores identificam três grupos de diferenças entre os modelos de avaliação: orientações filosóficas, predileções metodológicas e preferências práticas.

Os embates filosóficos e ideológicos, para os autores e em acordo com House, são travados em dois eixos. No primeiro eixo estão os modelos de avaliação que vão do objetivismo ao subjetivismo. O objetivismo requer que as informações sejam “cientificamente objetivas”, por meio da utilização de técnicas de coleta e análise de dados que dêem resultados reproduzíveis e verificáveis por outras pessoas. O subjetivismo baseia suas pretensões à legitimidade, onde o saber é concebido como algo tácito em sua maior parte, em vez de explícito. A validade de uma avaliação subjetiva depende da relevância da formação e das qualificações do avaliador, bem como da clareza de suas percepções, que ao método científico.

Noutro eixo, o embate se estabelece entre as abordagens utilitaristas e as institucionalistas-pluralistas. Para as abordagens utilitaristas, o valor estimando se refere ao impacto global de um programa sobre aqueles a quem afeta, onde o maior bem é aquele que vai beneficiar o maior número de pessoas. Nas abordagens institucionalistas-pluralistas, não há um indicador comum de “bem”. O valor se baseia na idéia de valor do cidadão individualmente. Nesse sentido, há uma pluralidade de critérios e juízos.

Para os autores, em relação às preferências metodológicas, essas além de serem extremamente influenciadas pelas correntes filosóficas descritas anteriormente, agrupando-se em dois paradigmas. O primeiro é o da avaliação quantitativa, associado ao paradigma positivista, que afirma que o conhecimento se baseia nos fenômenos naturais e em suas propriedade e relações tal como verificadas pelas ciências empíricas. O segundo é o da avaliação qualitativa, associado ao paradigma construtivista, que afirma que o saber é construído pelo homem e que as realidades não existem objetivamente, pois não existe realidade alguma exceto aquela criada pelas pessoas.

As correntes positivistas e neopositivistas definem como científicas somente as pesquisas baseadas na observação de dados da experiência e que utilizam instrumentos de mensuração sofisticados. Por isso, afirmam que os métodos qualitativos não originam resultados confiáveis. Por outra parte, os teóricos qualitativistas sustentam que os quantitativistas, na medida em que não se colocam no lugar do sujeito, não realizam investigações válidas.


Serapioni faz uma distinção entre os métodos quantitativos e qualitativos:


Métodos qualitativos (fenomenologia e compreensão):


o analisam o comportamento humano, do ponto de vista do ator, utilizando a observação naturalista e não controlada;


o são subjetivos e estão perto dos dados (perspectiva de dentro, insider), orientados ao descobrimento;


o são exploratórios, descritivos e indutivos;


o são orientados ao processo e assumem uma realidade dinâmica;


o são holísticos e não generalizáveis.


Métodos quantitativos (positivismo lógico):


o são orientados à busca da magnitude e das causas dos fenômenos sociais, sem interesse pela dimensão subjetiva e utilizam procedimentos controlados;


o são objetivos e distantes dos dados (perspectiva externa, outsider), orientados à verificação e são hipotético-dedutivos;


o assumem uma realidade estática;


o são orientados aos resultados, são replicáveis e generalizáveis.


Schofield e Anderson complementam a diferença entre os dois paradigmas. A pesquisa qualitativa em geral: 1) é realizada em ambientes naturais; 2) utiliza o pesquisador como o principal instrumento; 3) tende a se concentrar mais nos processos sociais do que principal ou exclusivamente nos resultados; 4) emprega múltiplos métodos de coleta de dados; 5) usa uma abordagem indutiva em relação á análise dos dados. Por outro lado, a pesquisa quantitativa em geral: 1) concentra-se em testar determinadas hipóteses que são partes menores de uma perspectiva teórica mais abrangente; 2) segue rigorosamente o modelo tradicional das ciências naturais, que enfatiza a abordagem experimental e os métodos estatísticos de análise; 3) enfatiza a padronização, a precisão, a objetividade e a confiabilidade da mensuração, bem como a possibilidade de reproduzir e generalizar suas conclusões.


A maioria dos avaliadores contemporâneos vê claramente os métodos quantitativos e qualitativos como abordagens compatíveis e complementares da avaliação de programas. Corroborando esse pensamento, Serapioni afirma que não há contradição entre os paradigmas, ambos estão relacionados às mesmas questões e ambos são apropriados ou inapropriados a depender dos objetivos e característica da investigação.


Em relação às considerações práticas, em primeiro lugar, os avaliadores discordam entre si quanto ao fato do objetivo da avaliação ser ou não um juízo de valor. Em segundo lugar, têm diferentes visões sobre as funções políticas da avaliação. Em terceiro lugar, são influenciados pelas suas experiências anteriores. Em quarto, diferem entre si quanto a quem deve conduzir a avaliação e sobre a natureza dos conhecimentos especializados que deve ter um avaliador sobre o objeto avaliado. Finalmente, os avaliadores diferem se é desejável ou não ter uma grande variedade de abordagens da avaliação.

Problematizando a avaliação

Na ponta desse recorte de discussão teórica acerca da avaliação estão o aluno, o professor e o sistema de ensino. O que é avaliação? Por que avaliar? O que avaliar? Como avaliar? Ao longo dos textos ficou claro que cada tentativa de resposta a uma dessas quatro perguntas leva a dimensões e possibilidades extremamente variadas entre si. Um professor que acredita que a avaliação é uma ação de julgamento de valor e que serve para verificar se o aluno merece ou não ser promovido de ano terá atitudes, instrumentos e método de avaliação completamente diferentes daquele que compreende a avaliação um ato de negociação, subjetivo e de utilidade diagnóstica.


A priori, nessa situação, nos confrontamos com três tipos de problemas difíceis de serem solucionados em conjunto. O objetivo dessa série de artigos, antes de apresentar qualquer solução imediata, é, a partir de um referencial teórico, posicionar as luzes de debates e investigações numa gama de conflitos que estão aparentemente adormecidos.


O primeiro é em relação ao sistema que necessita para o seu funcionamento o mínimo de organização, coerência e compatibilidade. Para solucionar o problema do sistema um caminho seria imprimir regras e procedimentos gerais, onde as partes estariam, dessa forma, “obrigadas” a operarem em acordo umas com as outras? A avaliação individual ou customizada cederia espaço para uma avaliação padronizada? O objeto a ser avaliado e os procedimentos de avaliação seriam os mesmos para todas as escolas? A avaliação levaria em conta questões de contexto, informações de entrada e de saída? O professor assumiria papel de coadjuvante no processo avaliativo, beneficiando-se dos dados diagnósticos uniformizados?


O segundo problema se refere ao professor e suas necessidades, deficiências e autonomia. O professor é ao mesmo tempo instrumento do sistema e um sistema em si. O professor deve seguir regras universais e objetivos comuns e ter os seus próprios, oriundos de suas experiências e das características do seu ambiente de sala de aula. O professor está, dessa forma, no centro do conflito. Para ser justo ele deve ser objetivo em sua avaliação, garantido uma uniformidade de critérios entre os alunos? Ou, ao contrário, ele deve ser subjetivo, explorando as peculiaridades de cada indivíduo que passa por seus cuidados? Qual a coerência e compatibilidade que o professor deve procurar ter entre a sua avaliação da avaliação do professor que veio antes, que virá depois ou da escola vizinha? O professor está apto a avaliar seus alunos em qualquer modelo de avaliação? O que as escolas estão ensinando sobre avaliação aos professores?


O terceiro problema reside no conflito entre os interesses dos alunos, enquanto indivíduos, e da sociedade. Nesse sentido, o interesse do aluno deve ser levado em conta ou o que conta é o interesse da sociedade? Qual a participação do aluno em sua própria avaliação? Em qual medida é permitida ao aluno a avaliação de quem o avalia? Como as características individuais de cada aluno podem ser levadas em conta num processo avaliativo de larga escala? Quem merece melhor julgamento: aquele que alcançou melhor nota ou aquele que agregou maior aprendizado?

Um comentário:

Jorge Amaral disse...

Amigo Catunda,
Excelente contribuição para o entendimento de tão complexo tema. Sabemos que o processo educacional não se encerra nos resultados da avaliação, com a promoção ou reprovação do aluno “cliente”, ele se complementa com o retorno obtido pela avaliação, sendo necessário retroalimentar o sistema com ações de correção para garantir a melhoria contínua da qualidade. E a Auto-Avaliação do aluno - de que forma entra nessa equação?

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