
Bem no começo, encontravam-se pouco no elevador. Mas, com o tempo, foram aprendendo os horários e os encontros passavam a ser mais freqüentes. Nunca trocaram uma palavra sequer. Mas, sabiam exatamente o horário que subiam e desciam. Na entrada, logo às 8h. No horário do almoço, às 12:15 h. E, finalmente, na saída, às 18 h. Quando um não aparecia, logo o outro ficava preocupado. Não era raro ficar esperando no saguão ou, mais grave, ficar subindo e descendo até que a aflição desaparecesse.
Quanto menos se falavam, mais se apaixonavam. Era uma relação platonicamente muda. Tentaram várias vezes pronunciar uma palavra qualquer ao outro, mas algo sempre os impediam. Parecia que carregavam aos seus lados a mulher e o marido. Tinham, com certeza, grande apreço pelos valores morais e, também, medo que algum dedo duro apontasse aos seus companheiros a relação que aflorava entre um homem e uma mulher. Acostumaram-se a essa situação e, cada vez mais, colocavam uma pedra no muro invisível que os separavam dentro do ínfimo espaço do elevador.
Apesar de acostumados, não estavam satisfeitos. Já se passara cinco anos de troca de olhares, de cumplicidade curta dentro do elevador. Sabiam que isso poderia acabar a qualquer hora. E se ele fosse demitido? E se ela fosse transferida? Ela mesma já havia recusado uma oferta de trabalho fora daquele prédio. A relação dos dois, apesar de estável (o elevador nunca quebrou ou atrasou nesse tempo todo) poderia ruir a qualquer mudança funcional.
Disposto a romper o silêncio, mesmo que em pânico, os dois marcaram o primeiro encontro, que ocorreu no café localizado no andar térreo do prédio. Ele chegou primeiro e pediu um café expresso duplo, bem forte, para dar coragem. Ela chegou depois. Pronunciaram duas únicas palavras:
- Júlia?
- Raul?
Beijaram-se intensamente. O beijo, apesar rápido, durou uma eternidade para os dois. Logo, perceberam a transgressão que haviam cometido. Ela, pálida, saiu correndo e ele, trêmulo, pagou a conta. Não se viram na saída. Nem no dia seguinte. Nem depois.
Ela ficou doente, com gripe. Ele, resfriado, não foi trabalhar. Diagnosticaram gripe suína. Em casa, ninguém sabia como tinham contraído a gripe. Suspeitaram de um argentino que vendia alfajo na porta do prédio. Mas, não provaram nada. Deram entrada no mesmo hospital, mas não se viram. Faleceram na mesma hora. Foram enterrados no mesmo cemitério. Uma numa cova, o outro, bem perto.
Como era caso de gripe suína, pouca gente compareceu além do marido dela e da esposa dele. Ela, a viúva que chorava compulsivamente, deixou cair o lenço ensopado de lágrimas. Afinal, ele era um marido exemplar. Ele, o viúvo que viu a cena, apanhou o lenço e a deu outro, limpo, para que continuasse a chorar. Ele contou sua história. Ela, imagine, ficou surpresa com a semelhança da história dela.
Viúvo e viúva saíram para almoçar. Apaixonaram-se. Casaram-se novamente. Hoje, vivem felizes em Amaralina.
Pode acreditar.
Um comentário:
rsss...se eu não te conhecesse compraria e comeria "coentro"!! rss. cada vez, vc me surpreende com a sua inventividade!! Qual foi a fonte de inspiração?rss... Bjss
Postar um comentário