quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ele é feio, mas é gostoso.

Minha tentativa de passar “outro carnaval” fora de Salvador não deu certo. Ao menos, no Nordeste, só não choveu em Salvador. Todas as outras capitais ficaram sob fortes nuvens negras que despejavam rios de chuvas, que não eram confetes. Em João Pessoa não foi diferente, passamos por aqui um carnaval aguado, reservado às áreas fechadas, como clubes e casas. Não digo que não houve animação, mas de um tipo diferente.

Amargando minha dor de cotovelo, tive tempo para observar um fenômeno nordestino, curioso, mercadológico e gastronômico ao qual dedico essa postagem. Trata-se do caranguejo.

Pode ser que alguém não saiba, mas caranguejo é um crustáceo bem feio, mas muito gostoso. O bicho tem cinco pares de patas bem cabeludas, das quais uma é bem grande e no formato de uma pinça. Vivem entocados em buracos e variam de tamanho, cor e nome: Caranguejo-azul, Boca-cava-terra, Caranguejo-aranha-gigante, Guaiamu, Caranguejo-uçá, Aratu, Caranguejo-amarelo, Chama-maré, Caranguejo-do-rio, Caranguejo-dos-coqueiros, Guruçá, Maria-farinha, Caranguejo-de-água-doce-de-malta, Caxangá, Caranguejo Real, Caranguejo Centolla e Uçá.
Nós, seres humanos, comemos de todos, mas o mais degustado é o caranguejo uçá, que é retirado dos mangues de todo litoral brasileiro. Recentemente houve uma epidemia de um fungo proveniente de afluentes de fazendas de camarão que quase extinguiu esse tipo de caranguejo. Os bares de Salvador e, pasmem, de Aracaju tiveram que encomendar toneladas desse crustáceo vindas do Pará.
Quem percorre o litoral do Nordeste logo percebe que a maneira de saborear o caranguejo muda bastante de localidade para localidade. Em Salvador, por exemplo, o caranguejo é fervido em água e sal. Dele são retirados todos os pelos e, à mesa, vão apenas os bichinhos e os artefatos para comê-lo (tábua e martelo). Em Aracaju praticamente é a mesma coisa. O que muda é o ritual. Lá, na capital sergipana, o povo se veste como se fosse a um casamento e sai para o principal point da cidade, bar Amanda, para comer caranguejo e tomar cerveja num copo de plástico dentro de um copo americano (de vidro).
Numa cidadezinha pernambucana chamada Goiana tem um bar (Buraco da Gia) que a atração é um caranguejo (guaiamu) que serve e toma cerveja. Essa história – ou será estória? – rola desde que eu era pequeno, já passou no Fantástico e ainda é contada. Imagino a idade desse caranguejo. Na verdade, segundo contam alguns blogueiros, o dono do bar (Seu Luiz) fica o ano todo adestrando caranguejos. Os que demonstram algum talento vão ao salão servir cerveja aos clientes, os que não demonstram talento algum também vão, só que dentro das panelas.
Já na Paraíba, aqui em Cabedelo, o ritual muda novamente. Os pelos das patas não são retirados e ele é cozinhado em um gorduroso molho a base de leite de coco. Fica muito bom, mas meleca tudo em volta. Além disso, como acontece em Sergipe, vem um delicioso pirão de acompanhamento.
Como acontecem todos os anos em que passo alguns dias do verão aqui na Paraíba, meu irmão me leva para comer alguns desses bichinhos. Geralmente ele escolhe os bares Cibelly ou Bardionaldo (assim mesmo), ambos na praia de Poço. Neste dia percebi um curioso fenômeno mercadológico. Ao lado do Bardionaldo surgiu um outro bar, que não me lembro o nome. Esse novo bar tem as mesmas dimensões e estruturas do seu vizinho. Diferiam, aparentemente, em um ponto: o Bardionaldo estava lotado e o novo estava completamente deserto.
Quando chegamos ao Bardionaldo não havia mais mesas à disposição. Tivemos que ir para a beira da praia esperar vagar um lugar. Prontamente, uma garçonete trouxe um isopor com três cervejas estupidamente geladas e um sombreiro. Um pouco depois já tínhamos também uma mesa e as cadeiras. Estava tudo certo e muito bem atendido. Porém, quando resolvemos pedir o pretendido caranguejo, o tempo fechou e em poucos segundos uma forte chuva (daquelas de canivete) varreu a praia. Todo mundo procurou algum ponto para se refugiar. O Bardionaldo, que já estava cheio, ficou lotado. Não tivemos outra escolha a não ser invadir o bar vizinho, que ainda continuava vazio.
Rapidamente pegamos uma mesa, das muitas disponíveis, e resolvemos atender ao nosso anseio pedindo, naquele bar, a iguaria que desejávamos desde a primeira linha dessa postagem. Foi ai que começamos a notar a diferença do bar para o Bardionaldo e a explicação de tantas mesas vazias quando a praia estava cheia.
Primeiro. Solicitamos uma cerveja e fomos surpreendidos com a notícia que só tinha long neck, que, com o mesmo sabor do de uma garrafa normal de 600 ml, custa o dobro do preço.
Segundo. Pedimos três caranguejos, mas fomos novamente surpreendidos que o pedido mínimo era o de uma porção com quatro unidades.
Terceiro. Os caranguejos vieram faltando muitas patas. Caranguejo já não tem muita carne e, faltando patas, resta nada.
Quarto. Não veio o pirão, acompanhamento que é normal em qualquer bar paraibano.
Quinto. Apesar de ter apenas duas mesas ocupadas (a nossa e a de um outro grupo desavisado) a conta veio errada.
Daí a explicação ao vazio na multidão. A proposta do bar era outra. O bar não queria competir com o mesmo público do Bardionaldo. Queria oferecer uma qualidade de serviços e produtos melhores com um preço também maior, para atrair pessoas disposta a pagar por isso. Se essa é a proposta, tudo bem. Mas, não dá para cobrar mais e servir pior: ninguém fica.
Enquanto ao caranguejo, terei que retornar ao Bardionaldo para concluir minha missão.

4 comentários:

Unknown disse...

Companheiro:

Você está precisando de uma reciclagem culinária no que diz respeito ao modo de servir o famoso caranguejo em Salvador. Para seu conhecimento, este crustáceo é cozido em água e sal, com muitos temperos (principalmente cebola e coentro) e um pouco de azeite de oliva ou doce, como se diz na Bahia. É servido, também, com um pirão preparado com farinha de copioba, a água de cozimento do "danado" e azeite de dendê. Acompanha, ainda, o conhecido molho lambão (depois eu lhe digo como se faz) e, o indispensável molho de pimenta. Dessa forma, não precisa voltar ao Bardionaldo, para comer um bom caranguejo, basta atravessar a fronteira entre Lauro de Freitas e Salvador e ir até a Cabana da Cely, que além de servir um caranguejo maravilhoso, é bem mais fácil de pronunciar.

Jorge Amaral disse...

Sinda tem plena razão caro companheiro, e se não quiser se dar ao trabalho de atravessar a fronteira para Salvador, aí mesmo perto de sua casa, na beira da praia de Ipitanga você encontra o "Bar de Cota", cerveja geladíssima e uma porção de carangueijos com pirão dos deuses!!!!

Alice Senna disse...

uiaa que o povo se inspirou na defesa do bom carangejo baiano. Tão gostoso quanto o de Aracaju e adjacencias...rs. O pirão maravilhoso qe acompanha esse delicioso crustaceo, lá em LF, na cabana da Cely é um manjar dos deuses. Bjs

Alice Senna disse...

Esse título que vc deu ao seu post me faz lembrar da Raimunda! rs. Bjs

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