sábado, 18 de abril de 2009

O governo vai à escola

Nesta semana, tive oportunidade de conhecer uma organização paulista que se dedica à formação de profissionais da administração municipal. Apesar de seu foco ser o funcionalismo público, ela também abre as suas capacitações para outros interessados: estudantes, funcionários de outros níveis de governo e demais interessados, assim como eu. O objetivo da organização é suprir uma carência que os governos municipais não conseguem suprir sozinhos: capacitar e manter capacitado o funcionalismo público.

Não obstante o fato de ser muito difícil ou oneroso medir os impactos de uma capacitação para a produção ou melhoria da qualidade dos serviços oferecidos à população, poucos defenderiam a idéia de que não se precisa capacitar os funcionários. Silvia, Licio e Andrade (1) enumeram vários argumentos a favor da capacitação, vejamos:
(1) As carências nos serviços públicos são imensas.
(2) Aumento da demanda da população por mais serviços públicos, cada vez mais qualificados.
(3) Necessidade do Estado em atender às demandas da população de maneira ágil, econômica e ética.
(4) Exigência de novas competências dos servidores públicos alinhadas ao contexto de grandes transformações, principalmente no que se refere à tecnologia da informação e informática.
(5) Necessidade de profissionais habilitados a tratarem situações cada vez mais complexas e interdisciplinares.
Para os autores, a verdadeira questão da necessidade de capacitação não deve ser pautada no que se gasta no processo de capacitação, mas sim no quanto custa (em termos globais) possuir um profissional não qualificado para a administração pública e para a sociedade.
Corroborando, acrescento que também não é uma questão de melhor seleção. Não se resolveria o problema da baixa qualidade dos serviços públicos apenas com uma melhor seleção dos funcionários. Na iniciativa privada, a qual investe fortemente em processos seletivos eficazes, a capacitação pós-contratação é fundamental. Um egresso da melhor universidade do Brasil, em qualquer área, ao entrar numa empresa minimamente séria não vai ao trabalho sem passar por uma bateria de capacitações. Está aí o programa treinee como exemplo.
Se a questão capacitação é, desta forma, essencial para a operação e melhoria dos serviços públicos, a Escola de Governo é o mecanismo vitrine preferido pelos gestores públicos. Pacheco (2) faz uma analogia com as universidades coorporativas, da iniciativa privada, para se chegar a uma definição do que seria Escola de Governo: um local onde o servidor é capacitado nas ferramentas necessárias ao seu trabalho, de maneira transversal e interdisciplinar, mas também nos valores que devem ser praticados por todos. Faço um adendo aqui para não confundirmos a formação de valores comuns com a introjeção de ideologias partidárias dos grupos que estão no poder. Os valores que devem ser comuns a todos os servidores são baseados nos fundamentos e princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No Brasil, a história da Escola de Governo nasceu com a Escola Nacional da Administração Pública (ENAP), em 1986, sob forte influência da École Nationale d`Administration (ENA), da França. O modelo francês, que tanto influenciou o Brasil e a América Latina, surgiu com o objetivo de, no pós-guerra, criar uma burocracia estatal apartada das questões políticas. Era uma maneira de formar quadros de elite para o funcionalismo público que servisse de contraponto às ameaças de totalitarismo político.
A autora (Pacheco), defende que a necessidade atual não é mais formar quadros de elite, apartada do sistema político. Uma vez adormecida a memória dos horrores da guerra, pode-se admitir que é mais eficiente um burocrata que tem sensibilidade política do que um burocrata asséptico dos anseios e problemas da população. A Escola de Governo atual estaria para todos os servidores e não para poucos da elite. A esta nova Escola de Governo, estaria também a missão de buscar novas alternativas para os problemas da administração pública, por meio da pesquisa, assim como ser elemento aglutinador e intercambiador de experiências e necessidades, e depositária do conhecimento já acumulado.
Do meu ponto de vista, a Escola de Governo, neste novo papel, também precisa ter inteligência para identificar demandas locais de capacitação. Esse papel, apesar de óbvio, raramente é executado. Atualmente, as capacitações são transmitidas como moda. Se tiver na ENAP, deve ter na nossa também. Essa é a lógica reinante. É a lógica “de-cima-para-baixo”. De repente, todos tem de fazer aquele curso que ninguém sabem mesmo para que serve.
Deve-se pensar numa Escola de Governo que troque experiências, sim. Mas, fundamentalmente, que mapeie as competências necessárias e existentes e que, sob um mapa lógico de competências demandantes localmente, torne real um programa de formação continuada do servidor público que realmente agregue valor aos serviços oferecidos aos cidadãos.

Fontes:
(1) SILVIA, Alzira M. S.; LICIO, Elaine C.; ANDRADE, Maria Rita G. de. Rede de Escolas de Governo: oportunidade de aprendizado coletivo. In: Escolas de Governo e Gestão Municial. Orgs.: CARNEIRO, José Mario Brasiliense; AMORIM, Alexandre. São Paulo: Oficina Municipal, 2003.
(2) PACHECO, Regina Silvia. Escolas de Governo: evolução histórica e perspectivas para os municípios brasileiros. In: Escolas de Governo e Gestão Municial. Orgs.: CARNEIRO, José Mario Brasiliense; AMORIM, Alexandre. São Paulo: Oficina Municipal, 2003.

Um comentário:

Jorge Amaral disse...

Contribuindo para o estudo da validação de programas de capacitação, merece ser consultada uma interessante produção acadêmica de autoria dos Professores Ronaldo Pilati (UNICEUB) e Jairo E. Borges-Andrade (Universidade de Brasília) intitulada “Estratégias para Aplicação no Trabalho do Aprendido em Treinamento: Proposição Conceitual e Desenvolvimento de uma Medida” (Disponível em http://www.scielo.br/pdf/prc/v18n2/27472.pdf - In: Reflexão e Crítica, 2005, 18(2), pp.207-214).

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