sexta-feira, 31 de julho de 2009

Problematizando a avaliação 3 - O que avaliar


O que avaliar

Se a avaliação deve se configurar num instrumento diagnóstico, dialético e de identificação de novos rumos, capaz de prover informações tanto para o avaliador (professor) quanto para o avaliado (aluno), uma das principais discussões é sobre “o que avaliar”, ou seja: o fenômeno a ser investigado, desnudado, revelado. O objeto a ser avaliado, que no contexto educacional se traduz no currículo a ser trabalhado pelas escolas, deve ligar os objetivos educacionais com as práticas pedagógicas do ambiente escolar. Portanto, tratando-se de um elemento por natureza político e de grande influência na prática escolar, “o que avaliar” acarreta conflitos de extrema relevância.


Um desses conflitos é trazido por Ristoff. Para esse autor uma discussão que deve ser travada é sobre o utilitarismo e o imediatismo do que deve ser avaliado. O autor argumenta que nem tudo que se avalia deve ser imediatamente útil. O que seria da grande maioria das áreas humanas e das ciências básicas se o seu valor fosse medido exclusivamente pelo valor de mercado? Citanto Theophile Gautier, o autor afirma que não há verdadeiramente belo senão o que não pode servir a nada; tudo o que é útil é feio, porque é expressão de qualquer necessidade, e as necessidades do homem são ignóbeis. O local mais útil de uma casa são as latrinas. Ristoff argumenta que raramente chegaríamos a este nível de radicalismo para definir o belo, colocando-o como necessariamente antagônico ao útil.

Além da discussão sobre o útil ou o belo, o imediato ou o não imediato, tem-se outra sobre avaliar apenas conhecimentos ou, de uma forma mais completa, as competências. Avaliações nacionais, como o SAEB e, mais recentemente, o ENEM trabalham com o conceito de competência.

[...] A prova do ENEM se diferencia das demais por ser estruturada em habilidades, incentivando o raciocínio e trazendo questões que medem o conhecimento dos alunos por meio de enfoque interdisciplinar. A nova prova vai manter essa característica, agregando às habilidades medidas um conjunto de conteúdos formais mais diretamente relacionado ao que é ministrado no ensino médio. Mas sem abandonar as questões contextualizadas, que exigem do estudante a aplicação prática do conhecimento, e não a mera memorização de informações. (INEP, 2009)

Talvez a grande dificuldade em se adotar o conceito de competência e suplantar as avaliações estritamente de conhecimento, ou de memorização, seja definir competência. Com base no senso comum competência é facilmente associada a resultado e desempenho. Uma pessoa é considerada competente quando consegue desempenhar ou realizar determinadas atividades e, por meio delas, produzir os resultados desejados. Alguns outros sinônimos de competência são: alçada, capacidade, aptidão, autoridade, atribuição, concorrência, e jurisdição.

Há, na literatura sobre competência, uma série de correntes de pensamento e focos de aplicação que revelam multiplicidade de conceitos que, em muitas oportunidades, chegam a ser contraditórios, redundantes e tautológicos. D’Almeida observou que a incorporação progressiva desse conceito às ciências sociais fez com que surgissem conotações variadas para o termo, dificultando a sua consolidação, utilização e implementação. A autora conclui que não há consenso, entre os estudiosos, a respeito da definição de competência e, não raras vezes, a noção é utilizada de diferentes maneiras, algumas até mesmo controversas, em diferentes contextos e por atores com interesses diversos.

A diversidade de conceitos associados ao termo competência se deve, principalmente, aos autores especialistas no assunto, os quais recebem influência de diferentes disciplinas e correntes de pensamentos, às instituições nacionais de formação e às instituições nacionais de normalização e certificação. Zuñiga apresenta a seguinte coletânea de conceitos de competência sob essas influências:

o Andrew Gonzci (1996): uma completa estrutura de atributos necessários para o desempenho em situações específicas.

o Julián Muñoz de Priego Alvear (1998): aquelas qualidades pessoais que permitem predizer o desempenho excelente em um entorno em modificação e exige multifuncionalidade.

o Santiago Agudelo (1998): capacidade integral que tem uma pessoa para desempenhar-se eficazmente em situações específicas de trabalho.

o Guy Le Boterf (1998): uma construção, a partir de uma combinação de recursos (conhecimentos, saber fazer, qualidades ou atitudes) e recursos do ambiente (relações documentos, informações e outros) que são mobilizados para lograr um desempenho.

o Philippe Zarifian (2001): o tomar iniciativa e responsabilizar-se com êxito, tanto individualmente, como em grupo, ante uma situação profissional.

o Autoridade Nacional de Qualificação da Inglaterra (QCA): habilidades e conhecimentos necessários para realizar um trabalho efetivamente.

o Ministério da Educação do Brasil (MEC): capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação, valores, conhecimentos e habilidades necessárias para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho.

o Organização Internacional do Trabalho (OIT): conhecimentos, atitudes profissionais e conhecimentos técnicos especializados que se aplicam e dominam em um contexto específico.

o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Brasil (SENAI): conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para alcançar os resultados pretendidos em um determinado contexto profissional.

Uma derradeira discussão sobre “o que avaliar” é acerca do desempenho e aprendizado. Para se mediar o aprendizado se deve avaliar as competências de entrada e, posteriormente, as de saída dos alunos. Segundo Brook, uma única avaliação, como geralmente ocorre nos programas de avaliação externa do ensino, permite verificar apenas o desempenho do aluno no momento da avaliação e não a evolução do aprendizado ao longo de um período. Avaliações de entrada e saída, ou seja, longitudinais, teriam a vantagem de acompanhar o progresso do aluno e a real influência da escola/professor no processo de ensino-aprendizagem.

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